Prefeitura de São Paulo intensifica a segregação de pessoas da antiga Cracolândia

Passado um mês da migração da Cracolândia para a Praça Princesa Isabel, as coisas só pioram. O novo local também foi "estourado" e colocada uma cerca para "proteger" a área que está sendo "revitalizada"

Texto de Valéria Jurado* e fotos de Ale Ruaro**

Os moradores que estavam há anos na antiga Cracolândia (na esquina da Rua Helvetia com Alameda Cleveland, no bairro de Campos Elíseos, entre a região da Boca do Lixo e da Luz no Centro de São Paulo), foram expulsos pelo fluxo que se estabeleceu. Agora, uma “nova segregação” acontece com a colocação de grades na tentativa de isolamento da população dos canteiros que começam a ser revitalizados com jardinagem, gramado, bancos, etc. Com isso, houve um empurrão no sentido do obelisco, espremendo as pessoas num canto da Praça Princesa Isabel.

Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro

Essas pessoas não são sujeira pra serem varridas. São gente como Dona Célia de 73 anos, idosa com problemas mentais que morava numa barraca com seu gatinho há três anos na praça. Hoje ela mora no canteiro central da avenida Rio Branco em frente à praça, embaixo de sol e chuva, ela é apegada ao lugar e tem esperança de que logo após a obra de jardinagem, possa levantar sua barraca como antes e no mesmo espaço.

Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro
Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro

A praça cercada por viaturas das três policias não faz sentido e não impede o mercadão das drogas. Ninguém entende essa dinâmica e a permanência da vigilância que nunca resolverá um problema de saúde pública.

O quê se vê no lugar dos antigos moradores são as barracas onde os “vapores” negociam as pedras e os vendedores ao redor, que expõem no chão, os produtos dos roubos e furtos no “shopping do fluxo” e que vão desde celulares até bicicletas, desodorante, roupas, miojo, etc.

Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro

Como desculpa do governo HIGIENISTA é a inauguração do novo Hospital Pérola Byington que ocorrerá em dezembro, argumento usado à exaustão por João Dória e que servirá de peça publicitária na campanha eleitoral juntamente com a imagem de “Salvador da Pátria” que extinguiu a Cracolândia após 30 anos de existência.  Insistem em dizer que toda a movimentação foi obra do comando do tráfico. Não foi! a dispersão só fez VARRER SERES HUMANOS como a idosa Dona Célia.

Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro

A Cracolândia além de dispersada e dividida em várias mini Cracolândias pelo centro da cidade, tem agora, a responsabilidade ampliada em roubos, furtos e latrocínios, como por exemplo a trágica morte de Ingrid Reis Santos, estudante de 21 anos baleada na rua Vitória em 11 de abril, vítima da bala perdida de um enfrentamento entre um policial de folga e um assaltante, afirmação feita pelas autoridades num caso que ainda não convenceu.

Enquanto a criminalidade aumenta e abrange novas áreas na cidade, o dinheiro que poderia ser utilizado na recuperação e reinserção de dependentes à sociedade, ao mercado de trabalho e à dignidade, o governo HIGIENISTA gasta com obras sem sentido como o Boulevard João Carlos Martins que liga a plataforma da Estação da Luz à Sala São Paulo.

Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro

O espaço nobre para concertos é frequentado pela elite paulistana que em hipótese alguma pode passar pelas ruas do entorno e verificar a miséria, a fome e o abandono das ruas da Luz. Os milionários que frequentam a Sala São Paulo não usam metrô ou trem da CPTM, não vão passar nem perto do boulevard que custou mais de 11 milhões numa distância de 120 metros, que vive vazia e cirurgicamente limpa, enquanto que a plataforma e trens vivem lotados de trabalhadores esmagados feito sardinhas em lata,  enfrentando há meses as paralisações  causadas pela privatização das linha 8 e 9, adquiridas pela Via Mobilidade.

Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro

Mas vocês sabem, né? Era urgente João Dória inaugurar tal obra que segundo profissionais não custaria mais de 2 milhões. O que antes se tratava de uma passagem operacional e foi devidamente maquiada com parede verde, bancos de madeira, piso, cobertura de vidro, ficou linda, limpa, uma espécie de jardim de condomínio, cenário perfeito para uma selfie, a cara do gestão desumana e profilática de João Dória e continuada por Rodrigo Garcia.

Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro

Na jardinagem/zeladoria da Praça Princesa Isabel, com a tal “revitalização”, a prefeitura não é transparente. Consultando funcionários da empresa responsável e profissionais da área, o valor deverá ficar em torno de 500 mil reais para plantar grama e colocar uns 10 bancos, serviço que no mundo real não chegaria a 50 mil reais.

Curiosa é a prioridade do governo LIMPINHO João Dória/Rodrigo Garcia/Bruno Covas/Ricardo Nunes que deixou tudo planejado preparado antes do primeiro sair do Palácio dos Bandeirantes para a campanha eleitoral. Vale votos um boulevard, uma praça, um hospital inacabado. Quanto às 6 mil vidas dos dependentes e dos miseráveis que viviam ali, essas “não constam dos autos”.

Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro

Um morador em situação de rua, quando encontra uma vaga fixa em um dos CTA’s, custa 1.300 reais por mês à cidade de São Paulo (dormir/tomar banho/3 refeições), isso sem contar a assistência social e médica, ineficientes em casos de dependência química. Nos CTA’s os cidadãos estão sujeitos às infecções por muquiranas, infestação de piolhos, sarna, comida azeda e podre, chuveiro frio e a total falta de higiene e limpeza de banheiros nos salões onde dormem 200 camas ou mais. Porcos vivem em melhores condições.  Esses são alguns dos motivos que levam principalmente homens jovens em idade produtiva à preferência pelas ruas e se submeterem aos abrigos somente no inverno, quando o frio é insuportável como em 2021.

Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro

A cidade mais rica é também a mais incompetente quanto à solução do problema que foi escancarado na pandemia, o tratamento e o acolhimento à população vulnerável continua sem um programa sério e efetivo. Não existe interesse em nenhuma das esferas do poder público em solucionar essa miséria e em  devolver a dignidade aos seres humanos que hoje circulam esse obelisco que quando paro e olho, lembro da peregrinação à Meca. Mas sem fé alguma.

Fotos: Ale Ruaro – @aleruaro

*TEXTO : Valéria Jurado
Jornalista e Ativista de Direitos Humanos
Twitter @Valeria_Jurado6
Desde o início da pandemia reportando como voluntária às causas da população em situação de rua divulgando e atuando em várias frentes

**FOTOS : Ale Ruaro
Fotógrafo de Arte e Lifestyle
Twitter @aleruaro
Instagram @aleruaro
Registrando como Fotojornalista a situação da população em situação de rua durante toda pandemia

COMENTÁRIOS

17 respostas

  1. Valéria Jurado cristalina no seu maravilhoso texto, com esta triste realidade de Essepê.
    Parabéns e que ecoe ao longe amiga.

  2. Muito bom o texto. Esse “Boulevard” é a cara da burguesia paulista. Uma maneira sutil de “esconder” os problemas ao invés de enfrentá-los. O pior é que o enfrentamento é brutal, ao invés da prefeitura e o estado investir em ações sociais e saúde eles preferem aumentar a verba para as polícias. Recentemente o prefeito aumentou em 800% uma gratificação para os guardas municipais que participam das ações higienistas na Cracolândia.
    As eleições estão chegando e novamente assistiremos espetáculos de horrores nos jornais e programas políticos, afinal é assim que essa gente se elege, mostrando austeridade, virilidade com discursos falaciosos.

  3. Muito triste e desesperadora essa situação. Obrigada pelo trabalho, Valéria e Ale!

  4. Sou totalmente opositor ao governo Dória, mas nesse caso tem um remédio bom para os pobres coitados que estão na Cracolândia: parem de usar drogas. Aos demais, não comecem a usar drogas. Se não conseguirem parar, entreguem-se à internação

  5. Eu concordo com a reportagem, percebi tb que a jornalista está pessoalmente próxima ao problema. Bom! Ela, creio eu, deveria sim apresentar um plano, uma solução; deve ter algum por estar tão presente, se não tem, ou é sem visão, ou oportunista para que o problema continue para que tb continue sendo notícia. Esse “dória” é um péssimo governante e ser humano, um vigarista, mas no tom da reportagem, nas palavras rebeldes, tá mais parecendo questão política que preocupação real ao próximo.

