-Me traz aquela!

Depois de várias reportagens sobre o dia a dia da Cracolândia, a jornalista Valéria Jurado e o fotógrafo Ale Ruaro decidiram escrever uma “crônica”. Entendedores entenderão.
FOTOS : Ale Ruaro Twitter @aleruaro Instagram @aleruaro

São dois anos já nas filas da fome onde tento ajudar. Dois anos no antigo “campo de refugiados” da Praça Princesa Isabel, no coração de SP.

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Hoje não mais existe o campo, estourado e pulverizado em 13 mini Cracolândias. Foi lá que conheci uma mulher bonita, olhos azuis, cabelo preto, corpão, 36 anos, 25 deles na Craco. Dependente, delinquente, passou um tempo na prisão. Esfaqueou um cara! O motivo era que ela PRECISAVA ser presa.

Vou contar como aconteceu isso. Ali no fluxo ela era “avulsa”. Isso significa que ela não “pertencia” a um traficante, não mais. Acontece que apareceu no posto policial da praça um novo tenente. Impressionado com a beleza da “Zumbi da Cracolândia”, ordenou: – Me traz aquela!

FOTOS : Ale Ruaro Twitter @aleruaro Instagram @aleruaro 

Os subalternos a “convidaram” até o chefe. A partir de então se estabeleceu um ritual. Ele trancava o posto e a estuprava das maneiras mais violentas e sangrentas que não chegassem a matá-la. Ela ficava “estragada” por uns dez dias, prazo em que ele retornaria ao posto da praça, à trabalho, pra cumprir seu dever de policial e cidadão respeitado e responsável.

O ritual foi mantido por cinco anos, dos 25 aos 30 dessa mulher. Àquela altura ela pesava 40 quilos, dentes estragados, um espectro como muitos outros na Craco. As pedras não aliviavam mais tanta depressão, humilhação, escravidão e dor física. Era o fim!

Numa noite de desespero, uma facada num homem qualquer do fluxo a levou à prisão por três anos. Ali ela aprendeu novas manobras, novos vícios e se casou com uma “sapatão da chefia”.  Fez, enfim, a faculdade no crime, como ela me disse. O negócio dela era homem mas chegou a se “masculinizar” para sobreviver ao presídio. Ainda assim, a vida no cárcere era mais “suave” se comparada aos estupros sistemáticos do tenente asqueroso.

Foi a única saída que a paulistana, “refugiada de guerra”, encontrou para se livrar do abuso do “turismo sexual”, de dez em dez dias durante cinco anos, do “cidadão de bem”. O tenente podre, imundo, nojento que não tinha dinheiro para um “tour de blonde” no Leste Europeu hoje está morto de “morte morrida do coração”.

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A mulher? Está viva! Chorou no dia que comprei um kit manicure para ela se cuidar. Disse que va sair para passear no shopping com o filho. “Igual gente normal”, exclamou.

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TEXTO: Valéria Jurado 

Jornalista e Ativista de Direitos Humanos 

Twitter @Valeria_Jurado6 

Desde o início da pandemia reportando como voluntária às causas da POP RUA. Divulgando e atuando em várias frentes.

FOTOS: Ale Ruaro 

Fotógrafo de Arte e Lifestyle

Twitter @aleruaro

Instagram @aleruaro

Registrando como Fotojornalista a situação da POP RUA durante toda pandemia.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Com nauseas! Muito dificil ser mulher nesse pais. Na craco ou em outro lugar. Nem da pra imaginar essa situacao

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