A juíza Arali Maciel Duarte decidiu tirar vaga da cotista negra, Lorena Pinheiro Figueiredo, e obrigou a Universidade Federal da Bahia (UFBA) a nomear uma candidata branca, Carolina Cincurá Barreto, para a vaga de professora de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFBA. A decisão foi anunciada na última quarta-feira, 21 de agosto, em fase liminar. No dia 27, Cincurá tomou posse.
A médica otorrinolaringologista Lorena Pinheiro Figueiredo é mestre e doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFBA. Ela disputou o concurso (edital nº 01/2023) da universidade, que ofereceu 30 vagas de professor de magistério superior. Lorena foi aprovada na quarta posição e, como havia a reserva para pessoas negras, foi declarada vencedora, com publicação no diário oficial da União de 13 de agosto. Todos os candidatos negros e negras aprovadas foram nomeadas. Exceto Lorena, cuja vaga foi arrebatada pela liminar judicial a favor de outra candidata.
Carolina Cincurá Barreto havia ficado em primeiro lugar na ampla concorrência. O Edital prevê reserva de vagas de 20% do número total de vagas no concurso. Alegando que para sua área de conhecimento não poderia haver reserva de vagas, ela acionou a Justiça Federal e conseguiu, no dia 21 de agosto uma medida cautelar. Na decisão judicial, a juíza Arali Maciel Duarte entendeu que, como apenas uma das vagas era para a disciplina de Otorrinolaringologia, a UFBA não poderia estipular a reserva de vagas para negros.
Dessa forma, a juíza concedeu o pedido de tutela de urgência para suspender a nomeação de Lorena Pinheiro e, com isso, Carolina Cincurá foi convocada, tomando a vaga da candidata que, dentro da lei e dos trâmites do Edital, havia sido homologada como vencedora.
Diário Oficial da União publicou a homologação dos aprovados no concurso
DEFESA
Em resposta à justiça, a procuradoria da UFBA explicou que a universidade ofereceu 30 vagas e, conforme um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), não se pode “fracionar vagas por especialidades”. Como o concurso (edital 1/2023) possui um total de 30 vagas, a lei de cotas se aplica ao conjunto das vagas, ou seja, seis vagas para cotistas negros a segunda melhor nota.
“É um misto de sentimentos. Frustração, decepção e indignação. Eu segui todos os trâmites exigidos pelo edital. Foi um concurso longo, por conta da greve da UFBA. A ansiedade já era grande. Quando minha convocação foi abruptamente derrubada, perdi o chão. Me senti agredida, invadida e violentada. Um sentimento de injustiça muito grande tomou conta de mim. Não é justo. Eu segui o edital como manda a lei. Ver a minha vaga sendo tomada no grito, é uma afronta à história de milhares de mulheres como eu, que a cada dia enfrentam milhares de obstáculos pela nossa condição de ser mulher e negra. Mas eu vou lutar. Não vou desistir. Eu conquistei a vaga. Não é só por mim. É pela lei de cotas, é por milhares de mulheres negras, é pela reparação histórica”, afirmou Lorena..
Médica e pesquisadora, Lorena Pinheiro Figueiredo ficou conhecida nacionalmente em 2022, quando a sua pesquisa de doutorado na UFBA foi apontada como um dos estudos mais avançados do Brasil no tratamento da perda de olfato pós-COVID-19. Várias reportagens foram publicadas na imprensa nacional. O Programa Fantástico, da TV Globo, de 22 de novembro de 2022 deu destaque ao estudo com uma matéria de dez minutos sobre as dificuldades dos pacientes e, como o tratamento proposto pela pesquisa estava solucionando os problemas de pessoas em todo país. Link: https://globoplay.globo.com/v/10060769/
Diversos órgãos de imprensa como jornais impressos, portais de notícias e redes de TV no Brasil e na Bahia repercutiram a pesquisa.
A defesa da vítima já entrou com recurso para anulação da medida liminar e fazer valer o seu direito.
