Quadrinhos invadem jornalismo com qualidade e profundidade

Desvalorizado nas redações e desconhecido do grande público, o Jornalismo em Quadrinhos encontra cada vez mais espaço no meio digital

Por Gabriel Oliveira*

No ano de 2016, em meio ao processo de apuração para seu primeiro livro-reportagem em quadrinhos, os jornalistas Amanda Ribeiro e Luiz Fernando Menezes entrevistaram um tenente-coronel da Polícia Militar de Santa Catarina com o objetivo colher informações para uma pauta importante: o que o policial brasileiro sofre e o que a população sofre com a polícia. Ao fim da entrevista, perguntados pelo tenente-coronel sobre o que seria feito com o material, os repórteres responderam que tudo aquilo serviria para a produção de uma reportagem em quadrinhos. Curioso, o militar perguntou: “Ah! então vocês vão me desenhar como um super herói?”A reação do entrevistado, que se repete até hoje durante as apurações para reportagens do gênero, confirmou o que Amanda e Luiz Fernando já sabiam: grande parte das fontes de informação e do público em geral não sabe o que é o que é jornalismo em quadrinhos.

O desconhecimento a respeito desse gênero jornalístico é compreensível. Explorar o meio dos quadrinhos de maneira jornalística é uma prática ainda recente, e que se desenvolve a cada ano, seja no Brasil ou no mundo. A entrevista com o tenente-coronel deu origem ao livro-reportagem Socorro! Polícia!, publicado em 2018, e que aborda a realidade policial no Brasil por meio da disposição sequencial de ilustrações, como nas já conhecidas HQs (histórias em quadrinhos). Longe de ilustrar qualquer super-herói em meio às suas 160 páginas, o livro trata de algo sério: o lado humano dos policiais, apresentando dados e entrevistas que são dispostas de uma forma diferente do jornalismo convencional.

Inicialmente, Socorro! Polícia! foi desenvolvido por Amanda e Luis como um trabalho de conclusão de curso da Universidade Federal de Santa Catarina. Depois foi publicado como livro-reportagem. (Reprodução Internet) 

Ao contrário do que se pensa no senso comum, as reportagens em quadrinhos costumam tratar de assuntos extremamente relevantes, mas que, às vezes, não encontram o espaço necessário em meios de comunicação mais tradicionais. No Brasil, além de Socorro! Polícia!, obras como Estilhaço, de Carol Ito, e Meninas em Jogo, de Andrea Dip e Alexandre de Maio, abordam desde a pobreza extrema no Vale do Jequitinhonha, até a prostituição entre menores de idade na periferia de Fortaleza logo antes da Copa do Mundo de 2014. Temas bem diferentes do que muitos imaginam ao ouvir a palavra “quadrinhos”, mesmo quando esta vem acompanhada pelo termo “jornalismo”. Para a repórter e quadrinista Carol Ito, muito do preconceito acontece pelo fato do público brasileiro não ter acesso aos quadrinhos com temas mais adultos. “As pessoas têm a imagem de que quadrinho é coisa de criança, geralmente lembra de Turma da Mônica e outras obras mais infantis. Portanto, é difícil de associar com o jornalismo”.

Essa visão tem respaldo histórico e se deve em parte à infantilização dos quadrinhos na década de 50 nos Estados Unidos. O berço ocidental da ‘nona arte’, como os quadrinhos são conhecidos, alimenta e influencia outros países americanos. Após a publicação do livro A sedução dos inocentes, do psicanalista alemão Frederick Wertham, que acusava as HQs de induzir jovens à criminalidade por meio de tramas violentas, foi criada a Comics Code Authority, em 1954. Essa espécie de “selo de qualidade” limitou a produção de HQs aos icônicos super-heróis e às histórias infantis de personagens de desenhos animados, como os da Disney. 

De acordo os pesquisadores Mateus Yuri Passos e Ana Paula Oliveira, no artigo Joe Sacco: Jornalismo Literário em quadrinhos, foi nos “anos 80, que enfim, as HQs norte-americanas passaram por uma revolução”, abrindo espaço para que ficções e não-ficções mais sérias também pudessem ser ilustradas de maneira autoral. Nesse ambiente de novas possibilidades e experimentações, o jornalista maltês Joe Sacco lançou Palestina, em 1994. A obra é considerada um marco no gênero e é fruto das experiências do autor na região da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, entre os anos de 1991 e 1992. Entre desenhos e palavras que se conversam, Sacco explora a situação do povo palestino em uma região disputada há milênios por árabes e judeus. É a partir do lançamento de Palestina que a reportagem e as HQs se aproximam de maneira mais explícita, com a criação do termo “jornalismo em quadrinhos” pelo próprio Sacco. 

