América Latina e Mundo

Índio Reflexo

Publicadoo

em

 

Há um canto ritual na ampla sala. Tudo se aquieta em música falada, até a cidade que zune parece silenciar o vento, a chuva, os turbilhões de cada esquina. É uma metrópole, mas algo recorda aldeia imensa. É domingo e o programa é de índio. Ir em programa de índios exige silêncio. Silêncio é palavra que grita na história dos povos indígenas no Brasil.

Álvaro Tukano entoa seu canto de paz.

Como num novo ciclo de resistência contemporânea, Ailton Krenak e Álvaro Tukano falam firme e claro, como convém a quem traz palavras entre silêncios, frases que se entende quieto. Esses quase senhores foram jovens indígenas e quando aqui chegaram, na cidade grande, acharam o mundo fantástico. Tudo logo se evidenciou escandaloso em suas disparidades. Fizeram resistência e continuaram. Do encontro com a cidade constituíram o diálogo com os não indígenas para a convivência. Como um trabalho de Sísifo ou a punição de Prometeu, lembra Severiá Idioriê, mediadora, a resistência e a construção desse diálogo com os conquistadores foi e é árduo. Descendentes das primeiras lideranças já sacrificadas, maduros trazem suas mensagens. Álvaro Tukano logo inicia seu canto ritual de paz, e dispara: “a voz das mulheres fala a verdade. A mulher precisa de respeito para conversar de maneira equilibrada com o Estado brasileiro”.

Ailton Krenak expõe a maturidade do pensamento na resistência indígena.

 

Milhares de vidas foram consumidas na conquista dos territórios. Os sobreviventes desses encontros com os colonizadores se fazem presentes em suas especificidades. O que fazer com essa gente que sobrou da conquista territorial, pergunta Ailton, em questão que transcende o Brasil e o continente. Caçar os vencidos? O Estado brasileiro sempre comeu e assoprou para os índios, afirma. A população indígena sempre ficou à margem da economia. Os grandes investidores e empregadores, bancos e empresas, se apropriaram das terras indígenas. As lideranças indígenas saíram em busca de aliados. Aniceto, Marcos Veron,  Nelson Xangrê, Celestino Xavante, Marçal de Souza, Daniel Cabixi, Mário Juruna e Ângelo Kretan são apenas alguns nomes lembrados na memória do martírio. E ainda Zelito Viana, Hermano Pena e Edilson Martins.

Os índios não deram ou venderam suas terras, alguém as roubou.

O que se vê hoje, em dia de profundo silêncio sonoro, é movimento reflexo dos índios em movimento. Povos de imensa diversidade, mas que têm em comum a percepção que o Estado não tem que a eles dizer como viverem. O movimento indígena se mostra próspero neste domingo no Sesc Pinheiros simplesmente por ser sobrevivente.

Severiá Idioriê cumprimenta Ailton Krenak ao final das reflexões.

Criança no caminho da aldeia Caramujo, Xingu.

Como conclui Ailton Krenak, a justiça é como a serpente, morde os pés descalços.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Trending

Sair da versão mobile