Manifesto de Docentes Negras e Negros da UFBA em Defesa das Políticas de Ação Afirmativa e em Solidariedade à Professora Lorena Pinheiro Figueiredo
Nós, 85 docentes negras e negros dentre 2.749 docentes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), expressamos grande preocupação em relação ao recente episódio envolvendo as políticas de ação afirmativa da nossa instituição e demandamos uma resposta firme e resolutiva por parte da administração universitária.
As políticas de ação afirmativa são o fruto das batalhas históricas dos movimentos negros no Brasil, sendo a Lei nº 12.990/2014, que reserva 20% das vagas em concursos públicos federais para candidatos negros, um exemplo significativo dessa luta.
Na UFBA, em conformidade com a referida legislação, 20% das vagas são destinadas a candidatos/as negros/as. No entanto, essa conquista, embora importante, que só ocorreu de maneira efetiva no ano de 2018, após uma cobrança incisiva do Coletivo Luiza Bairros, ainda é insuficiente, considerando que, conforme dados recentes do IBGE, 79,7% da população da Bahia é negra e apenas uma minoria desse percentual aparece representada no quadro docente da universidade.
Recentemente, a nomeação de Lorena Pinheiro Figueiredo para a vaga de Professora Adjunta na Faculdade de Medicina da UFBA foi inviabilizada por uma decisão judicial que contestou a política de cotas. Embora Lorena tenha sido a primeira colocada entre os candidatos negros e tenha sido aprovada na banca de heteroidentificação, sua posse foi impedida, contrariando a publicação oficial que previa a vaga como “preferencialmente ocupada por candidato autodeclarado negro”, repetindo situação vivenciada por outras pessoas negras aprovadas em concursos docentes anteriores da UFBA.
Ressaltamos que este incidente não deve ser considerado como um problema isolado ou uma questão pessoal de uma candidata. Essa é uma perspectiva que distorce o real significado das políticas de ação afirmativa, que representam um compromisso institucional da Universidade com a inclusão de pessoas negras e a promoção da diversidade.
Portanto, é imperativo que a Reitoria e a Procuradoria da UFBA adotem todas as medidas legais necessárias para garantir a autonomia universitária e a ampliação da diversidade dos quadros institucionais da UFBA, bem como a posse de Lorena Pinheiro Figueiredo, interpelando a sentença judicial como um ataque à construção de uma Universidade verdadeiramente pública, democrática, de qualidade e socialmente referenciada.
Além disso, é crucial que a instituição implemente processos mais robustos para acompanhar a execução das políticas de ação afirmativa. Sugerimos a criação de uma comissão de monitoramento, com carga horária dedicada a docentes e servidores técnico-administrativos, para formar um observatório que garanta a consistência na aplicação dos critérios de reservas de vagas nos concursos públicos e a defesa irrevogável dos parâmetros legais estabelecidos.
Em vista do exposto, este manifesto representa um apelo à ação. A UFBA deve reafirmar e proteger suas políticas de ação afirmativa com a seriedade que o tema exige, ingressando com os remédios legais necessários para assegurar o direito de Lorena Pinheiro Figueiredo assumir a vaga para a qual foi selecionada. Além disso, é importante que a instituição trabalhe para aperfeiçoar ainda mais a implementação da política de cotas, com a efetiva participação da comunidade acadêmica. Tal postura institucional é a única que reflete o compromisso efetivo da Universidade com o combate ao racismo e a promoção da igualdade de oportunidades na sociedade brasileira.