Com um texto coloquial e objetivo aliado às suas observações pessoais, Sacco trata de temas complexos como a guerra milenar entre palestinos e judeus. (Reprodução Internet)

De certa forma, os quadrinhos sempre estiveram presentes nas páginas dos jornais, mas historicamente não em forma de reportagens, e sim nas já tradicionais tirinhas e charges. Ainda segundo o artigo de Mateus Yuri Passos e Ana Paula Oliveira, com um objetivo bem diferente das reportagens em quadrinhos, as charges “tornaram-se uma modalidade do jornalismo opinativo, partilhando do espaço destinado a editoriais e artigos”.

Na Faixa de Gaza ou na periferia de Fortaleza, um jornalista escolhe os quadrinhos para ilustrar suas pautas por conta das possibilidades únicas que o meio dispõe. Diferente do telejornalismo, do rádio ou do impresso, os quadrinhos se relacionam de maneira mais explícita com arte. Essa relação permite ao autor utilizar recursos já característicos do gênero das HQs para valorizar ainda mais elementos relevantes de uma reportagem, como a subjetividade. Para Augusto Paim, jornalista e PhD em reportagem em quadrinhos, a subjetividade é um ponto importante para entender a escolha do formato para desenvolver uma reportagem, gênero onde a visão do repórter é “não apenas tolerada, mas até mesmo desejada”.

É possível visualizar de maneira mais clara a interpretação do autor sobre o tema no livro-reportagem Socorro! Polícia!, que em um dos capítulos apresenta um mesmo diálogo reescrito diversas vezes ao longo das páginas. A cada vez que é reescrito, muda drasticamente seu conteúdo e expõe diferentes mecanismos de abusos sofridos pelos próprios policiais na estrutura adotada pela Polícia Militar (PM). Entre eles, a hierarquia da instituição, que facilita abusos morais e até sexuais. E o treinamento desequilibrado entre os membros da PM, chamado pelos próprios policiais de adestramento. O trecho também explora elementos como a ironia e utiliza o exagero em algumas representações dos personagens para dar mais ênfase ao que o autor deseja.

Outra possibilidade única do gênero é a de ilustrar acontecimentos que não foram documentados em imagens, como uma memória ou um relato do entrevistado. Esse recurso é utilizado em reportagens como Siga Remando, que conta a trajetória do campeão olímpico Isaquias Queiroz em traços de mangá (estilo característico do Japão). O jornalista e quadrinista Norberto Liberator também cita a televisão e o problema quanto à representação de fontes que não querem ser identificadas. Para driblar isso, muitas vezes os profissionais utilizam a alteração de voz do entrevistado e a sua imagem borrada ou sem foco, o que segundo ele acaba comprometendo a seriedade do relato. “Nos quadrinhos você pode simplesmente desenhar uma pessoa diferente do que ela é. Resolve esse problema”.

Como em outros formatos do jornalismo, as imagens devem conversar com o texto. Nas páginas, enquanto o desenho chama atenção do leitor, o texto contextualiza os acontecimentos. A obra Palestina de Joe Sacco, por exemplo, intercala ilustrações e grandes passagens de texto, algo defendido pelo pesquisador Augusto Paim. O pesquisador ainda ressalta a importância da presença de um dossiê no começo ou ao final das reportagens, que apresente as fontes e outras informações que não entraram nos quadrinhos. 

A busca por valorização no mercado brasileiro

Se Joe Sacco foi o pioneiro do jornalismo em quadrinhos no mundo, o Brasil também tem uma figura responsável pela difusão das reportagens em HQ. Ele mesmo é chamado de “Joe Sacco brasileiro” por quadrinistas e repórteres do gênero, mas atende pelo nome de Alexandre de Maio. Enquanto Sacco se consolidou com trabalhos voltados para a cobertura de guerras no Oriente Médio, Alexandre relata conflitos internos e sobre as periferias do país. Não esconde a admiração pelo jornalista maltês e, assim como ele, também usa dados de segurança pública em seus quadrinhos, uma semelhança ressaltada pelo brasileiro. “Lembro que as estatísticas da violência daqui eram maiores do que nas guerras que Joe Sacco cobria lá na Palestina. A gente vive em guerra aqui em São Paulo”.

