A Pequena Sereia (1989) conta a história de Ariel, uma princesa sereia, com um incrível talento para o canto, que sonha em desbravar o mundo dos humanos. Um dos maiores clássicos da Disney, o filme irá ganhar uma versão live-action que tem gerado polêmicas devido à decisão do estúdio de escalar a atriz e cantora Halle Bailey, que é uma mulher negra, para interpretar a princesa.
Desde da última sexta-feira (09) quando o primeiro trailer foi divulgado, Halle tem recebido diversos ataques racistas, disfarçados de preocupação com a “fidelidade à animação”. Comentários como “vão estragar o desenho”, “a Ariel da animação é mais bonita”, “não tem cara de princesa” e “e se o Pantera Negra (personagem da Marvel) fosse interpretado por um ator branco” podem ser encontrados na sessão de comentários.
Crianças negras crescem com poucos referenciais positivos na televisão e no cinema. A Disney, por exemplo, tem 12 princesas oficiais, apenas uma delas, Tiana, do filme A Princesa e o Sapo, é negra. Curiosamente, ela é que tem o menor tempo de tela dentro do próprio filme, uma vez que em boa parte da história Tiana está na forma de um sapo e passa apenas 19 minutos em sua forma humana.
Nos últimos anos houve uma grande leva de filmes de super-heróia. Só no estúdio da Marvel, que também pertence à Disney, foram 30 filmes lançados de 2009 até 2022. Do total, apenas um longa tem um super-herói negro como protagonista – “Pantera Negra”(2018). Mas esse problema não se resume apenas às produções da Disney. Ao longe de 94 anos de premiação do Oscar, maior prêmio de cinema, apenas seis atores negros ganharam na categoria de melhor ator ou atriz.
Além da baixa representação, o cinema tem um largo histórico de blackface, que consiste em caracterizar estereotipadamente pessoas brancas como uma pessoa negra. O caso mais famoso é do filme “O Nascimento de uma Nação” (1915), que não apenas fez uso de blackface, como animalizou a imagem de homens negros, associando-os a sequestradores e estupradores.
A prática do blackface ou yellowface (no caso de personagens asiáticos), por ser profundamente repudiada e racista, foi substituída pelo whitewashing. Washing, em inglês significa lavar, ou seja, para não incluir pessoas não-brancas em produções audiovisuais, essas etnias são “lavadas pelo branco”. O filme “O último Samurai”, por exemplo, colocou o ator branco Tom Cruise como o herói protagonista, em vez de um ator japonês.
Personagens orientais, árabes, indígenas e negros são constantemente trocados por atores brancos, em produções em que a etnia faz, realmente, diferença na história. O ator branco pode ser samurai, faraó, nativo-americano, sultão, sem questionamentos, mas, uma atriz negra não pode ser uma sereia, um ser mitológico inexistente. O caso da pequena sereia negra não é uma exceção, outras produções que tentaram ter mais diversidade, também sofreram críticas.
Recentemente, Leah Sava Jeffries, de apenas 12 anos, foi alvo de comentários racistas após ser anunciada como a personagem Anabeth, filha da deusa Atena, na nova adaptação da saga “Percy Jackson”. A nova série para TV, ambientada no mundo de “Senhor dos Anéis”, foi questionada, pois “elfos negros” supostamente não existem, ainda que elfos não sejam reais. Sandman, uma renomada série de quadrinhos, também recebeu ataques e tentativas de boicote ao colocar a personagem “Morte”, como uma mulher negra, na adaptação.
O escritor da obra original, Neil Gaiman, se posicionou diversas vezes nas redes sociais em defesa das alterações e afirmou no twitter “Eu me importo muito com o trabalho. Eu passei 30 anos enfrentando filmes ruins de Sandman. Eu não dou a mínima para pessoas que não entendem ou não leram Sandman e ficam reclamando sobre Desejo ser não-binária ou Morte não ser branca o bastante. Assista a série, se decida.”
Apesar dos ataques e das reclamações de pessoas que sempre estiveram em destaque, as inúmeras reações de meninas e meninos emocionados, por finalmente se verem nos personagens que tanto amam, mostra a necessidade da representação. No final, não importa que uma minoria branca esteja incomodada porque de nenhuma forma a infância dela, recheada de princesas e heróis brancos, será destruída pela pequena sereia negra. O que importa é o brilho no olhar das crianças que, hoje, vão crescer sabendo que também podem sonhar com um “felizes para sempre”, assim como o da pequena sereia.
Uma resposta
Adorei a ideia. Isso já poderia ter acontecido. Vamos acabar com o racismo. Somos todos iguais perante a lei, cada um tem a sua beleza, sua cultura, seus atrativos, seus dons, etc… lutemos contra este absurdo. Somos iguais. Criados pelo mesmo criador. Basta de racismo.