Assinam,
1- Gabriel Swahili/FACED
2- Rodrigo Pereira/FACED
3- Henrique Saldanha/IMRS
4- Déborah Santos/ FACED
5- Fatima Souza/FACED
6- Edilza Sotero/FACED
7- Ohana Boy/FACOM
8- Nanci Helena Reboucas Franco/FACED
9- Alex Barbosa/FACOM
10- Henrique Freitas/ILUFBA
11- Selma Silva/FACED
12- Ygor Jessé Ramos/FACFAR
13- Luciano Pinheiro/FDUFBA
14- Joelma Nascimento de Souza/FACFAR
15- Cosme Damião Barbosa/FacFar
16- Arivaldo Sacramento de Souza/ILUFBA
17- Gilvanice Barbosa da Silva Musial/FACED
18- Tatiana Emilia Dias Gomes/FDUFBA
19- Lourence Alves/ENUFBA
20- Thiago Assis/DANUFBA
21- Deboraci Brito Prates/ICS
22- Ana Lucia Silva Souza/ILUFBA
23- Nanci Araújo Bento /ILUFBA
24- Ana Luiza Pinheiro Flauzina/FACED
25 – Claudia Silva/ILUFBA
26 – Rubenilda Sodré/FACED
27- Jesiel Ferreira de Oliveira Filho/ILUFBA
28 – Ricardo Dias de Castro – IPS e PPGNEIM/UFBA
29 – Fábio Macêdo Velame/FAUFBA
30 – Joilson Nascimento Paim – EPOLI
31 – Marilza Oliveira da Silva /DANUFBA
32 – Alvanita Almeida / ILUFBA
33 – Maurício Araújo/ FDUFBA
34- Manuela da Silva Souza/IME
35 – Simone Maria de Moraes/IME
36 – Fernanda Cerqueira/ ILUFBA
37 – Elen Deise Assis Barbosa/IME
38 – Fernanda Pereira/ ILUFBA
39 – Paula Barreto/ FFCH- UFBA
40 – Fernanda Miranda/ ILUFBA
41 – Mabile Francine Ferreira Silva – IMRS
42-Marcos Vinícius Ribeiro de Araújo -IMRS
43 – Virgínia Campos Machado – ENUFBA
44-Marcia da Silva Lopes -IMRS
45- Ivana Pereira Ivo – ILUFBA
46- Rosinês de Jesus Duarte – ILUFBA
47 – Evandro Carlos Ferreira dos Santos/IME
48- Andréia Maria Pereira de Oliveira/FACED
49- Carlos Eduardo Nogueira Bahiano/IME
50- Florentina da Silva Souza/ILUFBA
51 – Glória Figueiredo – FAUFBA
52- Magali da Silva Almeida/IPS
53 – Feibriss Ametista Henrique Meneguelli Cassilhas/ILUFBA
54 – Handerson Silva Santos – EENF
55 – Priscila Coimbra Rocha – EENF
56 – Erica Ribeiro de Andrade –
Escola de Belas Artes
57 – Victor Mancir da Silva Santana – IFUFBA
58 – Elisabete Aparecida Pinto/IPS – CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
59- Victor Diogenes Amaral da Silva/Instituto de Ciências da Saúde
60- Inacilma Rita Silva Andrade/Faculdade de Ciências Contábeis
61- Liliane de Jesus Bittencourt – ENUFBA/PPGSAT
62- Joseania Miranda Freitas/Museologia – FFCH
63- Laisa Liane Paineiras Domingos/ IMRS
64- Márcia Barbosa da Silva – Instituto de Ciências da Saúde
65- ANA CRISTINA MUNIZ DÉCIA/ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DA UFBA
66 – Cloves Luiz Pereira Oliveira/ Departamento de Ciência Política – FFCH, Ufba
67 – Joilda Silva Nery /ISC
68 – Dandara de Oliveira Ramos -Instituto de Saúde Coletiva, UFBA
69 – Elias Santiago de Assis – IME, UFBA.
70 – Samuel Vida – FDUFBA
71 – Denise Carrascosa – NETINDIAFRO/ ILUFBA
72 – Jasilaine Andrade Passos – ENUFBA
73- Jair Batista da Silva/ FFCH/UFBA
74- Deise Vilas Bôas/ICS
75- Maiara Damasceno/FACED
76- Luciene Fernandes / IMRS-UFBA
77 – Mauricio Romero Sicre/IME
78 – Rita de Cássia de Jesus Silva/IME
79- Rodrigo Severo dos Santos/ Escola de Teatro | UFBA
80- André Luis Nascimento dos Santos/ Escola de Administração
81 – Eduardo David de Oliveira. Faced -ufba
82 – Tatiana Sena dos Santos / ILUFBA
83- Leopoldina Cachoeira Menezes/IME
84- Vilson Caetano de Sousa Júnior/ ENUFBA/PPGA
85- Silvia Lúcia Ferreira – Escola de Enfermagem