Excelentíssimo Senhor, A Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, composta por Parlamentares, Representantes de Organizações da Sociedade Civil e personalidades abaixo assinadas, escrevem a Vossa Excelência nesta oportunidade para reforçar a demanda apresentada pela Alianza de Parlamentarias Indígenas de América Latina de que a Organização Mundial da Saúde recomende aos países da região a priorização de medidas específicas para garantir a proteção da vida dos povos indígenas diante da grave pandemia global.
As parlamentares, integrantes da Alianza de Parlamentarias Indígenas de América Latina, lembram que nesta região do mundo, os povos indígenas estão entre os grupos mais vulneráveis ao contágio pelo novo coronavírus (COVID-19), tendo em vista que:
a) as especificidades de seu modo de vida, incluíndo coabitação e compartilhamento de mantimentos e espaços, podem acelerar a transmissão da doença e dificultar a implementação das medidas preventivas;
b) as preexistentes desigualdades em saúde, com as elevadas prevalências de doenças e agravos, os tornam mais suscetíveis a complicações;
c) e, por residirem em locais remotos ou próximos a municípios pequenos, encontram sérias dificuldades no acesso aos serviços de saúde e a políticas sociais.
Os registros históricos dos impactos devastadores de doenças infectocontagiosas sobre os povos indígenas e suas comunidades sempre estiveram também correlacionados com a invasão e ocupação de seus territórios; portanto, é necessário que as autoridades considerem que, na atualidade, mesmo quando a pandemia freia a economia, o garimpo e o desmatamento ilegal em terras indígenas do continente permanecem a todo vapor.
Esta realidade não apenas agrava a vulnerabilidade existente pelo potencial contato com invasores, mas também expõe essas comunidades à violência e à ameaça, em uma batalha cada vez mais difícil pela defesa do seu território e dos recursos naturais contra o avanço de atividades ilícitas. Neste contexto, os povos isolados, também, merecem uma atenção especial, pois, por terem optado pelo não contato com a sociedade ao seu redor, necessitam que seus territórios sejam rigorosamente protegidos.
Preocupa-nos a situação dos povos indígenas, para além da América Latina. Há aproximadamente um ano, na abertura do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, a então presidente da Assembleia Geral da ONU, Maria Fernanda Espinosa, afirmou que o mundo tem “uma dívida histórica para com os povos indígenas” e que 15% das pessoas mais pobres do mundo são indígenas. Ressaltamos também que, em 2007, as Nações Unidas promulgaram a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas, reconhecendo o direito dos povos indígenas ao acesso aos serviços de saúde, com a participação ativa na formulação e implementação dos programas de saúde, o direito à manutenção de seus remédios e práticas de saúde tradicionais, e tornando os Estados responsáveis pelas medidas necessárias para a proteção da saúde desses povos (ONU, 2007).
A pandemia da COVID-19 coloca em evidência mais uma vez as desigualdades estruturais da sociedade em seus mais variados aspectos: distribuição de renda; acesso a serviços, incluídos os serviços de saúde e assistência social; segurança e proteção contra a violência; e a defesa do território, cultura e valores comunitários dos povos indígenas. Essas desigualdades estruturais têm impactado de maneira significativa o gozo de direitos fundamentais pelos povos indígenas em todo o mundo, impondo um enorme desafio para suas lideranças e representações, e demandando respostas urgentes dos Estados.
No Brasil, chama atenção a falta de estrutura do sistema de saúde para garantir equipamentos de proteção aos profissionais que atendem os indígenas; a inadequação das medidas de apoio às comunidades, que implicam em deslocamentos das aldeias para cidades onde há transmissão comunitária do vírus; e a invisibilidade dos indígenas que vivem em cidades nos informes epidemiológicos relacionados à COVID-19. Além disso, o governo editou, durante a pandemia, a instrução normativa nº 9/2020, permitindo a regularização de invasões de não índios em Terras Indígenas com processos de reconhecimento não finalizado, o que é vedado pela Constituição Federal. A medida poderá gerar o aumento desenfreado das invasões e a transmissão de COVID-19 aos indígenas, inclusive aos que vivem em isolamento voluntário.
Em países como Colômbia, Peru e Venezuela, os povos indígenas também estão negligenciados pelos governos. As próprias comunidades têm organizado esforços para isolar seus territórios, enfrentando dificuldades impostas pela manutenção de atividades extrativas, consideradas essenciais, no entorno das terras indígenas. Sem os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) necessários, esse esforço os coloca em risco ainda maior. Os pacotes de ajuda prometidos pelos governos não estão chegando às comunidades, que veem as atividades ilegais e a violência se agravando dentro dos territórios.
Na Indonésia, país com alta densidade populacional indígena, a ausência de testes faz com que milhares de pessoas estejam morrendo com os sintomas, mas sem ser contabilizados como vítimas da COVID-19. Também na Papua-Nova Guiné há pouquíssimo acesso a testes e a resposta nacional se concentra nas cidades. As unidades de saúde rurais não estão prontas para uma pandemia, o que é especialmente grave na Papua-Nova Guiné, onde havia uma escassez de pessoal de saúde antes mesmo do início da crise.
Ao mesmo tempo, a pandemia oferece uma oportunidade histórica de abordar essas persistentes desigualdades e preocupações de direitos humanos, por meio de um olhar mais empático às necessidades dos mais vulneráveis e da adoção de medidas para minimizar o seu impacto tão negativo.