A ideia de utilizar dados reais em HQs remonta ao início de sua trajetória no gênero, influenciado pelos quadrinhos da infância e pelo contato com outra arte marginalizada, o rap. Ele se inspirou nos Racionais MCs, grupo paulista influente na cena musical até os dias atuais, que usa vários levantamentos a respeito da segurança pública brasileira em suas músicas. O jornalista relembra seu primeiro quadrinho não-ficcional, em 1997, quando ilustrou a história real de uma bala perdida na rua de casa. Para complementar os desenhos, colocou estatísticas da violência daquele período. “Acho que foi isso que acabou me despertando pro jornalismo”, acredita.

“60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais

Já sofreram violência policial

A cada 4 pessoas mortas pela polícia, 3 são negras

Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros

A cada 4 horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo

Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente”

Capítulo 4, Versículo 3 – Racionais MCs (Sobrevivendo no Inferno, 1997)

Mais de vinte anos depois, Alexandre é a principal referência brasileira na área. Após levar os quadrinhos para redações de grandes jornais como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Fórum e Veja, ganhou o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo com a reportagem Meninas em Jogo, em 2013. A matéria produzida com Andrea Dip pela Agência Pública tem como tema a exploração sexual de crianças e adolescentes no Ceará. É considerada a primeira reportagem investigativa pensada e concebida exclusivamente no gênero HQ. Mas, além do reconhecimento nacional, o quadrinista também penetrou no principal mercado do jornalismo em quadrinhos no mundo, quando teve a HQ Desterro, de 2015, lançada na França com o título Favela Chaos. Após outros trabalhos tanto em português quanto em francês, lançou seu primeiro livro solo de jornalismo em quadrinhos em 2018, intitulado Raul.

Além do prêmio Tim Lopes de jornalismo investigativo com Meninas em Jogo, Alexandre de maio também foi finalista do prêmio Jabuti com o livro Raul (Reprodução Agência Pública)

Ainda que premiado internacionalmente e reconhecido no país, quando perguntado se é possível pagar as contas com jornalismo em quadrinhos, Alexandre alerta rindo: “acho que ainda não, né?”. Para ele, enquanto não houver um profissional fixo para fazer jornalismo neste formato nas principais redações do país, a prática está distante de se tornar uma forma de sustentação. Por enquanto, é apenas um diferencial do jornalista.

Tratar o formato como um hobby ou algo a ser feito paralelamente a outras tarefas é algo em comum entre os jornalistas de quadrinhos brasileiros. Luiz Fernando Menezes, um dos autores de Socorro! Polícia!, afirma que ninguém vive só de jornalismo em quadrinhos no Brasil. Para ele, é um trabalho de horas vagas. Luiz está produzindo seu segundo livro-reportagem do gênero com Amanda Ribeiro. O Time do Vírus, terá como tema os reflexos da polarização política no primeiro ano de pandemia no Brasil, tem previsão de lançamento até o fim de 2021 e é desenvolvido pela dupla em paralelo ao expediente no site Aos Fatos. “O que a gente faz é levar algo que a gente gosta adiante, não acreditar que isso vai se tornar uma carreira”, completa Amanda. A repórter relembra as tentativas de produzir reportagens em HQ quando trabalhou na Folha de S. Paulo, e diz que o gênero encontra resistência nas grandes redações tradicionais. 

Um dos principais fatores citados pelos entrevistados para essa resistência é o não conhecimento ou a não valorização do gênero pelas chefias. Amanda destaca que o jornalismo em HQ necessita de mais tempo para ser feito em relação a uma matéria convencional, algo que não se enquadra na lógica das redações. “É tudo muito rápido, então porque você vai fazer um quadrinho se para eles você poderia estar fazendo várias matérias nesse mesmo tempo?”, diz ela ao relatar a lógica adotada pelos editores. O tempo para a produção de uma matéria do gênero é quase o triplo se comparado a outros formatos jornalísticos. Envolve além da apuração e da roteirização, a etapa do desenho, considerada a mais demorada. A remuneração nesse caso não triplica: o valor pago costuma ser o mesmo de uma reportagem em texto, deixando a prática mais cara pelo tempo investido na produção. 

