No segundo turno, tudo parece acontecer em Minas Gerais. Se não é tudo lá, certamente, Minas colocou-se no olho do furacão, sob ventos altos, fortes e velozes, onde os candidatos à Presidência da República investem suas principais energias. Bolsonaro (PL) não empenha só energias, mas também truculência e jogo baixo. Seu radiolão tentou forjar em uma emissora de Uberaba, no Triângulo, provas que não pararam de pé. Os patrões bolonaristas que cometem assédio eleitoral são, majoritariamente, mineiros. E dos governadores em campanha, Romeu Zema (Novo) é o mais colado, virou chaveirinho do candidato. De hoje (28/10) até domingo o foco grande estas nas Minas.
Não por acaso, no segundo turno, Bolsonaro esteve cinco vezes no Estado e seu adversário, Lula (PT), três. Em palanque, o presidente disse “Sou mineiro”, embora seja filho do interior paulista. Afirmou que Juiz de Fora, onde tomou a suspeita facada em 2018, tornou-se neste ano o local do seu “renascimento”.
Muitas explicações sobre a cobiça por Minas
Segundo maior colégio eleitoral brasileiro, foi o único da região Sudeste a derrotar Bolsonaro, dando quase 600 mil votos a mais para Lula. Resultado semelhante ocorreu no cômputo geral dos votos do país, o que confirma a lenda de que ganhando em Minas, o candidato será o vitorioso nacional. Coincidência ou não, tem sido assim desde 1989. Collor (PTB), FHC (PSDB), Lula, Dilma (PT) e Bolsonaro ganharam primeiro em Minas.
Não só por isto o eleitorado mineiro é a síntese do Brasil. Na acertada observação do professor Bruno Carazza, autor do livro “Dinheiro, Eleições e Poder”, o estado carrega, geograficamente, influências dos vizinhos. Em entrevista à jornalista Renata Lo Prete, ele lembra que os mineiros do Norte e do Vale do Jequitinhonha assimilam muito o jeito do Nordeste brasileiro. O Triângulo tem o perfil econômico do Centro-Oeste. Já o Sul de Minas recebe influências paulistas, enquanto a Zona da Mata e Juiz de Fora respiram ares do Rio de Janeiro.
O olho de Bolsonaro cresceu em cima de Minas também porque entre as 27 unidades da federação, o estado tem o maior número de prefeitos – 800 ao todo. Zema enche a boca para bravatear uma estreita proximidade que teria com mais de 600 deles. Assim, o governador tem sido útil a Bolsonaro porque aciona a máquina pública estatal na atração dos chefes municipais.
O conservadorismo vem de longe
Na verdade, há muitas Minas. Uma que elegeu a primeira mulher trans para a Câmara dos Deputados, Duda Salabert (PDT-MG), e outra que deu a maior votação nacional ao ultradireitista Nikolas Ferreira (PL-MG), que juntou 1,47 milhão de votos. Tanto ela quanto o jovem bolsonarista têm atualmente uma cadeira no Legislativo de Belo Horizonte e travam severos embates. No plenário, Nikolas arrota o ideário moralista criado por Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Família, eleita senadora. Apoiadora de Lula, Duda, com a terceira votação no estado, declarou sobre o desempenho do adversário: “Não me interesso por ele. Sua política é uma política minúscula”. Os dois recém-eleitos retratam bem o Estado dividido na escolha, em dúvida sobre seguir com o campo progressista ou fechar questão com o retrocesso.
Para explicar a razão de o estado guardar tantas reminiscências tacanhas, a professora Heloísa Starling, recorre à história: “A Minas das oligarquias foi forte durante a primeira República [ou República Velha, de 1889 a 1930] e não desapareceu nunca mais”, afirmou, na comemoração dos 300 anos da fundação do estado.
Para Heloísa, o conservadorismo firmou-se como “traço da cultura política” desde que as oligarquias rurais passaram a dominar a cena nacional. Basta lembrar o período “café com leite”, quando nomes de Minas se alternavam com os de São Paulo na Presidência da República, não deixando o cargo para políticos de outras regiões. A ascensão rural se deu em Minas com o declínio da mineração e o crescimento econômico da produção do café. Até hoje o espírito conservador e direitista dos barões daquela fase paira e impõe tabus à ala da sociedade que abraça Bolsonaro.