  6. Boa reportagem e parabéns a essa Sra pela verdadeira descrição que fez,observadora e consciente do que acontece, entre a frente da praça e os fundos teria sido melhor a inversão de ocupação

  7. Parabéns pela matéria trouxe a dura realidade que a maioria prefere não enxergar.

  8. “Nos CTA’s os cidadãos estão sujeitos às infecções por muquiranas, infestação de piolhos, sarna, comida azeda e podre, chuveiro frio e a total falta de higiene e limpeza de banheiros nos salões onde dormem 200 camas ou mais. Porcos vivem em melhores condições. ” Sei não, não acredito em metade disso. Já entrei num abrigo da prefeitura (faz tempo) e não ví nada disso. Chuveiro frio? talvez. Comida podre e azeda …. se nos restaurantes Bom Prato não é, porque nos abrigos seria ? E os quartos eram limpos, com roupa de cama trocada. Não era um hotel, mas estava longe de ser um chiqueiro, ou pior.

  9. Boa tarde.
    Valério Jurado vc como ativista dos Direitos Humanos deveria sabe que lá nesses CTAs, que vc fala existem trabalhadores que estão lá para ganhar o seu pão de cada dia, seu e da sua família, muitos são pessoas em situação de rua, que trabalha em um albergue e vive em outro ate a situação melhora, eu trabalho em albergus há 12 anos ( não concordo com a política para pessoas em situação de rua), (já trabalhei nos de famílias, nos só de alimentação, no maior da América Latina e nos de passagen), mas vc dizer que a comida que e servida lá é podre, azeda, que os banheiros são imundos, sem nem uma higiene, que porcos vivem melhor, isso é uma completa falta de verdade, de uma reportagem completamente vendida, acho que vc nem foi em um Albergue para verificar essa sua afirmação. Que base vc tem para tal afirmação quais os albergues vc visitou? isso é um desservico, vc envergonha a classe de bons jornalistas.

  10. O lugar da senhora de 53 e com problemas relativos a sua sanidade nao e a rua!
    E sim em um abrigo onde tenha alimentacao e cuidados pessoais que ela mesma nao tem condicoes de garantir.
    E praca nao e local de moradia para ninguem, e cercear espaco publico para pessoas sem condicoes de discernimento nao e politica higienista e sim obrigacao do estado em garantir que o espaco publico seja: – Publico! Rs
    E nao territorio livre para pessoas viverem feito animais sem cuidados medicos e materiais para que cinicos travestidos de humanistas vendam isso como “garantia de (pasmen) respeito aos direitos humanos dessas pessoas…

    1. Também é dever do Estado (pasmem) oferecer opções dignas para as pessoas. Mas o que tem oferecido desde o fim do Braços Abertos (que diminuiu em 2/3 o número de pessoas nessa situação) é apenas prisão, seja na cadeia, sejam em “clínicas” evangélicas fundamentalistas.

  11. Faltou a jornalista entrevistar as pessoas que são afetadas pelo fluxo. Entrevistar os comerciantes da região. Entrevistar os agente de saúde que trabalham para a reabilitação dos dependentes químicos. Entrevistar um dependente e os familiares de algum dependente. O texto se propunha apenas a criticar? Atingiu o objetivo. Agora não vi especialistas falando e nem um ponto de vista mais amplo sobre o problema.

    1. Há dezenas de outras matérias que tratam desses outros lados da questão, inclusive feitas pelos Jornalistas Livres.

  12. Estou em um abrigo da prefeitura,existe muitos percevejos nas cama,e melhor dormir na rua

  13. Eu não entendi o início da matéria. À quem vocês se referem como moradores? Por acaso são os viciados em crack que praticam assaltos, depredam patrimônio público e que sustentam o crime organizado e são usados por ONGs para captação de dinheiro público para alocar esses indivíduos em pensões na região que pertencem à pessoas envolvidas com tráfico de drogas, além de outros crimes e contravenções? E desde quando é necessário uma “desculpa” para construir hospitais? Esse governador é covarde em não agir diretamente no combate à esses criminosos. Se a esquerda fabiana não tivesse arregado pro PCC, e se a esquerda trabalhista e progressista identitária não se favorecesse com essa realidade lastimável, esse problema teria acabado há muito tempo.

    1. Nós nos referimos a PESSOAS. Pq? Vc não considera que pessoas, mesmo as dependentes químicas, são gente? Aliás, nem todas as que estão vivendo em situação de rua são dependentes químicas, sabia? Muitas foram jogadas nessa situação pela calamidade em que está nossa economia. Sua “denúncia” de ONGs é vazia. Mas há sim interesse de organizações religiosas para o encarceramento dessas pessoas em “clínicas” onde há maus tratos e nenhum tratamento. É ilusão achar que se vai “solucionar o problema” com polícia e repressão. E isso está mais do que provado.

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