“Não negociamos com este governo”

Foto: Mídia NINJA

Por Ines Garçoni, especial para Jornalistas Livres

No segundo andar do Palácio Gustavo Capanema, no Centro do Rio, o músico carioca Breno Góis, da banda Étera, anotava em folhas sulfite os nomes de quem estava disposto a dormir edifício: “Já tenho mais de 70 pessoas aqui, em pouco mais de uma hora”, contou. Na fila, outras duas dezenas esperavam para dar se inscrever. Todos são ativistas dispostos a encarar longas noites na belíssima sala Portinari, durante a ocupação do prédio que abriga a sede nacional da Fundação Nacional de Arte (Funarte) e da representação regional do Ministério da Cultura. “Não temos data para sair”, diz o músico.

Às cerca de onze da manhã, do quarto dia de governo do presidente interino Michel Temer, ativistas reunidos em mais de 100 coletivos artísticos e de luta entraram pacificamente no prédio. A própria ocupação e o manifesto divulgado pelos artistas no Rio esta tarde são uma espécie de resposta, inclusive, aos artistas reunidos em torno da Associação Procure Saber e do Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música (GAP), que, na sexta-feira 13, divulgaram uma carta aberta ao presidente interino pedindo que a decisão de extinguir o MinC fosse reavaliada.

Se a carta assinada por Caetano Veloso, Roberto Carlos, entre outros artistas, propõe um diálogo com o governo Temer, os presentes no Capanema rechaçam qualquer início de conversa. Depois da divulgação da carta, Temer ensaiou uma volta atrás na decisão de rebaixar o MinC a uma secretaria subordinada à pasta da Educação, agora nas mãos do democrata pernambucano Mendonça Filho.

Mas os ativistas do Capanema são contra a concertação. “Se não reconhecemos este governo ilegítimo, não há negociação”, resume a atriz Júlia Marini, uma das organizadoras, membro grupo Teatro Independente. Em assembleia, cerca de 300 ativistas aprovaram um manifesto que deixa clara a prioridade da ocupação: o fim do governo interino. “Queremos abrir o caminho do imponderável. Estou sentindo a galera pilhada, aguerrida, motivada, e vamos avançar e resistir. Só sairemos quando o Michel cair”, diz Marcos Galiña, outro organizador, integrante dos movimentos Ocupa Lapa e Reage Artista. O presidente da Funarte, Francisco Bosco, que ainda não havia sido exonerado até a noite de segunda, apoiou os manifestantes in loco: “Eu me sinto mais como presidente ocupante do que ocupado. É hora da sociedade se mobilizar para derrubar (o governo)”, disse à Mídia Ninja.

Depois de tomarem o espaço, mais de 400 pessoas abraçaram o prédio, marco da arquitetura moderna brasileira — erguido nos anos 30 e 40, durante o primeiro governo Getulio Vargas, para ser a sede do Ministério da Educação, o edifício foi projetado por Lucio Costa, Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy sob a supervisão do arquiteto franco-suíço Le Corbusier (sua importância histórica e artística, aliás, levou ao controle, por parte dos manifestantes, de quem entra e sai do prédio, além do acompanhamento de especialistas em patrimônio presentes na ocupação). Durante o “abraçaço” ao Capanema, estiveram presentes parlamentares como Marcelo Freixo, deputado estadual do PSOL, Jandira Feghali, deputada federal pelo PCdoB, Rosângela Zeidan, deputada estadual do PT, e Renato Cinco, vereador do PSOL. Artistas como os cineastas Ruy Guerra e Silvio Tendler estiveram na ocupação para falar e prestar solidariedade aos colegas.

“O movimento começou a ganhar força a partir dos atos do grupo Teatro pela Democracia, cujos atos multiplicaram atos de outros grupos”, conta Julia Marini. “Somos apartidários, e a ideia é que não haja aqui uma liderança centralizada na figura de alguém”, explica. Reunidos em seis equipes de trabalho (Comunicação, Infraestrutura, Programação, Segurança, Política e Jurídica), o grupo aglutina ativistas de vários setores, além da classe artística: produtores, servidores da Funarte, coletivos de mulheres, negros, de periferia, advogados, blocos de carnaval, entre outros.

Iniciada nesta segunda, a ocupação não tem data para acabar e pede doações de vários itens, sobretudo água. Os artistas prometem organizar eventos como saraus, concertos e shows do lado de fora do Capanema. Para acompanhar as programação e outros informes, há uma comunidade no Facebook: https://www.facebook.com/Ocupa-MinC-RJ-574736662731615/?fref=ts

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