A todas essas questões se soma a disputa física por espaço nas páginas do jornal. Por conta da arte, os quadrinhos acabam ocupando uma parcela maior do impresso que tem como foco notícias diárias e assuntos mais breves (a chamada hard news) do que aqueles geralmente tratados em reportagens em HQ. Para Augusto Paim, o jornalismo em quadrinhos é um meio, assim como o telejornalismo ou o radiojornalismo. Logo, outros gêneros além da reportagem poderiam ser explorados nos quadrinhos, como a notícia hard news. “Você pode pensar que tem ilustradores trabalhando nas redações, acostumados a criar imagens para ilustrar o jornal, que poderiam fazer notícias (diárias) ilustradas sem sair da redação”.  

Novos caminhos no meio digital

Se nas páginas físicas a disputa com o jornalismo tradicional é desfavorável, no digital o jornalismo em quadrinhos encontrou espaço. Veículos importantes do online, como a Agência Pública e o portal UOL, já publicaram matérias em quadrinhos nos seus sites. O UOL lançou recentemente a série Histórias Olímpicas, que conta por meio das HQs a trajetória de quatro atletas e suas famílias rumo às Olimpíadas de Tóquio 2020. Em outro caso importante para a popularização do gênero, a agência Aos Fatos uniu duas práticas recentes do jornalismo: a checagem de fatos e o jornalismo em quadrinhos. O resultado pode ser visto no Fátima explica, uma série em HQ onde a personagem robô Fátima explica assuntos atuais que são alvo de desinformação. 

Fátima explica como é monitorado o desmatamento da Amazônia. Por Luiz Fernando Menezes. (Reprodução Aos Fatos)

O meio digital oferece ainda mais possibilidades ao jornalismo em quadrinhos. Seja pela liberdade quase total que a internet apresenta, ou pelo alcance, potencialmente maior que o impresso. As vantagens aparecem também no aspecto técnico: “o online permite colorir os quadrinhos, algo que iria demandar muito dinheiro no impresso” conta Norberto Liberator, jornalista e um dos criadores da Revista Badaró. Com Fábio Faria, Leopoldo Neto e Mylena Fraiha, Norberto criou a primeira revista eletrônica especializada em jornalismo em HQ no Brasil. Além das produções em quadrinhos, o veículo também trabalha com o audiovisual e textos escritos, baseados na reportagem, no jornalismo opinativo ou literário. Apesar de reconhecer as vantagens e a maior liberdade do meio digital, o jornalista não esconde a vontade de lançar uma edição física da revista. “Eu tenho esse romantismo com o impresso, de virar a página, sentir o cheiro e a textura”, admite. 

No ar desde 2019, a Badaró busca formas de se tornar rentável. Atualmente é mantida por doações de leitores, o que é suficiente para pagar as despesas do site e custeou a locação da redação física antes da pandemia. Para os criadores da revista, entrar na lógica do mercado nunca foi o objetivo principal: “Se tivéssemos começado visando o lucro e não desse certo, em pouco tempo teríamos abandonado. Assim deu tempo de se estruturar bem e consolidar um nome”, relata Norberto. Hoje a Badaró é uma das referências no meio do jornalismo em quadrinhos e parte para uma nova etapa: tentar atrair anunciantes para o projeto. Norberto conta que a revista fechou seu primeiro contrato com patrocinador após dois anos da criação do veículo, e já negocia com outras empresas. 

A revista Badaró trata de temas históricos, usando como gancho acontecimentos recentes que repercutiram na mídia. (Reprodução Revista Badaró)

Além do próprio site, as redes sociais têm se tornado uma das principais ferramentas para alcançar novos públicos. No perfil da Badaró no Instagram (https://instagram.com/revistabadaro), é possível encontrar a íntegra dos conteúdos em quadrinhos da revista. Também vale a pena acompanhar o Twitter da revista (http://twitter.com/revistabadaro). Norberto conta que essa foi uma forma de gerar mais engajamento na rede. Outros quadrinistas, como Pablito Aguiar, priorizam a rede para levar ‘histórias da vida real em quadrinhos’, como ele mesmo define, aos seus mais de 15 mil seguidores. Seu trabalho é voltado para relatar em desenhos as histórias de Alvorada, uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre. Periodicamente, ele também publica em seu perfil entrevistas em HQ feitas para o quadro Fala que eu Desenho da Revista Parêntese. Ainda assim, a maioria dos trabalhos de jornalistas de quadrinhos no Instagram tem como foco as tirinhas e charges, e não exatamente reportagens em quadrinhos. 

