Nesse momento, 13 ETECs e três diretorias de ensino do Estado de São Paulo estão ocupadas. Os estudantes de São Paulo resistem. Mesmo apanhando, tremendo de frio ou com fome, eles se organizam, deliberam, ouvem e tomam decisões coletivas. Não tem arrego. Por que tudo isso? Pelo direito constitucional de ter educação.
A insatisfação com o ensino público foi represada por décadas de sucateamento. A gota d’água, porém, caiu no final do ano passado. Quando o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou que pretendia fechar e lotar salas em uma obscura e intransigente reorganização, os secundaristas disseram “basta”.
Foram centenas de manifestações. Mas foi preciso ocupar as escolas e mostrar à sociedade que aquele espaço, público, era dos alunos – e não de um governador arbitrário. Teve muita luta, teve muita violência também. Mas a vitória foi dos estudantes e a reorganização foi suspensa por ordem judicial. À revelia, Alckmin trocou aquele secretário da educação que ameaçou usar táticas de guerra contra os estudantes. O governador também prometeu diálogo.
Não foi bem assim. O ano virou e a reorganização continuou, desta vez às escondidas, denunciada pelos estudantes e até mesmo pela juíza que já havia barrado o governo. Como se não bastasse, denúncias apontaram que a merenda que os estudantes já sabiam ser horrível estava superfaturada. Não era um caso isolado. Tratava-se de crime organizado. A máfia da merenda expôs desvios de verbas de produtos comprados a preços exorbitantes.
Nada mais óbvio do que instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa, certo? Não para a bancada governista do Estado de São Paulo. Sessões foram barradas seguidamente – muitas pelo próprio presidente da Casa, Fernando Capez. Não por acaso, ele é apontado como membro da máfia da merenda.
Por dois meses, os secundaristas fizeram manifestações semanais pela instalação da CPI e denúncia da reorganização disfarçada que ainda acontece. As ações ganharam o apoio de alunos das escolas técnicas, as ETECs, que nunca tiveram bandejões ou suporte do estado para alimentação.
E assim, já sabendo que o diálogo do governar Alckmin é, no mínimo, à base de cassetete, os alunos ocuparam no dia 28 o Centro Paula Souza (CSP), que administra as ETECs e Faculdades de Tecnologia estaduais. Foi a faísca que a luta precisava.
Os Jornalistas Livres acompanharam toda essa história de perto. Desde as primeiras horas das primeiras ocupações no ano passado até a chegada dos estudantes na CPS semana passada (28) e o despejo dos estudantes, na sexta (7), realizada pela Tropa de Choque.
A ocupação da CPS foi um marco. Tensão do primeiro ao último minuto. Conflitos com seguranças, dificuldades para receber alimentos, fazer a limpeza… Represálias do estado e da direção da instituição. A reintegração poderia acontecer a qualquer instante. Mas não teve arrego. Ou a pauta de reivindicações seria atendida ou eles não iriam sair dali.
Na segunda-feira (2), a PM invadiu o saguão da CPS. Mais de 30 policiais passaram o dia encarando estudantes com a justificativa de “manter a integridade física” dos funcionários que lá trabalha – de nada adiantou explicar que relação entre os trabalhadores e estudantes já se mantinha respeitosa e pacifica. A parte boa é que, diante dos policiais, aulas públicas promoveram debates sobre a violência policial, questões gênero e direitos humanos. A justiça obrigou a PM sair dali no final do dia. Mas a tensão continuou.
Dois dias depois, na quarta (4), o secretário de segurança pública Alexandre de Morais aceitou acordou com uma juíza que uma reintegração só seria feita sem armas letais ou não letais e com o acompanhamento de conselheiros tutelares. O governo não gostou, não… A alta cúpula de Alckmin passou o dia seguinte articulando liminares para desfazer o acordo. E assim, ficou combinado: os policiais poderiam usar armas contra adolescentes desarmados. Não ia precisar de conselho tutelar nem nada, não. Era só chegar e expulsar.
Na ocupação, ninguém dormiu na noite de quinta para sexta (6). Lá fora, a rua ficou vazia. O portão foi trancado. Nenhum funcionário tinha permissão ficar lá. No saguão do CPS, eram só os estudantes, dois Jornalistas Livres e seis fotojornalistas. Depois de montar barricadas, os alunos se organizaram em turnos de três grupos: os de vigília, os de descanso e os de limpeza. Todos aguardavam a Tropa de Choque.
Ainda era noite, umas 5 da manhã, quando aquele verdadeiro arsenal de guerra chegou. Pelo menos três caveirões, como são chamados os caminhões blindados, dois ônibus e algumas viaturas. Todo o quarteirão do prédio foi fechado. Nenhuma alma podia passar sem a permissão da PM. Imprensa, advogados, pai, mãe ou qualquer apoiador: só podiam chegar até o paredão de policiais que se postou na esquina da rua.
Como manda a lei, um oficial de justiça e o comandante do batalhão da Tropa de Choque – acompanhados de um pequeno pelotão de policias – entregaram a ordem de reintegração de posse às 6 horas. Conselheiro tutelar? Advogado? “A discussão jurídica não é aqui, tá? A gente tem um instrumento legal assinado por uma autoridade competente que determina uma ação policial pra reintegrar a posse”, foi a resposta aos estudantes. Em meia hora, era pra vazar. O choque ia entrar.
Os estudantes se entreolharam. Fazer o quê? Sentar e esperar, ué. Na última assembleia, a decisão de resistir foi unânime. Juntos, numa roda de cantoria, todos também sabiam a letra do hino de resistência, “Para não dizer que não falei das flores” do Geraldo Vandré. E com essa trilha sonora o portão foi derrubado e o batalhão entrou.
Eram homens mascarados, com escudos e armas em punho. Todos muito grandes. Um deles deu o aviso para a retirada pacífica. Deixou claro que a outra opção seria o uso da força. Em uníssono, a resposta foi simple: “Não tem arrego!”
Os primeiros a serem arrastados foram os jovens e adolescentes negros. Como não se deixavam ser levados, a tarefa era cumprida por dois ou três policias para cada estudante. Um por um, foram jogados na rua. As roupas às vezes se rasgavam no atrito com o chão de cimento. Se resistiam, apanhavam. As meninas foram as últimas a serem expulsas. Também arrastadas, muitas puxadas pelo cabelo, em geral carregadas por dois homens armados.
Ajoelhados no chão, todos os estudantes ficaram cercados por escudos. Com algum vacilo se levanta mas logo caminharam em direção ao cordão policial que ainda fechava a rua. Jovens e policiais trocaram olhares. Mas os estudantes seguiram pelas ruas do centro.
Poderiam ter ido pra casa comer alguma coisa e tomar um bom banho. Mas preferiram rumar em direção a outra ocupação. Ali perto, outros colegas ocupavam uma Etesp, na avenida Tiradentes. Não foi surpresa serem de novo recebidos por PMs, agora da força tática. Dali, les ainda foram para diretoria de ensino da zona oeste para prestar solidariedade a outra ocupação, também fortemente armada. A sexta-feira dos estudantes ainda contou com a desocupação dos secundaristas da Alesp. Foi um dia e tanto para o movimento estudantil. E todos eles garantem: vão continuar resistindo.