Jornalistas da Folha repudiam publicações de conteúdo racista no jornal

Em carta aberta à diretoria da Folha, jornalistas pedem reflexão e reavaliação sobre a forma como o racismo tem sido abordado no veículo. Leia na íntegra (abaixo)

Carta aberta de jornalistas da Folha à direção do jornal

Caros membros da Secretaria de Redação e do Conselho Editorial da Folha,

Nós, jornalistas da Folha aqui subscritos, vimos por meio desta carta expressar nossa preocupação com a publicação recorrente de conteúdos racistas nas páginas do jornal. Sabemos ser incomum que jornalistas se manifestem sobre decisões editoriais da chefia, mas, se o fazemos neste momento, é por entender que o tema tenha repercussões importantes para funcionários e leitores do jornal e no intuito de contribuir para uma Folha mais plural.

O episódio a motivar esta carta foi a publicação de artigo de opinião intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo” (Ilustrada Ilustríssima, 16/1), em que Antonio Risério identifica supostos excessos das lutas identitárias, que estariam levando a racismo reverso.

Para além de reafirmarmos a obviedade de que racismo reverso não existe, não pretendemos aqui rebater o que afirma o autor —pessoas mais qualificadas do que nós no tema já o fizeram, dentro e fora do jornal.

No entanto, manifestamos nosso descontentamento com o padrão que vem se repetindo nos últimos meses.

Em mais de uma ocasião recente, a Folha publicou artigos de opinião ou colunas que, amparados em falácias e distorções, negam ou relativizam o caráter estrutural do racismo na sociedade brasileira. Esses textos incendeiam de imediato as redes sociais, entrando para a lista de mais lidos no site. A seguir, réplicas e tréplicas surgem, multiplicando a audiência. A controvérsia então se estanca e morre, até que um novo episódio semelhante surja.

Antes do artigo em questão, colunas de Leandro Narloch e Demétrio Magnoli cumpriram esse papel.

Acreditamos que esse padrão seja nocivo. O racismo é um fato concreto da realidade brasileira, e a Folha contribui para a sua manutenção ao dar espaço e credibilidade a discursos que minimizam sua importância. Dessa forma, vai na contramão de esforços importantes para enfrentar o racismo institucional dentro do próprio jornal, como o programa de treinamento exclusivo para negros.

Reconhecemos o pluralismo que está na base dos princípios editoriais da Folha e a defesa que nela se faz da liberdade de expressão.

No entanto estes não se dissociam de outros valores que o jornalismo deve defender, como a verdade e o respeito à dignidade humana. A Folha não costuma publicar conteúdos que relativizam o Holocausto, nem dá voz a apologistas da ditadura, terraplanistas e representantes do movimento antivacina.

Por que, então, a prática seria outra quando o tema é o racismo no Brasil?

Se textos como o de Antonio Risério atraem audiência no curto prazo, sua consequência seguinte é minar a credibilidade, que é, e deve ser, o pilar máximo de um jornal como a Folha.

Por esses motivos, convidamos a uma reflexão e uma reavaliação sobre a forma como o racismo tem sido abordado na Folha. Acreditamos que buscar audiência às expensas da população negra seja incompatível com estar a serviço da democracia.

