Marcos Sassateli, frade dominicano, sugere ao governo Lula que retorne às bases

"Presidente Lula, parabéns pela sua vitória, que é também a vitória de muitos e muitas de nós: a vitória da Democracia, a vitória do Brasil."
Frei Marcos Sassateli em intervenção popular da Campanha Despejo Zero na porta da Assembleia Legilativa de Goiás. Foto: Alex San

Por Marcos Sassatelli, Frade Dominicano Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral. Professor aposentado de Filosofia da UFG


Irmão e Companheiro Lula, o seu Governo – como todos os Governos democráticos – deverá, antes de tudo, cumprir a Constituição Federal, dialogando, sempre com o Congresso (Senado e Câmara), o Judiciário e – em nível Estadual e Municipal – os Governadores e os Prefeitos.


Além disso, por estarmos na mesma caminhada, a partir de minha longa experiência de Trabalho de Base e com a única intenção de colaborar, tomo a liberdade de – publicamente – dar a você Lula e aos demais membros do seu novo Governo uma sugestão concreta: criem – em caráter extraoficial – o Conselho Político Popular – CPP (um Conselho nacional permanente, com reuniões periódicas), para assessorá-los, garantindo inclusive o permanente contato com o Trabalho de Base.


O CPP deve ser formado por representantes – eleitos por eles e elas – dos Movimentos Sociais Populares, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, Partidos Políticos Populares, Organizações dos Povos Indígenas e Quilombolas, Comitês ou Fóruns de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum e outras Organizações Populares (com seus “intelectuais orgânicos”), que – mesmo tendo, em determinados aspectos, visões diferentes (deverão ser respeitadas e valorizadas) – estão unidos e unidas na luta por um Projeto Político alternativo ao Projeto Político Capitalista Neoliberal: o Projeto Político Popular.


Lula, pessoalmente, penso que a sua atuação política e a dos demais do seu Governo devem acontecer em duas grandes frentes de trabalho: a conjuntural e a estrutural.


Na frente conjuntural, vocês devem enfrentar corajosamente a situação (que se tornou dramática) de fome, de miséria, de pobreza e falta de condições de vida digna, em que vive a maioria doe trabalhadores e trabalhadoras. Trata-se de uma situação tão perversa e tão desumana, que clama diante de Deus e não pode esperar.


Na frente estrutural, vocês devem dar passos históricos concretos marcantes e significativos no caminho que – a médio e longo prazo – levará: o à superação do Projeto Político Capitalista Neoliberal, que é de uma desigualdade e injustiça legalizadas e institucionalizadas gritantes e (o que é pior) legitimadas – hipócrita e diabolicamente – em nome da Natureza (é natural!) e de Deus (é vontade de Deus!); e, ao mesmo tempo: o à implantação do Projeto Político Popular, que quer ser, cada vez mais, igualitário, justo, humano, ético, fraterno, comunitário (verdadeiramente “socialista”). Irmão e Companheiro Lula, você e os demais do seu Governo – assessorados pelo CPP – devem também fazer permanentemente a leitura – análise e interpretação – dos Sinais dos Tempos desde os Pobres (na ótica dos Pobres) e ter, em cada momento histórico, a consciência crítica dos passos “possíveis” a serem dados e das estratégias “possíveis” a serem utilizadas para fazer acontecer, no Brasil e no mundo, o Projeto Político Popular.

Lula, cuidado com as artimanhas dos poderosos! Seu Governo não pode cair na tentação de ser um “Governo reformista”, que trai as expectativas dos trabalhadores e trabalhadoras e que – mesmo amenizando, com programas sociais de assistência, situações de extrema pobreza – acaba fortalecendo o Projeto Político Capitalista Neoliberal (Ultra – neoliberal). No entusiasmo da vitória, falou-se e escreveu-se muito sobre o seu novo Governo como um “Governo de conciliação”. Mais uma vez, cuidado! A expressão é ambígua e – de certa forma – perigosa. Entre o Projeto Político Capitalista Neoliberal e o Projeto Político Popular, não há possibilidade de “conciliação” e nem de “aliança” (a não ser meramente formais). São Projetos objetivamente opostos. Só poderá haver, em casos muitos especiais e por razões diferentes, “acordos pontuais”.

E ainda: não confundamos “luta de classe” com “ódio de classe”. Por defenderem Projetos Políticos opostos, entre a classe dos trabalhadores e a classe dos capitalistas há luta de classe, mas não necessariamente ódio de classe. Aliás, o ser humano consciente de sua dignidade e, mais ainda, o cristão ou cristã não odeia ninguém, ama a todos e a todas. Jesus nos ensina que devemos amar até os nossos inimigos (ora, se devemos amar até os nossos inimigos, quer dizer que eles existem) e o educador Paulo Freire nos recorda que a única maneira de amar os opressores é lutar contra o Projeto de Vida que eles defendem.


Por fim, ouçamos as palavras do Papa Francisco. No 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares, ele pergunta: “Reconhecemos que este Sistema (o Sistema Capitalista Neoliberal) impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social e nem na destruição da natureza?” E responde: “Se é assim – insisto – digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este Sistema é insuportável: não o suportam os Camponeses, não o suportam os Trabalhadores, não o suportam as Comunidades, não o suportam os Povos…. E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco” (Santa Cruz de la Sierra – Bolívia, 07-09/07/15. O grifo é meu). Peço a Deus, Lula, que seu Governo “tenha lado”: o lado de Jesus de Nazaré, o lado dos Pobres (marginalizados, oprimidos, excluídos e descartados) de nossa sociedade brasileira.

Estamos com você! Conte conosco!
O caminho está aberto!

Com muita esperança, sigamos em frente!

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS