Nos deram espelhos e vimos um mundo doente – Representação e genocídio dos indígenas no Brasil

A guerra imagética e de narrativas pela hegemonia do imaginário histórico brasileiro de seus povos originários e as afetações nas populações do país.

A redação deste artigo* se iniciou ainda sob o impacto da execução de um dos mais importantes indigenistas brasileiros da atualidade, Bruno Araújo Pereira, e do jornalista britânico radicado no Brasil Dom Phillips na região do Vale do Javari, no Amazonas e seguiu até o final de janeiro de 2023, quando vimos as imagens do genocídio Yanomami. Bruno ajudava Dom nas entrevistas para um livro que teria o título Como Salvar a Amazônia, o que sem dúvida passa por salvar os povos indígenas que preservam essa região há milênios. Esse fato aconteceu pouco depois dos relatos de estupro e morte de uma menina Yanomami de 12 anos por garimpeiros, do sequestro de um bebê e da queima de toda a aldeia onde viviam cerca de 20 indígenas da comunidade de Aracaçá, em Roraima. 

Na semana dos velórios de Dom e Bruno, outra notícia de perseguição e morte de indígenas, dessa vez Guaranis Kaiowa por milícias armadas por fazendeiros e participação de policiais em Mato Grosso do Sul, passou rapidamente pelos portais de notícias sem causar grandes furores mediáticos. Quando esse texto foi fechado, não havia nenhuma informação sobre os autores das mortes dos indígenas relatadas acima e a Polícia Federal brasileira encerrava as investigações das execuções de Dom e Bruno indicando como mandante Rubens Villar, conhecido como “Colômbia” e também acusado de tráfico de drogas. O motivo seria a atuação de Bruno contra a pesca ilegal em áreas indígenas. Notícias sobre mais mortes de indígenas e como a então Fundação Nacional do Índio – Funai foi entregue a militares para o desmonte de políticas de proteção aos povos e territórios no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), infelizmente, contudo, ainda surgem quase todos os dias.

Para entender como depois de 523 anos do chamado “Descobrimento do Brasil” pelo português Pedro Álvares Cabral e de 201 anos da chamada “Independência” do país pelo príncipe português D. Pedro I (chamado D. Pedro IV em Portugal) ainda massacramos nossos povos originários e tomamos seus territórios é fundamental compreender como eles foram e ainda são representados em nossa cultura mediática. E também como eles têm se representado de maneira visual, oral, escrita e audiovisual. Por isso este artigo TINHA de ser escrito.

A representação dos povos originários no Brasil

Antes dos cinco daguerreótipos feitos em Paris por E. Thiesson na década de 1840, das duas imagens realizadas por Albert Frish ao ar livre em Manaus em 1865 (Tacca, 2011) e das mais conhecidas feitas principalmente em estúdio no Rio de Janeiro por Marc Ferrez (1875) sob encomenda do imperador D. Pedro II, e antes também dos populares desenhos e gravuras do alemão Johann Moritz Rugendas (1835) e do francês Jean-Baptiste Debret (início do século XIX) (Almeida, 2008), a imagem que se tinha dos povos originários do território hoje conhecido como Brasil vinha de descrições escritas, sendo a primeira o registro feito pelo cronista português Pero Vaz de Caminha, um dos tripulantes da esquadra de Pedro Álvares Cabral, em abril de 1500. Segundo ele, 

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber. Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar. (Caminha, 1500).

E. Thiesson. Botocudo, 1844. Daguerreótipo
Fonte: Acervo Musée du Qual Branly, Paris, França

A carta segue descrevendo a impossibilidade de comunicação verbal, os adereços de penas, o espanto com os animais europeus como carneiros e galinhas, as mulheres com crianças, os velhos, as danças e a gentileza com que foram recebidos, havendo, por exemplo, sempre o oferecimento de água doce em cabaças. Das centenas de nativos encontrados nas várias praias onde desceram os portugueses, quase todos os homens traziam, de acordo com Caminha, arcos e flechas. Não houve, contudo, qualquer ameaça ou conflito. Como não tinham esperança de se comunicar, desistiram de “tomar a força” dois homens, como era “de costume”, para levar à Corte portuguesa. Não faltou, entretanto, a insinuação ao imperador de que a terra “descoberta” poderia ter ouro e prata, já que um dos indígenas apontou para um colar de ouro do capitão e também para um castiçal…