Assinam esta carta:
Adriana Mattos
Adriano Vizoni
Alfredo Henrique
Aline Mazzo
Amanda Lemos
Amon Borges
Ana Bottallo
Ana Luiza Albuquerque
Andre Marcondes
Andressa Motter
Anelise Gonçalves
Angela Boldrini
Angela Pinho
Anna Virginia Balloussier
Artur Rodrigues
Bárbara Blum
Beatriz Izumino
Bianka Vieira
Bruna Borges
Bruno B. Soraggi
Bruno Benevides
Bruno Molinero
Bruno Rodrigues
Camila Gambirasio
Carolina Daffara
Carolina Linhares
Carolina Moraes
Catarina Ferreira
Catarina Pignato
Clauber Larre
Clayton Castelani
Cristiane Gercina
Cristiano Martins
Cristina Camargo
Cristina Sano
Dani Avelar
Dani Braga
Daniel E. de Castro
Daniel Mariani
Daniel Mobilia
Daniela Arcanjo
Danielle Brant
Danilo Verpa
David Lucena
Débora Melo
Diana Yukari
Eduardo Marini
Eduardo Moura
Emannuel Gonçalves Gomes
Fábio Pupo
Fernanda Brigatti
Fernanda Giulietti
Fernanda Mena
Fernanda Perrin
Flávia Faria
Flávia Mantovani
Gabriel Cabral
Gabriela Bonin
Géssica Brandino
Giovanna Stael
Giuliana de Toledo
Giuliana Miranda
Guilherme Botacini
Guilherme Garcia
Guilherme Seto
Gustavo Fioratti
Gustavo Queirolo
Havolene Valinhos
Heloísa Lisboa
Henrique Santana
Irapuan Campos
Isabela Palhares
Isabella Menon
Jairo Malta
Jéssica Maes
João Gabriel
João Gabriel Telles
João Pedro Pitombo
João Perassolo
José Marques
Julia Chaib
Karime Xavier
Karina Matias
Kleber Bonjoan
Laíssa Barros
Laura Lewer
Leonardo Diegues
Leonardo Sanchez
Lucas Alonso
Lucas Brêda
Luís Curro
Luiz Antonio Del Tedesco
Maicon Silva
Manoella Smith
Marcelo Azevedo
Marcelo Rocha
Marciana de Barros
Maria Ap. Alves da Silva
Mariana Agunzi
Mariana Arrudas
Mariana Goulart
Mariana Zylberkan
Marília Miragaia
Marina Consiglio
Marina Lourenço
Marlene Bergamo
Mateus Bandeira Vargas
Matheus Moreira
Matheus Rocha
Matheus Teixeira
Mathilde Missioneiro
Maurício Meireles
Mayara Paixão
Melina Cardoso
Mônica Bento
Naná DeLuca
Natália Cancian
Natália Silva
Nathalia Durval
Nicollas Witzel
Otavio Valle
Paola Ferreira Rosa
Patricia Pamplona
Paula Soprana
Paulo Batistella
Paulo Saldaña
Pedro Ladeira
Pedro Lovisi
Phillippe Watanabe
Priscila Camazano
Ranier Bragon
Raphael Hernandes
Raquel Lopes
Rebeca Oliveira
Regiane Soares
Renan Marra
Renata Galf
Renato Machado
Ricardo Balthazar
Rivaldo Gomes
Rodrigo Sartori
Ronny Santos
Rubens Alencar
Salvador Nogueira
Samuel Fernandes
Sílvia Haidar
Silvia Rodrigues
Tatiana Harada
Tayguara Ribeiro
Thea Severino
Thiago Amâncio
Thiago Bethônico
Tiago Ribas
Victor Lacombe
Victoria Azevedo
Victoria Damasceno
Vitor Moreno
Vitória Macedo
Walter Porto
Washington Luiz
Wesley Faraó Klimpel
William Barros
William Cardoso
Zanone Fraissat
E outros 22 jornalistas da Folha
Total de adesões: 186

COMENTÁRIOS

3 respostas

  1. Novos tempos, novas posturas. A verdade sempre.

  2. Por mais bem intencionada q esta carta seja, ela só faz o jogo da Folha: mantém o assunto quente, sai da pasmaceira, e, no limite, fatura mais ainda mostrando como é liberal com seus funcionários insurgentes. O melhor a fazer? Teria sido ignorar completamente o Risério e não dar a ele nem à Folha todo o palanque que estão tendo.

  3. Leio a Folha desde os tempos do saudoso Aloysio Biondi. Empolguei me também com o Safatle. Tem muita gente boa, outras nem tanto. A Folha colaborava com a repressão, quando Boilesen foi executado, seu principal executivo deixou o país. Biondi e Lima Sobrinho, dois influentes nacionalistas, morreram em datas muito próximas. Tenho observado que profissionais da Imprensa que atuam com independência saem ou são demitidos, atuando em portais como GGN, Brasil 247, DCM, Forum, entre outros. Toda a sorte do mundo para a Cristina, ela merece!

POSTS RELACIONADOS