Aqui trazemos as preocupações das grandes lideranças indígenas, que lutam pelo seu povo, pela sua terra, e pelos seus modos de ser e viver. Neste sentido, pedimos a Vossa Excelência uma atenção especial ao pleito das integrantes da Alianza de Parlamentarias Indígenas de América Latina e estendê-lo aos povos indígenas de todo o mundo, orientando todos os governos especificamente sobre maneiras de garantir os direitos à vida e à saúde dos povos indígenas e articulando com outras entidades competentes as políticas para garantir a segurança física, territorial, alimentar e cultural desses povos.
Enfatizamos especialmente a necessidade de que Vossa Excelência reforce as seguintes orientações para os governos de todo o mundo:
• que considerem os povos indígenas como população de maior risco e vulnerabilidade ao COVID-19 e que, portanto, devem ser incluídos no planejamento e na implementação das ações dos órgãos responsáveis para que possam receber atendimento prioritário no enfrentamento da pandemia, como na distribuição de insumos necessários para a higienização pessoal e de ambientes; nos fluxos e na disponibilização de testagem diagnóstica; no fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs); e nos fluxos e regulação de leitos hospitalares com respiradores artificiais;
• que garantam aos povos indígenas as condições necessárias e dignas para a manutenção do isolamento social em suas comunidades, com a proteção dos territórios, a garantia da segurança alimentar e do acesso ao saneamento básico e aos serviços de saúde, bem como dos demais direitos sociais e previdenciários durante o período de pandemia;
• que assegurem o envolvimento e a participação das organizações indígenas e de seus representantes no planejamento e implementação das ações de vigilância e enfrentamento da COVID-19.
Por fim, solicitamos que Vossa Excelência, enquanto representante máximo da Organização Mundial da Saúde tome medidas para incentivar a criação de um Fundo de Emergência para os Povos Indígenas a fim de garantir as condições para atender às demandas urgentes das comunidades em face da COVID-19.
Brasília, 04 de maio de 2020
Assinam:
Deputada Federal Joenia Wapichana (Coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas)
2. Marina Silva (Ambientalista, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora da República do Brasil)
3. Dilma Rosseuf (ex-presidente da República Federativa do Brasil)
4. Luís Inácio Lula da Silva (Ex-Presidente da República Federativa do Brasil)
5. Carlos Ayres Britto (ex-ministro do Supremo Tribunal Federal/ STF)
6. Deputada Federal Áurea Carolina (PSOL/MG)
7. Deputada Federal Benedita da Silva (PT/RJ)
8. Deputada Federal Fernanda Melchionna (PSOL/RS)
9. Deputada Federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ)
10.Deputada Federal Luiza Erundina (PSOL/SP)
11. Deputada Federal Natália Bonavides (PT/RN)
12.Deputada Federal Perpétua Almeida (PCdoB/AC)
13.Deputada Federal Professora Rosa Neide (PT/MT)
14.Deputada Federal Sâmia Bonfim (PSOL/SP)
15.Deputada Federal Tabata do Amaral (PDT/SP)
16.Deputada Federal Talíria Petrone (PSOL/RJ)
17.Deputado Federal Airton Faleiro (PT/PA)
18.Deputado Federal Alessandro Molon (Líder do PSB na Câmara dos Deputados)
19.Deputado Federal Alexandre Padilha (ex-ministro de Estado da Saúde)
20.Deputado Federal Camilo Capiberibe (PSB/AP)
21.Deputado Federal Carlos Zarattini (PT/SP)
22.Deputado Federal Célio Moura (PT/TO)
23.Deputado Federal David Miranda (PSOL/RJ)
24.Deputado Federal Edmilson Rodrigues (PSOL/PA)
25.Deputado Federal Ênio Verri (Líder do PT na Câmara dos Deputados)
26.Deputado Federal Glauber Braga (PSOL/RJ)
27.Deputado Federal Ivan Valente (PSOL/SP)
28.Deputado Federal José Guimarães (Líder da Minoria na Câmara dos Deputados)
29.Deputado Federal José Ricardo (PT/AM) 30.Deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL/RJ)
31.Deputado Federal Nilto Tatto (PT/SP)
32. Deputado Federal Patrus Ananias (Secretário Geral da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional)
33.Deputado Federal Paulo Teixeira (PT/SP)
34.Deputado Federal Rodrigo Agostinho (PSB/SP)
35.Deputado Federal Túlio Gadêlha (PDT/PE)
36.Senador Fabiano Contarato (REDE/ES)
37.Senador Flávio Arns (REDE/PR)
38.Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP)
39.Deputada Estadual Ana Paula (REDE/MG)
40.Deputada Estadual Marina Helou (REDE/SP)
41.Deputado Distrital Leandro Grass (REDE/DF)
42.Audifax Barcelos (Prefeito de Serra/ES)
43.Alexandre Zeitune (vice-prefeito de Guarulhos)
44.Paulo Lamac (vice-prefeito de Belo Horizonte/MG)
45.Gisele Uekte (vice-prefeita de Canoas/RS)
46.Carlos Minc (ex-ministro do Meio Ambiente do Brasil)
47.Edson Duarte (ex-ministro do Meio Ambiente do Brasil)
48.Gustavo Krause (ex-ministro do Meio Ambiente do Brasil)
49.Izabella Texeira (ex-ministra do Meio Ambiente do Brasil)
50.José Carlos Carvalho (ex-ministro do Meio Ambiente do Brasil)
51.Rubens Ricupero (ex-ministro do Meio Ambiente do Brasil)
52.Zeca Sarney (ex-ministro do Meio Ambiente do Brasil)