No contrapeso, destaca-se André Janones (Avante), segundo deputado federal mais votado do país, que usa as redes sociais na defesa de Lula, revidando a pancadaria desferida por Nikolas e pelo bolsonarista Cleitinho Gontijo Azevedo, no Twitter. Nascido em Divinópolis (MG), Cleitinho foi eleito senador pelo Partido Social Cristão. Os dois agitam muito bem as redes sociais em uma espécie de cruzada punitivista e falsamente recatada, semelhante à Idade Média
Heranças da sangrenta ditadura militar
A decisão mais estratégica para o golpe de 1964 foi tomada na madrugada de 31 de março pelo general Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar que, sozinho, resolveu sair com suas tropas de Minas rumo ao Rio de Janeiro, desafiando o dispositivo militar que se concentrava prioritariamente no estado fluminense. Pagava para ver se o ministro da Guerra, o general Assis Brasil, seguraria João Goulart na Presidência. A notícia da conspiração chegou a Assis, que, diante da crise enfrentada pelo governo, estava disposto a derrubar Jango. Clima propício aos militares podia ser medido nas ruas. Seguindo o exemplo das paulistas, as mineiras estavam puxando o terço em praças e avenidas para levar em frente a Marcha da Família Com Deus pela Liberdade. Algo parecido com o que a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, faz ao arrastar evangélicas pelo Brasil na caravana “Mulheres com Bolsonaro”.
A conspiração contra um governo democraticamente ne eleito crescia também no meio empresarial naquele 1964. A Companhia Siderúrgica Belgo Mineira e Mannesmann são alvo de inquéritos civis do Ministério Público Federal (MPF), que ainda apura violações de direitos humanos ocorridas na ditadura militar, segundo a Comissão da Verdade. As duas empresas apoiaram política e financeiramente o golpe em Minas, colaboraram ativamente com a repressão contra trabalhadores, incluindo os próprios funcionários.
As Gerais foram cruéis com os opositores da ditadura Vargas e da ditadura de 1964, com um saldo de 1.531 pessoas presas, geralmente de forma ilegal. Havia até crianças entre camponeses, indígenas, religiosos e estudantes. Foram 109 camponeses e 17 militantes assassinados. Quase 50 mineiros mortos fora do estado. Os autores das atrocidades eram órgãos do governo, das Forças Armadas, das polícias e seus 125 torturadores, que reprimiram 3.109 trabalhadores urbanos.
Rádio mineira ajudaria o Radiolão
A campanha bolsonarista desperta muita ojeriza ou fidelidade extrema, o que mostra quão intensas são as paixões e como elas inspiram cabos eleitorais e seguidores.
O que levaria uma empresa a arriscar a saúde financeira do seu negócio senão a paixão? O episódio desta semana, chamado Radiolão ou RadioGate, demonstra isto. Começou na segunda (24/10) com a denúncia da coligação de Bolsonaro sobre boicote à propaganda eleitoral gratuita do presidente. Ele teria tido 154.085 inserções a menos que Lula, principalmente em rádios do Nordeste, provocando “desequilíbrio” na veiculação de inserções de rádio.
Alexandre de Moraes, presidente do TSE, deu 24 horas para apresentação de provas. Emissoras nordestinas não confirmaram o suposto crime eleitoral. O senador Flávio Bolsonaro, primogênito do clã, tuitou: “Não vou ficar acordado sozinho. Segura esta: Em Minas também fomos roubados: 15.101 inserções de 30 segundos a menos para Bolsonaro entre 7 e 14 de outubro”.
O socorro, então, partiu de Minas Gerais, mais precisamente da JM Online 95.5 FM, de Uberaba. Um e-mail corroboraria com a denúncia. A rádio enviou correspondência a Alexandre Gomes Machado, então coordenador do pool de emissoras do TSE, informando que, nos dias de 7 a 10, havia deixado de veicular 100 inserções da Coligação Pelo Bem do Brasil – que seria uma prova do tal desequilíbrio.
Servidor do tribunal desde 2010, Machado contou isso à Polícia Federal depois de ser exonerado nesta quarta-feira. No depoimento, ele se disse vítima de perseguição por ter alertado sobre falhas na fiscalização da veiculação de inserções.
Mas na realidade, sua exoneração ocorreu por assédio moral sobre funcionários, incluindo pressões políticas. Machado já havia postado nas redes mensagens contra o ex-presidente Lula. Lídia Prata Ciabotti, dona da rádio que teria oferecido “provas” do “desequilíbrio”, assim como Machado, registrou sua preferência no Instagram.
Dias antes, Lídia postou foto sua com um boton de Bolsonaro na blusa verde. Estava ao lado da primeira-dama. Também exibiu imagem ao lado do presidente explicando na legenda que ela tinha o direito de escolher. Mas em entrevista ao site de notícias UOL, negou que tivesse agido em defesa da coligação do presidente, e que procurou o TSE para saber como suprir a falta das 100 inserções da propaganda de Bolsonaro.
Alexandre de Moraes considerou a lambança como tentativa de tumultuar o processo eleitoral e pediu à Procuradoria-Geral Eleitoral para apurar se a campanha do presidente cometeu crime eleitoral, por denunciar sem provas. Bolsonaro o chamou, por isto, de ditador.