Uma boa fonte audiovisual recente para compreendermos como o “homem branco”, grupo do qual faço parte, pode retratar a história dos povos originários com respeito e abrindo espaço para que eles contem por si próprios os fatos que conhecem como ninguém é o primeiro episódio da série Guerras do Brasil: As Guerras da Conquista. Com direção de Luiz Bolognesi, o documentário centra sua narrativa, ilustrada por imagens de alguns dos artistas visuais citados acima e outros, na nossa história contada pelo historiador e filósofo Ailton Krenak, do povo Krenak, do Vale do Rio Doce. Essa região se estende entre os atuais estados de Minas Gerais e Espírito Santo, castigados nos últimos anos por rompimentos em barragens de rejeitos da mineradora, privatizada em 1997, da qual foi extraído o nome do rio morto (hoje se chama simplesmente Vale), assim como outros cursos d’água e mais de 300 pessoas, por esses “acidentes”.

Tem uma montanha rochosa na região onde o rio Doce foi atingido pela lama da mineração. A aldeia Krenak fica na margem esquerda do rio, na direita tem uma serra. Aprendi que aquela serra tem nome, Takukrak, e personalidade. De manhã cedo, de lá do terreiro da aldeia, as pessoas olham para ela e sabem se o dia vai ser bom ou se é melhor ficar quieto. Quando ela está com uma cara do tipo “não estou para conversa hoje”, as pessoas já ficam atentas. Quando ela amanhece esplêndida, bonita, com nuvens claras sobrevoando a sua cabeça, toda enfeitada, o pessoal fala: “Pode fazer festa, dançar, pescar, pode fazer o que quiser”. (Krenak, 2019, p.10).

O Brasil ficou fora dos interesses portugueses por cerca de 30 anos e só foi ter um plano de ocupação e colonização depois de 50 anos do “descobrimento” com a doação das Capitanias Hereditárias. Nelas, o donatário tinha direito de escravizar os povos originários sob o princípio da “Guerra Justa”, que permitia combater, matar e, portanto, utilizar como quisessem quem não se submetesse à religião católica, ou, ainda, utilizar negros escravizados trazidos da África, o que só seria realizado de forma mais intensiva na segunda metade do século XVII. Imagina-se hoje que, na época da chegada dos europeus, havia entre 8 e 40 milhões de pessoas vivendo em mais de mil nações no território brasileiro, a maioria com sua própria língua e cultura, alguns com presença registrada por artefatos arqueológicos há pelo menos 4 mil anos (Guerras, 2019).

Na verdade, as imagens rupestres dos mais de 600 sítios arqueológicos da Serra da Capivara, no estado do Piauí, remontam há muito mais tempo, comprovando a presença humana no território antes do que se imaginava à princípio e colocando em dúvida até mesmo a teoria de que a espécie humana chegou ao continente entre 12 e 20 mil anos atrás atravessando o estreito de Bering. De fato, os desenhos do Sítio do Boqueirão da Pedra Furada podem ter sido feitos há mais de 48 mil anos (Friques, 2017, p. 16). Diferente, portanto, do que está nos livros escolares, na maioria das matérias dos media e no imaginário brasileiro, os povos originários ocupavam boa parte do nosso território, tinham organizações sociais complexas, estradas por todo o continente e relações de convívio com outros povos e civilizações, como as Andinas, há dezenas de milênios. Para eles, o estrangeiro não era, a princípio, uma ameaça. Não era o “Outro”, mas apenas mais um com quem poderiam partilhar conhecimentos.

Com a palavra, Krenak, que realmente tem lugar de fala nesse assunto e, quase que como parafraseando Edward Said em Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente, de 1978, diz:

O Brasil não existiu. O Brasil é uma invenção e a invenção do Brasil nasce exatamente da invasão, inicialmente feita pelos portugueses, depois continuada pelos holandeses, e depois continuada pelos franceses, num moto sem parar onde as invasões nunca tiveram fim. Nós estamos sendo invadidos agora (Guerras, 2019, 0:22-0:55m). Quando Humberto Mauro filmou A descoberta do Brasil, aquilo lá era o que os brancos filhos dos portugueses pensavam que foi a descoberta do Brasil. O mito de que o Brasil é aquela descoberta, as caravelas, a missa em Monte Pascoal… É um mito de origem, gente, nós somos adultos, a gente não precisa ficar embalados com essa história. A gente pode buscar entender a nossa história com as diferentes, digamos, matizes que ela tem e ser capaz de entender que ela não teve um evento fundador do Brasil (Guerras, 2019, 7:20-7:40m).

Krenak, que fez um discurso de grande impacto pouco antes da promulgação da Constituição de 1988 (Krenak, 2014), nossa primeira a garantir a demarcação de terras para as populações originárias, reforça a imagem inicial de Caminha de que os povos que aqui viviam não tinham interesse em travar guerra com os estrangeiros.

