O silêncio dos nada inocentes e a coragem de Lula

Em coletiva de imprensa na África, o presidente brasileiro disse o que muitos governantes têm medo de dizer: que o Estado de Israel comete, com cumplicidade da mídia e dos líderes ocidentais, um genocídio comparável ao dos nazistas
Lula: "o Brasil, humildemente, quer trazer para a África aquilo que podemos trazer, a experiência do sucesso da agricultura brasileira" - Foto: Ricardo Stuckert / PR

Por: Roberto Ponciano

Assisti umas 20 vezes a fala de Lula, para ter total certeza que ele não tivesse cometido alguma pequena rata, passíveis de serem cometidas, em discursos improvisados. Aliás, tem um setor da imprensa (e até de parte da esquerda hipertexto geração ultrapoliticamente correta) que se especializou agora em trabalhar com mexericos, fofocas, sobre pequenos deslizes de Lula. Se Lula inaugura um conjunto de prédios para 400 famílias, do Minha Casa Minha Vida, a notícia versará sobre algum comentário provavelmente machista sobre namoro de adolescentes (e desaparece o lançamento dos imóveis para pobres), se ele lança uma escola técnica em Belford Roxo, beneficiando mil jovens, preferem focar em discutir se dizer que os pais devem ou não torcer o nariz sobre as filhas namorarem com quem não quer estudar, e desaparece novamente a inauguração da escola técnica.
Como falaria Cazuza, vamos pedir piedade, senhor piedade, para esta gente careta e covarde!


Mas neste caso, o assunto é muito mais visceral, o genocídio palestino em Gaza. Gaza, como todos sabem, é a maior prisão a céu aberto do mundo, um gigantesco campo de concentração, no qual mais de 2 milhões de palestinos, que tiveram suas terras tomadas, na mão grande, por uma potência invasora, com o auxílio dos Estados Unidos, vivem no Apartheid, em condições precárias, de acordo com as leis e vontades do invasor. É a versão sionista do Gueto de Varsóvia, só que ampliada, mas floreada pela mídia monopolista internacional como algo que tenha que ser encarado como uma “vida normal”.

Transcrição na íntegra da entrevista coletiva do presidente da República


Os palestinos expulsos de suas terras e casa resistem no que restou de seu antigo lar, sobre as piores condições possíveis, ameaçados por seus carcereiros. Não, Israel não é uma democracia, como alguns, infelizmente, até de esquerda, insistem em tentar pintar. E não é uma democracia porque simplesmente é uma ocupação militar permanente, com êxodo estimulado de milhões de judeus europeus a um território que não lhes pertencia (não estou falando dos judeus palestinos, tão palestinos quanto os palestinos) e que sobrevive com leis de segregação, transformando os habitantes originais em pouco mais que escravos e cidadãos de segunda classe, sem quaisquer direitos, que precisam de vistos e autorizações especiais para deixar suas terras, e que podem ser presos a qualquer momento pelas forças de ocupação israelitas, sem nenhum devido processo legal.


Não pode haver uma democracia baseada no racismo e na segregação por origem e religião, se esta é a base de alguma democracia, então o Apartheid na África do Sul não deveria ter recebido o nosso repúdio.


Aliás, não se sabe que lógica canhestra não oferece ao Apartheid dos Palestinos em sua própria terra a mesma condenação que o mundo ofereceu ao Apartheid na África do Sul. Talvez a lógica da narrativa dos dominadores, que teimou em chamar os Estados Unidos de democracia, mesmo quando os negros viviam sob um apartheid legal tolerado e sustentado pelo Estado até a década de 60. A história é a história dos vencedores, a narrativa é a dos vencedores, o monopólio das informações pelo bloco hegemônico composto pelos Estados Unidos e pela Europa Ocidental isenta Israel de todas as críticas a sua política sistematizada de extermínio dos palestinos.


O discurso de Lula na reunião do Conselho de Representantes da Liga Árabe, no Egito, não tem um único erro. Uma única vírgula fora de lugar, nada demais. Aliás, é um discurso moderado de um grande chefe de Estado, que preza pela moderação. O mesmo para as falas na entrevista coletiva que deu na capital da Etiópia, quando citou o nome de Adolf Hitler. Erdogan também comparou o genocídio do povo Palestino ao Holocausto, mas, como faz parte da Otan, não houve um pio ou um incômodo.
Alguns companheiros de esquerda se incomodaram com a comparação de Lula, eu, de maneira muito fraterna, pergunto, por que?


Che Guevara já dizia que a grande virtude de um revolucionário é o amor, sentir no próprio queixo o murro desferido no rosto de outrem, é o que Levinás chamaria de empatia, olhar o rosto do outro, sofrer na própria pele a injustiça cometida a outrem.


Tudo que Lula fez foi isto. Foi chamar de genocídio a um genocídio, dizer que não existe uma guerra, mas um massacre, dizer que o que ocorre, de fato, é um processo de extermínio contra mulheres e crianças.

