Por Bruno Bocchini – Repórter da Agência Brasil
A população negra encarcerada no sistema penitenciário brasileiro atingiu o maior patamar da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), iniciado em 2005. De acordo com o anuário da entidade, divulgado hoje (20), em 2022, havia 442.033 negros encarcerados no país, ou 68,2% do total das pessoas presas – o maior percentual já registrado.
Em 2021, essa proporção era de 67,5%. Há 18 anos, em 2005, quando a série histórica do FBSP teve início, os negros representavam 58,4% das pessoas presas no país. Já os brancos, no sistema prisional, eram 197.084 em 2022, ou 30,4% do total. Em 2005, eram 39,8% do sistema prisional.
“O sistema prisional brasileiro escancara o racismo estrutural. Se de 2005 a 2022 houve crescimento de 215% da população branca encarcerada, houve crescimento de 381,3% da população negra. Em 2005, 58,4% do total da população prisional era negra, em 2022, esse percentual foi de 68,2%, o maior da série histórica disponível. Em outras palavras, o sistema penitenciário deixa evidente o racismo brasileiro de forma cada vez mais preponderante. A seletividade penal tem cor”, destaca o texto do anuário do FBSP.
No total, a quantidade de pessoas presas no sistema carcerário brasileiro aumentou de 815.165 em 2021 para 826.740, em 2022. A razão de detentos por vaga também aumentou, de 1,3 (2021) para 1,4 (2022), ou seja, o sistema está operando ainda mais acima de sua capacidade. Segundo o anuário, há 230.578 pessoas privadas de liberdade a mais do que o sistema comporta.
“Persistem, portanto, as condições de superlotação e insalubridade. A integridade física e moral das pessoas em privação de liberdade é banalizada. Vai se assentando uma “cultura do encarceramento”, com a sobrerrepresentação negra naturalizada. Na medida em que o Estado se mantém inerte, legaliza a desigualdade e corrobora as irradiações do racismo estrutural”, destaca o texto o anuário.
Presos sem condenação
O documento do FBSP mostra ainda que houve diminuição proporcional dos presos provisórios – pessoas detidas sem condenação – no sistema prisional. Em 2020, eram 30,2% do total; em 2021, 28,5%; e agora, em 2022, 25,3%.
“Podemos estar diante dos impactos da implementação cada vez mais consistente das audiências de custódia, cujo marco inaugural data de 2015. Mesmo com a diminuição a comemorar, ainda estamos falando de 210.687 pessoas privadas de liberdade sem que tenham sido condenadas”, diz o texto do anuário.
Monitoramento eletrônico
O anuário chama a atenção para o aumento do número de detentos como monitoramento eletrônico. Em 2019, eram 16.821 presos com monitoramento eletrônico (2,2% do total); em 2022, esse número foi para 51.897 (11% do total dos presos).
De acordo com o documento, a mudança ocorreu principalmente em razão da Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2020, que recomendou adoção de medidas preventivas à propagação de covid-19 no sistema prisional.
“O monitoramento eletrônico tem sido propalado como uma alternativa ao encarceramento. Tanto que é apresentado pelo CNJ como resposta hábil a lidar com os problemas estruturais do sistema carcerário. Contudo, a se considerar, que ao mesmo tempo em que esse expediente eletrônico preserva da privação de liberdade degradante, essa modalidade de cárcere impõe uma rotina de sobrevivência que impacta diretamente na autonomia, trazendo marcas simbólicas que estigmatizam a condição da pessoa encarcerada”, diz o texto do anuário.
Racismo e homofobia disparam no país
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados hoje (20), mostram que o número de registros dos crimes de injúria racial, racismo e homofobia ou transfobia dispararam em 2022 no país na comparação com o ano anterio.
Os registros de racismo saltaram de 1.464 casos em 2021, para 2.458, em 2022. A taxa nacional em 2022 ficou em 1,66 casos a cada 100 mil habitantes, uma alta de 67% em relação ao ano anterior. Os estados com as maiores taxas, de acordo com o anuário, foram: Rondônia (5,8 casos a cada 100 mil habitantes), Amapá (5,2), Sergipe (4,8), Acre (3,3), e Espírito Santo (3,1).
Os registros de injúria racial também cresceram. Em 2021 foram 10.814 casos e, em 2022, 10.990. A taxa em 2022 ficou em 7,63 a cada 100 habitantes, 32,3% superior à do ano anterior (5,77). As unidades da federação com as maiores taxas foram Distrito Federal (22,5 casos a cada 100 mil habitantes), Santa Catarina (20,3), e Mato Grosso do Sul (17).
Já o crime de racismo por homofobia ou transfobia teve 488 casos registrados em 2022 no país, ante 326, em 2021. A taxa nacional por 100 mil habitantes em 2022 ficou em 0,44 – 53,6% superior ao ano anterior. Os estados com as maiores taxas foram: Distrito Federal (2,4), Rio Grande do Sul (1,1), e Goiás (0,9).
“Observamos grandes aumentos das taxas de injúria racial (que cresceu 32,3%) e racismo (que cresceu 67%), denotando aumento da demanda por acesso ao direito à não-discriminação”, destaca o texto do anuário.
O FBSP criticou a falta de dados, que deveriam ser fornecidos pelos órgãos oficiais, referentes ao número de pessoas do grupo LGBTQIA+ vítimas de lesão corporal, homicídio e estupro.
“Quanto aos dados referentes a LGBTQIA+ vítimas de lesão corporal, homicídio e estupro, seguimos com a altíssima subnotificação. Como de costume, o Estado demonstra-se não incapaz, porque possui capacidade administrativa e recursos humanos para tanto, mas desinteressado em endereçar e solucionar”, diz o texto.
De acordo com o FBSP, para a quantificação desses crimes é necessário contar com dados produzidos pela sociedade civil, como os da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e do Grupo Gay da Bahia (GGB).
De acordo com o anuário, a ANTRA contabilizou, em 2022, 131 vítimas trans e travestis de homicídio. Já o GGB registrou 256 vítimas LGBTQIA+ do mesmo crime em 2022. “O Estado deu conta de contar 163, 63% do que contabilizou a organização da sociedade civil, demonstrando que as estatísticas oficiais pouco informam da realidade da violência contra LGBTQIA+ no país”.
“Se bases de dados são instrumentos primários de transformação social, o que a produção de dados oficiais desinformativos diz sobre o destino para o qual caminhamos no enfrentamento aos crimes de ódio no Brasil?”, questionou o texto do anuário.