Quando os brancos chegaram, eles foram admitidos como mais um na diferença. E se os brancos tivessem educação, eles poderiam ter continuado vivendo no meio daqueles povos, produzindo outro tipo de experiência. Mas chegaram aqui com a má intenção de assaltar essa terra e escravizar o povo que vivia aqui. E foi o que deu errado. Então eu digo isso, pra qualquer pessoa que tiver me ouvindo falar, e se você se sente parte dessa continuidade colonialista que chegou aqui, você é um ladrão. Seu avô foi, seu bisavô foi (Guerras, 2019, 6:00-6:55m). Quando os europeus chegaram aqui, eles podiam ter todos morrido de inanição, escorbuto, qualquer uma outra pereba nesse litoral, se nossa gente não tivesse recolhido eles, ensinado eles a andar aqui e dado comida pra eles, porque não sabiam nem pegar um caju. Eles não sabiam, aliás, que caju era comida. Eles chegaram famélicos, doentes, e o Darcy Ribeiro disse que eles fediam. Quer dizer, baixou uma turma na nossa praia que tava simplesmente podre. A gente podia ter matado eles afogados. Durante muito mais do que 100 anos, o que os índios fizeram foi socorrer brancos flagelados chegando na nossa praia. (Guerras, 2019, 7:40-8:25m).

E não é mentira que chegaram aqui com a intenção de dominar terras e mentes dos moradores locais, como explícito na própria Carta de Pero Vaz de Caminha e no trecho dela recortado e escolhido pela produtora Brasil Paralelo para abrir o segundo episódio da sua segunda websérie Brasil: A Última Cruzada, que não possui créditos de direção, apenas a lista dos entrevistados e da “equipe Brasil Paralelo”, incluindo os três fundadores da empresa (Lucas Ferrugem, Henrique Viana e Filipe Valerim): A Vila Rica

Até agora não pudemos saber se há ouro, nem prata, nem alguma coisa de metal ou ferro. Porém, o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar essa gente. E esta deverá ser a melhor semente que Vossa Alteza pode nela lançar. (Brasil, 2017, 4:50-5:10m)

Nesse momento histórico em que vivemos, penso que é fundamental falar sobre o audiovisual A Vila Rica e contrapô-lo ao documentário As Guerras da Conquista porque de fato são representativos das visões opostas que temos de nós mesmos e que estão se enfrentando nas ruas, nas redes e na política. E também porque ambos estão disponíveis gratuitamente ao público em geral pela plataforma Youtube e na estatal Empresa Brasileira de Comunicação – EBC, a do Brasil Paralelo inclusive fazendo parte da programação da TV Escola, como se fossem equivalentes na representação que fazem dos povos indígenas. A distribuição da obra da Brasil Paralelo, contudo, pode deixar de ser feita pela EBC com a troca do governo brasileiro em 2022/2023. Pelo menos é o que eu espero!

O Outro como “indolente” a ser “civilizado”

A representação preconceituosa e desrespeitosa dos povos originários ao longo dos séculos, iniciando na Carta de Caminha, passando pelos retratos feitos fora do país e pelo filme O descobrimento do Brasil, de Humberto Mauro, de 1937, (citado equivocadamente por Krenak como A descoberta do Brasil) segue até hoje moldando as cabeças de muitos. A obra de Mauro foi produzida pelo Instituto do Cacau da Bahia e financiada pelo Instituto Nacional do Cinema Educativo do Ministério da Educação e Cultura no primeiro ano da ditadura de direita de Getúlio Vargas chamada de Estado Novo (1937-1945). Assim como Adolf Hitler na Alemanha no mesmo período, Vargas utilizava o rádio e o audiovisual como importantes construtores de um imaginário popular que enxergaria nossa nação como forte e de longa história. Assim, apesar de parecer datado demais, O descobrimento do Brasil ainda é uma das principais obras audiovisuais a moldar um imaginário de falsa harmonia entre os povos europeus e os nativos brasileiros.

Enquanto o mito do brasileiro gentil é mostrado nas telas, a realidade é o genocídio iniciado no século XVI, devido principalmente à “guerra biológica”, com relatos de sacerdotes como o famoso Padre Anchieta de 30 mil mortos por varíola em poucas semanas (Guerras, 2019). O combate e a escravização, contudo, também tiveram, e continuam tendo, um papel relevante, tanto que “autoridades” brasileiras seguem reafirmando, ainda hoje, a falsa imagem reducionista, preconceituosa, discriminatória e injusta do “índio preguiçoso e indolente que não servia para ser escravo”, de modo a justificar os massacres, físicos e culturais, ainda em andamento. 

Há poucos anos, por exemplo, o jornalista e ativista dos direitos humanos Leonardo Sakamoto publicou, em seu blog no UOL, as declarações do procurador e ouvidor-geral do Ministério Público do Pará em palestra a estudantes no dia 26 de novembro de 2019:

‘Esse problema da escravidão aqui no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar, até hoje. O índio preferia morrer do que cavar mina, do que plantar pros portugueses. O índio preferia morrer. Foi por causa disso que eles foram buscar pessoas nas tribos na África, para vir substituir a mão de obra do índio. Isso tem que ficar claro, ora! Me desculpa você aí, mas se na minha família não tem nenhuma pessoa que tenha ido buscar um navio negreiro lá na África, como é que eu vou ter dívida com negócio de zumbi, esse pessoal?’ (Sakamoto, 2019a).

No mesmo texto, o jornalista destaca outra declaração, de agosto de 2018, do ex-vice-presidente da República no Brasil, o general Hamilton Mourão: 

‘Temos uma certa herança da indolência [vagabundagem, preguiça], que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem, Edson Rosa [vereador negro, presente na mesa], nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nosso caldinho cultural.’ (Sakamoto, 2019a). 

O “polêmico” jornalista Leandro Narloch vai acrescentar a esse “caldinho” mais uma concha de preconceito em seu depoimento para a obra da Brasil Paralelo (Brasil, 2017, 9:54m) que o “isolamento” do continente americano em relação à Europa teria levado ao “emburrecimento” de suas populações nativas. É inegável que há aí um “caldo de cultura”, mas não o imaginado por Mourão ou o, por desonestidade intelectual, convenientemente ocultado por Narloch, como a exuberância cultural dos impérios pré-colombianos. Mas isso tem um motivo. Logo na sequência das falas na obra audiovisual do Brasil Paralelo, fica clara a completa desconsideração pela história, desenvolvimento e tecnologias dos povos originários em favor de uma ideologia e cosmovisão capitalista e neoliberal. Isso ficaria totalmente explícito no mais famoso produto midiático da Brasil Paralelo, o pseudodocumentário 1964 Entre Armas e Livros, de 2019, com mais de 5.5 milhões de visualizações no canal oficial da produtora na plataforma de vídeos Youtube. Na obra, a produtora define o que considera “as bases da Civilização Ocidental”: a filosofia grega, o direito romano e a religião judaico-cristã. Tudo o mais é selvageria e barbárie a ser eliminada, se necessário à bala.

Voltando à obra sobre a “Cruzada” pelas almas dos indígenas, o recentemente falecido autointitulado filósofo Olavo de Carvalho, “guru intelectual” do bolsonarismo, dá um depoimento contestando a própria posse do território pelos povos originários por eles não conhecerem o conceito de “propriedade da terra” (Brasil, 2017, 11:40m). Depois de mistificar a troca de pau-brasil por quinquilharias, que teriam “valor” para os indígenas por serem “raras” como uma relação comercial benéfica para ambos os lados, os entrevistados dizem haver uma certa “superioridade” da “democracia liberal brasileira” que daria vantagem aos “empreendedores”, inclusive sobre a Europa, por causa de eleições locais para escolher os “homens bons”, portugueses e ricos, claro, que liderariam as aldeias.

Eles também negam o colonialismo ao dizer que o interesse de Portugal em criar as capitanias hereditárias não seria tanto de expropriar os bens e explorar outros povos, como fariam os ingleses, mas “conservar e proteger” a terra e suas riquezas. Não há uma única palavra sobre massacres, nem epidemias, nem destruição cultural. Mas, obviamente, não faltam menções à violência “intrínseca” dos indígenas (guerreavam entre si e faziam escravos) e à selvageria (incluindo rituais de canibalismo) das populações que não aceitavam os modos de produção capitalistas (destruíam os engenhos) e a religião católica. 

Esse sistema de “desenvolvimento do território”, entretanto, só funcionaria em Capitanias como São Vicente, onde os portugueses fariam alianças com indígenas, como o caso do náufrago João Ramalho se casando com uma “princesa tupiniquim, a índia Bartira” (Brasil, 2017, 19:49m). 

Agora se coloca no lugar das pessoas daquela época. Chega um cara aqui com uma carta de doação. Ele apresenta: eu sou o donatário. Que valor tem aquele documento para os indígenas aqui estabelecidos? Nenhum. Então ele precisava estabelecer um vínculo. […] Ingleses que estavam na América, nem cogitavam em se casar com índias, né? Nem e as mulheres inglesas cogitavam a possibilidade de se casar com índios. Os portugueses não tinham essa, tá entendendo? (Brasil, 2017, 19:28-20:15m). 