Onde está o erro de Lula?
Onde está o sobretom de Lula?
Ah, comparar o genocídio Palestino ao Holocausto. Por quê? Não se pode comparar por uma questão de números? Quantas dezenas de milhares de palestinos já morreram sob o fogo cruel do exército sionista israelense? Quantos mais terão que morrer? Teremos que esperar que morram 5 ou 6 milhões de palestinos (bem, na Faixa de Gaza só há dois milhões, mandaremos mais para serem executados lá?) para que se comparem os eventos?


Lula, de maneira nenhuma negou ou subestimou o Holocausto. Se houvesse feito isto, eu seria o primeiro a dizer que ele teria errado de maneira tremenda. Ele apenas igualou os genocídios.
Assassinatos são sempre assassinatos. Genocídios são sempre genocídios, sejam os pela Inquisição, pela colonização portuguesa, espanhola, francesa, inglesa, holandesa, belga; seja pelo Khmer Vermelho, seja em campos de concentração ou em covas rasas de Hitler por toda a Europa, no qual ele matou sim, 6 milhões de judeus, mas um número em termos relativos iguais de ciganos, 27 milhões de soviéticos e ou eslavos, todas as mortes são igualmente genocídio. Genocídio, para o povo da Otan, só ocorre nos países que não são alinhados a eles e nunca por suas armas.


Não é genocídio ou Holocausto o mais de meio milhão de iraquianos mortos pelo bloqueio ou contaminados por radioatividade devido aos bombardeios no Iraque, ali são apenas danos colaterais, nem pessoas são. Os 2 milhões de vietnamitas mortos pelos Estados Unidos e pela França no massacre colonialista do Vietnã não são os mortos chorados no filme Platoon, para merecer nossa piedade, a vítima tem que ser loura dos olhos azuis e ser enterrada com honras militares nos Estados Unidos.
Não há como estratificar condenações por genocídios!


Lula está correto ao igualar fatos históricos igualmente condenáveis. Na verdade, foi moderado, poderia ter lido uma lista de massacres ocorridos pelo mundo todos feitos pelos mesmos países imperialistas que apoiam o massacre dos palestinos. Aos camaradas que acham que Lula não deveria ter citado o Holocausto, repito a pergunta, qual a diferença, afinal?
Querem fornos para desaparecer com os corpos?


Morrer no fogo dos bombardeios é tão cruel quanto morrer fechado numa câmara de gás.
Nos dois casos são mulheres e crianças inocentes que estão morrendo, não sei como vocês querem diminuir em gravidade o fato. É faxina étnica, é Apartheid, é guerra de extermínio. Holocausto judeu só houve um, verdade, mas genocídios semelhantes ao Holocausto e que sua dinâmica em tudo se assemelha a estratégia hitleriana, não há como discordar. Aliás, inclui-se aí o Gueto de Gaza como campo de concentração. Ninguém nega o Holocausto. Ninguém diminui sua gravidade, na prática, só o exército de Israel, que se acha justificado por ele para promover extermínio igual.


O que há é o silêncio nada inocente de uma mídia monopolista que tem lado, e não é o lado das vítimas. Que silencia toda vez que a força aérea estadounidense massacra, seja em El Salvador, na Nicarágua, na Guatemala, no Iraque, na Somália, no Vietnã, no Afeganistão. O terrorismo de Estado estadounidense está preliminarmente justificado como polícia do mundo contra o “terrorismo”. E todos que se opõe aos EUA merecem o epíteto de terroristas. Obama recebeu um prêmio Nobel por seus massacres.


Não há verdade na mídia, ela é só uma rede espetaculosa de versões sustentada pelo patrocínio das grandes transnacionais para manter a versão de que o controle terrorista do poder militar ianque seja sempre visto como um ato de piedade e defesa da democracia.
Não há fatos mais na mídia, só versões.


Os povos assassinados pelos Estados Unidos têm o mesmo horror pela Pax Americana que os povos dominados pelo Império Romano tinham pela Pax Romana. A guerra de extermínio dos palestinos (e o que está ocorrendo, com todas as letras, é isto, uma guerra de extermínio) é versão sionista da Pax Americana.


O silêncio nada inocente da mídia sobre a solução final que Netanyahu promove contra os palestinos é o mesmo silêncio cúmplice que a mídia Ocidental teve sobre Hitler e o nazismo até ele atacar a Polônia. Até ali, Hitler era o herói ocidental na luta pelo bolchevismo, na defesa dos valores da família e da cristandade. Quem conhece a história não se ilude com o papel da imprensa, ele não é neutra, ela tem lado, pouco se importa com a verdade, mas existe para promover a versão dos vencedores.
Lula provocou o ódio insano desta mídia, que tem na Rede Globo sua maior representação no Brasil, por ser um gigante diplomático, que teve a coragem de pôr o dedo na ferida.


Apesar de todo o alarde histérico da Globo no Brasil, não foi Lula o censurado internacionalmente (pelo contrário, seu ato recebeu o apoio inconteste da maioria dos líderes e povos do mundo), mas Netanyahu, o aprendiz de Adolf Hitler.


Não faço campanha para Lula receber o Nobel da Paz porque gente pouco elogiável como Obama o recebeu, mais do que o Nobel da Paz, se o poderoso discurso de Lula, conseguir o cessar fogo, poupando vidas inocentes, ele já terá conseguido o maior feito diplomático de um brasileiro na história!

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