Prefeito de Uberlândia age por vingança
Mais uma paixão extremada é a do prefeito de Uberlândia, Odelmo Leão (PP). Ele determinou a suspensão do empréstimo de quadras e equipamentos esportivos que cedeu para a Olimpíada Universitária da Universidade Federal de Uberlândia. Sua sede de vingança ocorreu ao ver vídeos de estudantes fazendo “L” de Lula durante a execução do Hino Nacional na abertura das competições. A administração municipal alegou que foram desrespeitadas normas que proíbem fogos de artifício e confetes nas quadras.
O presidente venceu no primeiro turno em Uberlândia com 46,37% dos votos, enquanto o oponente obteve 44,69%. Ali os discursos tentaram vincular Lula a Fernando Pimentel (PT), que antecedeu Zema na administração do estado e foi muito mal avaliado pelos mineiros.
Empresários e prefeito tentam comprar votos
Minas é o campeão de assédio eleitoral a trabalhadores, com vergonhosas 374 denúncias, entre 1.435 casos em todo país. Coagir a votar no candidato do patrão é crime, diz o Código Eleitoral. Prometer folgas, prêmios e bonificações se o candidato dele for eleito também configura delito. Mas os empresários mineiros não se importam muito com a lei.
As denúncias ao Ministério Público do Trabalho (MPT) envolvem o comércio varejista de alimentos, roupas e calçados, área da saúde, indústria e administração pública municipal. Os casos mais divulgados na mídia estão ligados a frigoríficos. Um deles é o Serradão, em Betim, onde os funcionários foram obrigados a vestir camisas amarelas, receberam ameaças de demissão e ouviram a promessa de levar para casa um pernil inteiro se Bolsonaro se reeleger.
O dono, produtor rural e empresário Silvio Silveira, preside a Associação de Frigoríficos de Minas Gerais, Espírito Santo e Distrito Federal (Afrig). Além de indenização de R$2 milhões, Silveira pode ainda ter que pagar mais R$ 2 mil para cada funcionário assediado.
O outro comprador de voto é o Frigorífico Rivelli, em Barbacena. Os proprietários montaram um palanque no pátio da empresa e levaram o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, para tentar demolir Lula.
Choveram denúncias também contra o prefeito de Sete Lagoas, Duílio de Castro (Patriota). A cidade concentra quase um terço das reclamações – 120 no total de 374. Duílio carrega Bolsonaro no coração e tenta enfiá-lo no peito dos servidores municipais e dos moradores, prometendo folga no dia 31 de outubro, em caso de vitória. Por um lado, impõe seu voto, por outro incentiva a abstenção, já que o feriado municipal se prolongaria por três dias, de sábado a segunda.
O histórico de abusos se complica quando há indícios de participação do governador. Romeu Zema teria elogiado a ação de assédio eleitoral na empresa Líder Interiores. Ela teria promovido, dia 19, uma palestra para os seus 1,4 mil funcionários, em Carmo do Cajuru, no centro-oeste mineiro, defendendo a campanha bolsonarista. Em áudio divulgado por “The Intercept Brasil”, Zema faz críticas ao PT, elogia a Líder e disse estar feliz com o evento.
Minas nunca foi para amadores
Dizem as fábulas que o termo “raposas políticas” nasceu nas montanhas de Minas. Raposas são políticos ágeis e espertos, tidos como bons negociadores dos acordos firmados nos bastidores, quase sempre à boca pequena. Talvez por isso, o estado tenha conseguido fazer o maior número de presidentes da República. Foram nove ao todo. Na sequência vêm São Paulo e Rio Grande do Sul, com sete representantes cada um.
Com 15,5 milhões de votantes – ou 10,5% de todo o país – as Minas e as Gerais são a carta mais desejada do jogo político. Bolsonaro entrou em desespero ontem quando saiu a pesquisa Quaest. Apesar de toda investida no estado e de sua ampla pirotecnia, é Lula quem está na dianteira, reunindo 53% das intenções de votos pesquisados entre os dias 24 e 26. Simone Tebet (MDB), que reforça a candidatura petista, está em Minas desde quinta, no esforço para transferir votos. No primeiro turno, terceira colocada, ela foi a preferida de 500 mil eleitores do estado. “Minas garantirá a vitória do presidente Lula”, afirmou ela em Belo horizonte. “Tenho plena certeza”. Assim, o candidato do PL tenta furiosamente firmar-se na ventania, no meio do furacão, com 47% dos eleitores.
Até o final da tarde de domingo, nem Lula, nem Bolsonaro, nem os comentaristas políticos, nem os brasileiros comuns desgrudarão os olhos dos movimentos de Minas Gerais.