Interessantemente, o sujeito que se apresenta como professor de história e de filosofia (Rafael Nogueira, citado acima) não informa sobre a incógnita da vinda de João Ramalho ao Brasil, se degredado ou fugitivo de Portugal, nem que ele vivia há anos com várias mulheres além da filha do importante líder indígena Tibiriçá, e que andava nu sendo chamado de selvagem pelos jesuítas. Bartira, assim como milhões de mulheres negras escravizadas, também é uma nas nossas arquetípicas “mães da nação”, citadas por Lélia Gonzales no seminal artigo Racismo e sexismo na cultura brasileira, de 1984, marco inicial do feminismo negro no Brasil. No meu caso particular, talvez seja de fato uma ancestral, conforme pesquisa genealógica realizada por um tio que diz ter encontrado raízes da família vindo do norte de Portugal ainda no século XVI. Como diz o ditado: todos nós temos sangue indígena, seja nas veias, seja nas mãos.

Aceitando ou não essa herança genética e cultural, o que temos hoje são ações políticas, muitas vezes na forma de legislações, representações imagéticas/mediáticas quase unanimemente feitas por descendentes dos colonizadores e impunidade sobre perpetradores de violências e genocídios, que chegaram ao ápice com o governo de extrema-direita entre 2019 e 2022. Houve, por exemplo, a tentativa, abortada pelo Supremo Tribunal Federal – STF, de transferir a demarcação de terras da Funai para o Ministério da Agricultura, sempre interessado em expandir o agronegócio sobre áreas protegidas. Houve, também, promessas de aberturas dessas áreas para a exploração de atividade de mineração, ameaçando 30% das terras hoje demarcadas para os povos originários. Diversos antropólogos especialistas da Funai, com anos de atuação no setor e encarregados de demarcações de terras, foram substituídos por “pessoas de confiança” do governo. O próprio indigenista Bruno Araújo Pereira, citado na introdução deste texto, foi exonerado de seu cargo de coordenador regional da Funai em Atalaia do Norte, onde estava há 12 anos, e prestava serviço para uma ONG quando foi assassinado. Isso sem falar na tentativa de deslegitimar lideranças tradicionais dos povos originários reconhecidas internacionalmente, como o cacique Kaiapó Raoni, diante da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Por essas e outras, a Comissão Arns e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu decidiram, em 2021, denunciar o ex-presidente da República Jair Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional – TPI, que julga crimes contra a humanidade considerados imprescritíveis e cujos protocolos de instalação foram todos ratificados pelo Brasil. A advogada Eloísa Machado explicou a atitude que pretende responsabilizar o ex-mandatário por “Crimes contra a Humanidade” e “Genocídio dos Povos Indígenas”, citando Medidas Provisórias e Portarias editadas pelo governo além de discursos de incitação à violência e omissões diante de conflitos.

A Justiça nacional não tem condição de responsabilizar o presidente pelos seus atos neste momento, quer pela proximidade e escolha de um procurador-geral da República aliado com sua pauta antidireitos, quer pelas diversas manifestações que mostram uma intenção do presidente de influenciar no comando da Polícia Federal. Blindado no país, Bolsonaro teve que ser denunciado no Tribunal Penal Internacional. (Sakamoto, 2019b).

Realmente, no fim de seu mandato se acumulavam sem encaminhamento nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), mais de 160 pedidos de impeachment de Bolsonaro por crimes de responsabilidade. E mais de 100 pedidos de investigação de crimes comuns já tinham sido engavetados pelo Procurador Geral da República, Augusto Aras. De qualquer forma, o ex-mandatário sempre foi pródigo em falas racistas, preconceituosas e de cunho genocida dirigidas aos povos indígenas. Os exemplos vêm desde o século XX, quando o então deputado afirmou no plenário da Câmara que “a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria americana que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema”. Mas se intensificaram durante a campanha eleitoral de 2018, quando ele prometeu que não haveria “um centímetro a mais para demarcação de terras” indígenas e quilombolas em seu governo. E seguiram até o fim com pressão para o STF aceitar a tese de “marco temporal”, segundo a qual os povos indígenas não poderão reivindicar terras que eles já não estivessem disputando judicialmente antes da promulgação da Constituição de 1988. A tese não faz o menor sentido já que antes de 1988 os indígenas sequer eram considerados sujeitos de plenos direitos. A votação já foi adiada três vezes por pressão dos indígenas.