Início da entrevista em HQ publicada por Pablito Aguiar, na qual o motoboy Ebrima, nascido em Gâmbia, relata seus caminhos até Porto Alegre e a saudade de casa. (Reprodução Instagram)

“A série especial de hoje será contada de uma forma inovadora”, anuncia o âncora Luiz Monteiro, do Jornal da Record. “O jornalista e ilustrador Alexandre de Maio vai retratar, através dos quadrinhos, tudo que a vítima narrou à repórter Thais Furlan”, completa. Saindo das páginas impressas e digitais, o jornalismo em quadrinhos alcançou recentemente um outro meio tradicional: a televisão. Em maio de 2021, a emissora Record veiculou a primeira reportagem da TV aberta do Brasil a utilizar o jornalismo em quadrinhos. Ilustrada por Alexandre de Maio, a matéria conta a história de uma brasileira que quase foi vítima do tráfico internacional de órgãos. Na reportagem as memórias e relatos da entrevistada são retratados através de desenhos, substituindo a simulação com atores, geralmente utilizada nesse tipo de matéria. A série de reportagens concorre como finalista à Content Innovation Awards, prêmio da Television Business International que incentiva a criatividade na produção de conteúdo.

Diferente do habitual no jornalismo em quadrinhos, a reportagem do Jornal da Record evidencia um outro recurso possível no meio digital: a animação dos desenhos. Aliado às técnicas de animação, os quadrinhos ganham novas possibilidades, e se mostram um meio ainda mais versátil para as diversas necessidades de representação que o jornalismo busca, seja no impresso, na televisão ou na internet. Assim como no início da produção do gênero no Brasil, nos anos 90, esta nova etapa no digital também tem a figura de Alexandre de Maio como um precursor. Além de ilustrar a primeira matéria em HQ no telejornalismo, ele também é diretor de animação da série documental O Enigma da Energia Escura, na GNT. A série criada pelos irmãos Emicida e Fióti trata da negritude, misturando cenas históricas reais e passagens em HQ animadas. “Eu acabei indo pra esse lado da animação porque é um jeito de se destacar ainda mais”, afirma.  

A matéria ilustrada por Alexandre de Maio faz parte da série de reportagens Aprisionadas, disponível no Youtube (Reprodução Youtube/TV Record)

Se destacar dos formatos tradicionais do jornalismo utilizando a força da narrativa visual, essa é uma das principais características do jornalismo em HQ. Ainda brigando por espaço, os jornalistas de quadrinhos brasileiros buscam a valorização desse formato pelo público e pelos veículos. E para Norberto Liberator, essa valorização está vindo com as gerações mais jovens: “o pessoal que nasceu dos anos 90 pra cá, leva os quadrinhos mais a sério”. Coincidentemente ou não, é uma geração que cresceu ao mesmo tempo em que o jornalismo em quadrinhos se desenvolvia. Seja por meio do impresso, da TV ou da internet, com desenhos super-realistas ou cartunizados, o intuito segue sendo o de fazer jornalismo. Sobre isso, Carol Ito ressalta que “a busca do jornalista a priori é a de fazer seu conteúdo gerar impacto social positivo e mobilizar o público para que entenda melhor uma questão. Essa é a motivação principal, tanto no jornalismo tradicional quanto nos quadrinhos”.

Como é feita uma matéria em HQ?

Para quem ficou curioso sobre como funciona a apuração e produção de uma reportagem em quadrinhos, a HQ a seguir apresenta esse processo, elaborado pelo próprio repórter. Os desenhos foram feitos a partir de um celular e as informações coletadas das entrevistas com os jornalistas e quadrinistas citados ao longo da reportagem. 

(*)Estudante de jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina, ilustrador e colunista no portal Abertura.

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