Jorge: mais um retrato da criminalização dos movimentos sociais no Brasil

‘O que é o judiciário para o homem do povo?’ Para o povo do Vale do Urucuia, em Minas Gerais, justiça trabalha para criminalizar lideranças de movimentos que defendem a reforma agrária e lutam contra a desertificação da região noroeste

 

No dia 25 de fevereiro de 2014, sob o sol forte do sertão, centenas de pessoas saíram em passeata pelas ruas de Buritis, no Vale do Urucuia, em Minas Gerais, região eternizada na obra de Guimarães Rosa,  Grande Sertão: Veredas. Jorge, conhecido como Jorge do PT e tido como pacificador de conflitos agrários, havia sido condenado, em quatro processos, a 26 anos e 7 meses de prisão.

O Sindicato dos Trablhadores da Agricultra Familiar havia convocado a população, por meio de uma carta aberta, a se manifestar a favor de Jorge: “Quem de nós, em sã consciência, pode dizer que suas sentenças estão a serviço de uma efetiva justiça social? O que é o judiciário para o homem do povo, senão o triste prolongamento do aparelho repressor estatal? O que é o judiciário para o desempregado sem estabilidade, para o sem-terra, para os deserdados da vida, enfim, senão a ponta de lança de um sistema econômico elitista, pronto para a estocada final? ”

Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais também houve crítica à atuação do judiciário de Buritis. O deputado Nilmário Miranda, do Partido dos Trabalhadores, afirmou que a condenação de militantes de movimentos sociais está se tornando uma prática: “Condenar a penas elevadas dirigentes de movimentos que querem fazer valer a função social da propriedade e caçar os foragidos como se fossem bandidos de alta periculosidade é dar caráter político e ideológico ao judiciário”, afirmou o deputado, que ainda denunciou outros casos de condenação na região, como o de Adriano Paiva Coutinho, preso antes mesmo da publicação da sentença, e de outros dois militantes condenados a mais de 7 anos de prisão pela ocupação pacífica de uma agência do Banco do Brasil.

Jorge do PT ou do MST

Jorge é pai de 15 filhos. Pessoa alegre e que está sempre de prontidão para ajudar as pessoas necessitadas, é o que dizem de Jorge em toda a região do Vale do Urucuia. É portador de bons antecedentes. Ao longo da militância pela reforma agrária e contra o desmatamento e secamento de importantes rios e córregos, se envolveu em alguns processos na justiça.

Sempre foi um um agricultor/político/ militante conhecido. Em 2002, quando a fazenda do ex presidente da República Fernando Henrique Cardoso foi ocupada, Jorge estava lá e já era liderança. Líder maior do MST na região, Jorge integrava o Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar; a Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do Distrito Federal e Entorno; o Comitê de Defesa da Bacia Hidrográfica do Rio Urucuia; presidia o Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores de Buritis e era Diretor Coordenador do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Econômico – IBRADEC.

Jorge foi o vereador mais votado em 2008 no município e presidiu a Câmara enquanto legislou. O que explica a movimentação contra a sua condenação.  A maioria dos manifestantes eram trabalhdores, e principalmente assentados: há 21 assentamentos em Buritis, provenientes de reforma agrária, onde vivem mais de 1.000 famílias que produzem alimentos de forma sustentável.

A condenação de Jorge

Em 20 anos de luta, nenhum processo contra Jorge havia avançado e sido tão sério como o de 2014: ele responderia por crimes de dano ao patrimônio e furto. O dano: o uso de um trator da prefeitura para arar a terra durante uma ocupação, que foi devolvido depois. O furto: um grampeador que sumiu de uma agência ocupada por assentados a favor de uma liberação de crédito.

Na verdade Jorge nem teria a oportunidade de responder.

Tudo começou em janeiro de 2014, quando uma publicação na página do Facebook de Jorge não agradou ao juiz da Comarca, Dalmo Luiz Silva. A postagem se referia a um processo contra um companheiro de luta de Jorge. Era de fato uma crítica à atuação do judiciário. Mas o processo não corria em segredo. No mesmo dia em que Jorge prestava esclarecimentos sobre o fato à Polícia Civil, o julgado, Ellyanderson, foi transferido para outra comarca, com a justificativa de que ele apresentava periculosidade, mesmo sendo réu primário, preso provisório (a prisão ocorreu em novembro de 2013 mas a condenação se deu em abril de 2014) e tendo residência fixa e bons antecedentes.

De acordo com representação feita pela advogada de Jorge à Anistia Internacional, foram forjados depoimentos de agentes de segurança contra Ellyanderson e Jorge. O magistrado envolveu o judiciário do Estado contra os “bandidos perigosos”, por meio da entidade Amagis – Associação dos Magistrados Mineiros, que declarou em nota, divulgada no dia 13 de janeiro de 2014, que os acusados representavam um atentado contra o Estado de Direito, ao utilizar uma rede criminosa (?). A tal rede criminosa é o perfil de Jorge do PT no Facebook, onde a postagem com a crítica ao juiz foi feita.

Para Jorge a punição foi maior: após três dias do depoimento à Polícia Civil sobre a postagem nas redes sociais, o juiz condenou Jorge a quatro sentenças, TODAS NA MESMA SEMANA. Não satisfeito, o juiz também decretou prisão preventiva de José Irene Ribeiro Ribas, no dia 20 de março de 2014. José Irene, assessor político e amigo de Jorge, foi preso em sua residência à noite, acusado de estupro de vulnerável. Sem laudo pericial, sem direito à defesa ou algo parecido. Dois dias depois da prisão decretada, a suposta vítima refez o depoimento, que isentava o acusado do estupro. Mesmo assim, o juiz não revogou a prisão.

José Ribas, como é conhecido, conseguiu provar sua inocência em outra comarca, por um juiz plantonista. Tudo leva a crer que José Ribas foi condenado pelo juiz por comentar a publicação na página de Jorge do PT (sério?). O inocente ficou preso por três dias, teve sua imagem associada a um crime de estupro de vulnerável e correu risco de morte na prisão.

A prisão de Jorge

O mandado de prisão de Jorge foi expedido no dia 27 de janeiro de 2014. Ele permaneceu foragido por mais de dois anos. Foi preso no dia 26 do mês passado em um assentamento. Policiais militares foram registrar uma ocorrência por agressão doméstica em uma comunidade rural de Buritis, mas acabaram pegando Jorge.

A defesa de Jorge entrou com representaçao na Anistia Internacional e também no Conselho Nacional de Justiça. Mas Jorge segue perdendo. Os pedidos de revogação da prisão preventiva e concessão de regime semiaberto foram negados no dia 4 deste mês. O dirigente terá de cumprir 14 anos, 11 meses e 26 dias de prisão em regime fechado.

O juiz que negou os pedidos, João Henrique Bressan de Souza, afirma na decisão que a vinculação de Jorge a movimentos sociais pode gerar atos violentos contra o poder público e a sociedade. (?)

Enquanto o judiciário criminaliza lideranças importantes de movimentos sociais, fica mais fácil para os fazendeiros desmatar o cerrado e “roubar” água de rios e córregos para irrigar sua monocultura. E quem está contra a sociedade é Jorge.

 

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. O judiciário brasileiro me enoja. Advogados,deem um basta nesta sanha ensandecida de juizes que, como a polícia, são pagos por nós mas prontos para nos enclausurar por ameaçarmos as suas “riquezas”.

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