Essa disputa narrativa e de imaginários, contudo, não irá se resolver apenas com obras mediáticas produzidas por não-indígenas, ainda que respeitosas do lugar de fala como As Guerras da Conquista. Afinal, como explica o professor Christian León, da Universidade de Buenos Aires,

La opción teórica decolonial plantee a la vez una doble operación: por un lado, de «desprendimiento» de las epistemologías occidentales que colonizaron los saberes y las disciplinas modernas; por otro, de «apertura» de un pensamiento otro que reinaugure una nueva forma de pensar desde la pluralidad de puntos de enunciación geohistóricamente situados […] Yo añadiría la necesidad de desprendernos de las teorías del arte y del cine construidas bajo parámetros de la razón eurocéntrica con la finalidad de permitir la apertura de una «estética-otra», de «culturas visuales-otras», de «tecnologías de la imagen-otras». (Léon, 2012, pp. 111-112).

Sem um desprendimento mínimo dos modelos de pensamento herdados através do colonialismo, é impossível fazer uma representação honesta e profunda de qualquer comunidade na qual não estejamos mergulhados na Primeira Realidade e imersos na tridimensionalidade dos corpos, saberes, crenças e objetos (Souza, 2018).

[A representação é] o processo pelo qual membros de uma cultura usam a linguagem (amplamente definida como qualquer sistema que emprega signos, qualquer sistema significante) para produzir sentido. Desde já essa definição carrega a importante premissa de que coisas – objetos, pessoas, eventos, no mundo – não possuem neles mesmos nenhum sentido fixo, final ou verdadeiro. Somos nós – na sociedade, dentro das culturas humanas – que fazemos sentido, que lhes damos significados. (Hall, 2016, p. 108).

Os povos indígenas por eles mesmos

Para se contrapor ao genocídio físico e cultural mantendo a resistência que permitiu sua sobrevivência nos últimos 523 anos, os povos indígenas brasileiros estão articulados em várias frentes. Uma das mais importantes entidades atuais é a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, fundada em 2005 durante o Acampamento Terra Livre, em Brasília, para lutar na política e na visibilidade mediática de suas reivindicações. Ao mesmo tempo, lideranças tradicionais de alguns povos estão publicando livros com suas histórias e cosmovisões. Um grande exemplo é o cacique Yanomami David Kopenawa, que publicou em 2010, junto com o antropólogo francês Bruce Albert, A queda do céu – Palavras de um xamã Yanomani. A obra, com mais de 700 páginas de textos, fotos e desenhos é um colosso indispensável para quem quer imaginar o mundo através dos olhos dessa nação indígena. Logo no início, ele relembra a Albert a importância das “peles de imagens”, que é como ele se refere aos materiais impressos.

Mais tarde eu disse a você: ‘Se quiser Pegar minhas palavras, não as destrua. São palavras de Omama [espécie de deidade trabalhadora/criadora] e dos xapiri [espíritos yanomami]. Desenhe-as primeiro em peles de imagens, depois olhe sempre para elas. Você vai pensar: ‘Haixopë! É essa mesmo a história dos espíritos!’. E, mais tarde, dirá a seus filhos: ‘Essas palavras escritas são de um Yanomami, que há muito tempo me contou como ele virou espírito e de que modo aprendeu a falar para defender a sua floresta. (Kopenawa; Albert, 2015. P. 64).

Reprodução da Ilustração de Davi Konewana para o livro A queda do céu

Na área do audiovisual, a presença de produções totalmente realizadas por indígenas é visivelmente crescente. E muitos estudos estão de olho nesse tipo de produção, chamada de etnomídia indígena, termo cunhado na Universidade Federal da Bahia em 1997, mas que somente ganharia força em 2007, pelo comunicador Anápuáka Muniz Tupinambá, com o desenvolvimento da Web Brasil Indígena para a divulgação de “narrativas desconstruídas dos processos mercadológicos da comunicação” (Souza; Costa, 2021, p.440). 

A utilização do termo, entretanto, não marca o início dos trabalhos de etnomídia indígena pelo país. Conforme Raquel Gomes Carneiro (2019), as disputas de narrativas surgem com força entre as décadas de 1970 e 1980, quando o movimento indígena percebe que a comunicação pode ser um importante aliado na luta. Uma das primeiras expressões foi um informativo chamado “Luta Indígena” (1976), realizado pelas comunidades Kaingang, Xokleng e Guarani na região Sul do país. Além disso, temos o trabalho marcante do “Programa de Índio” (1985) transmitido na rádio da Universidade de São Paulo (USP), comandado por Aílton Krenak, Álvaro Tukano e Biraci Yawanawá, com informações em formato de entrevistas e depoimentos na língua-materna das lideranças. (Souza; Costa, 2021, p. 441).

Para o mestrando do PPGCOM da UFMT Raylson Chaves Costa, jovem, negro e periférico que tem acompanhado há anos as produções em vídeo de uma comunidade Guarani em Mato Grosso do Sul, 

O movimento indígena encontra no espaço comunicacional um lugar de trazer suas narrativas sobre os fatos. Uma comunicação capaz de atravessar fronteiras na defesa dos saberes tradicionais, de fabular o cotidiano, de salvaguardar suas memórias e, principalmente, de sobreviver frente ao extermínio causado pelo Estado e pelos ruralistas. (Souza; Costa, 2021, p.441).

Em sua pesquisa, Costa trabalha junto aos indígenas de forma semelhante a que Albert trabalha com Kopenawa. Ambos convivem o máximo de tempo que conseguem dentro das comunidades indígenas para deixarem de ser vistos como napës, o termo Yanomami para inimigo que acabou se transformando na forma genérica de chamar todos os não-indígenas, e se tornarem o mais próximo que puderem de um parente, que é como boa parte dos povos originários chamam os membros de outras nações e comunidades indígenas.

Um dos “filhos” desse processo de etnomídia indígena, que passou, entre outros, pela formação do projeto pioneiro Vídeo nas Aldeias, coordenado pelo cineasta Vincent Carelli desde 1986 e hoje transformado em ONG, é Paulo Desana. O cineasta e fotógrafo vive em São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, considerada “a mais indígena das cidades brasileiras” num território com no mínimo 2 mil anos de ocupação contínua. Um de seus trabalhos mais recentes de portraits de várias etnias (imagem destacada na capa do site) ganhou destaque na boa série de vídeos Arte Indígena Contemporânea, produzida pelo canal de TV Arte 1 e patrocinada, ironicamente, pelo Instituto Cultural Vale, da antiga Companhia Vale do Rio Doce.

Quando a gente vai questionar um governo que tá tentando liberar invasão de terras indígenas, ele está destruindo não só uma floresta. Ele tá destruindo um povo que tá dentro dessa floresta, que estão interligados. Junto com isso, nós, de modo geral, brancos, indígenas, o que for, vai junto. E nisso tá tudo: arte, cultura, tradição, benzimento, oralidade, o nosso ecossistema, nossas águas… Então tudo vai junto, é um efeito dominó. Então é preciso manter nossa arte, nossa cultura viva, preservada, natureza, povos, todos nós. Nós somos um só vivendo nesse ecossistema. É isso que quem tá fora tem que entender. E isso tá na arte. A gente bota isso na arte. (Arte, 2022, 22:12 – 27:32 min).

Ailton Krenak é outro dos que prefere, sempre que pode, falar diretamente, sem quaisquer mediações de não-indígenas. Foi isso que ele fez, por exemplo, na palestra proferida em 12 de março de 2019 no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Portugal, como atividade preparatória à Mostra ameríndia: Percursos do cinema indígena no Brasil. Sua fala, posteriormente, foi transformada no livro Ideias para adiar o fim do mundo, do mesmo ano de 2019. Me parece que citar a obra é a melhor maneira de encaminhar este capítulo para o seu fim, até mesmo para fechar o ciclo com as ideias de Dom Philips para “salvar a Amazônia”.

Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do próprio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. E está cheio de pequenas constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover. O tipo de humanidade zumbi que estamos sendo convocados a integrar não tolera tanto prazer, tanta fruição de vida. Então, pregam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos nossos próprios sonhos. E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim.

Tempo de esperança

Esperamos que após a troca de governo federal em 1º de janeiro de 2023 haja uma mudança significativa na relação entre os povos brasileiros. Eleito presidente pela terceira vez por pequena margem na mais acirrada disputa eleitoral da história do país, Luiz Inácio Lula da Silva criou o inédito Ministério dos Povos Indígenas como um de seus primeiros atos. Ele também fez questão de entregar o ministério a uma liderança indígena respeitada, Sonia Gajajara, que foi candidata a vice-presidenta pelo Psol em 2018 e eleita deputada federal por São Paulo em 2022. Como seu primeiro ato, ela recebeu a Funai na estrutura do ministério e trocou o nome da entidade, que manteve a mesma sigla mas agora se chama Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Sob Bolsonaro, a Funai estava na estrutura do Ministério da Justiça, primeiro comandado pelo ex-juiz Sérgio Moro, que julgou e condenou ilegalmente Lula para tirá-lo da disputa de 2018, e depois pelo delegado da Polícia Federal Anderson Torres, atualmente preso acusado no processo que investiga a tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023.

Com menos de um mês de mandato e superada a primeira grande crise da tentativa de golpe, que inclusive adiou em alguns dias a posse de Gajajara como ministra, Lula reuniu sete ministros para fazer uma visita à Terra Indígena Yanomami em Roraima, de onde Bruno Araújo Pereira havia sido exonerado logo depois de coordenar a maior destruição de equipamentos de garimpo ilegal em 2019, com mais de 60 barcaças queimadas. O que Lula e seus ministros encontraram foi um cenário, inclusive visualmente, semelhante ao Holocausto Judeu da Segunda Guerra Mundial. Não irei reproduzir aqui as imagens por dois motivos: primeiro porque são muito chocantes e fáceis de serem encontradas na Internet, mas principalmente em respeito às tradições funerárias Yanomami, que não citam sequer os nomes dos mortos durante o período de luto. Pelo menos uma das mulheres esqueléticas resgatadas pela missão governamental em 21 de janeiro de 2023 faleceu antes do fechamento deste texto. O pior de tudo, no entanto, são as crianças doentes, contaminadas por mercúrio do garimpo e famintas. Ao menos 570 crianças com menos de cinco anos teriam morrido de fome e doenças evitáveis ou tratáveis nos quatro anos de governo Bolsonaro, mas a ministra Gajajara acredita que o número está muito subestimado.

A Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional decretada pelo Ministério da Saúde e a abertura pelo Ministério da Justiça de inquéritos para investigar crime de genocídio (que certamente irá ajudar no processo junto ao TPI) “atrapalharam” um pouco os planos do novo governo de integrar as ações do Ministério dos Povos Indígenas com outros ministérios, especialmente o Ministério do Meio Ambiente para ações contra as Mudanças Climáticas, mas também de dar visibilidade e protagonismo indígena às lutas dos povos originários. Afinal, como disse Krenak em 1987:

Hoje nós somos alvo de uma agressão que pretende atingir na essência a nossa fé, a nossa confiança de que ainda existe dignidade, de que ainda é possível construir uma sociedade que sabe respeitar os mais fracos, que sabe respeitar aqueles não tem o dinheiro para manter uma campanha incessante de difamação, que saiba respeitar um povo que sempre viveu à revelia de todas as riquezas. Um povo que habita casas cobertas de palha, que dorme em esteiras no chão não deve ser identificado de jeito nenhum com um povo que é inimigo dos interesses do Brasil, inimigo dos interesses da Nação e que bote em risco qualquer desenvolvimento. O povo indígena tem regado com seu sangue cada hectare dos 8 milhões de quilômetros quadrados do Brasil. Os senhores são testemunhas disso. (Krenak, 2015 1:50 – 3:00).

De fato, essa disputa de narrativas está longe de ser vencida. No momento em que escrevo as últimas linhas deste texto, por exemplo, recebo denúncias de uma nova onda de fake news visuais patrocinada por extremistas de direita. Em mensagens distribuídas nas redes sociais por um foragido da justiça que já trabalhou para o antigo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, as imagens de centenas de indígenas em grave desnutrição são atribuídas a uma “farsa dos comunistas”. Nessa (per)versão, os famintos não seriam brasileiros, mas sim venezuelanos sob a ditadura de Nicolás Maduro.

O Brasil, como se vê, está mais dividido do que nunca. De um lado, gente que vive literalmente num “Brasil Paralelo”, onde o perigo do comunismo ameaça a família cristã heteronormativa e a única saída seria uma intervenção militar violenta para nos transformar em “um único povo, uma única nação, sob um único Führer”, digo, Deus. De outro, uma imensa diversidade de povos, etnias e origens que precisa viver suas artes, suas culturas, suas vidas de maneiras distintas. Esse fenômeno de divisão da sociedade entre totalitários alucinados com imagens de medo construídas por teorias da conspiração e democratas em busca de uma sociedade mais justa e fraterna infelizmente não é só brasileiro. Mas nós temos a imensa sorte de ainda termos na nossa matriz de nação povos originários com cosmovisões e práticas sociais com uma imensa potência para adiar o fim do mundo. E não só o deles, mas também do planeta que dividimos com eles. Difundir sua arte e suas representações de si é talvez a melhor contribuição que posso dar agora.

*Uma versão anterior deste artigo, finalizada em setembro de 2022, faz parte do livro Quer que Desenhe? Imagens, fake news e mudança no modo de pensamento, disponível em versões impressa e ebook na Editora Casa Flutuante https://editoraflutuante.com.br/

Referências 

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