A derrubada de madeira e a caça ilegal assolam os povos indígenas kokamas, tikunas e mayorunas da região do Amazonas. Os guardiões e verdadeiros protetores da região marcaram 20 árvores com a mensagem “Terra indígena Porto Praia. Proibida a entrada de pessoas não autorizadas”.
por Nicole Conchon
Comunidades indígenas da região realizaram a autodemarcação para tentar se proteger e proteger o território de invasores cada vez mais frequentes, principalmente madereiros, pescadores e extratores de areia. Uma patrulha da floresta foi formada por 8 indígenas, que fazem rondas e trajetos diários pela mata adentro.
O gesto realizado pelos indígenas não altera o trâmite do pedido por demarcação. A TI (terra indígena) nem aparece no banco de dados da Funai (Fundação Nacional do Índio) para territórios cujos processos de delimitação estão em análise. No Cimi (Conselho Indigenista Missionário), a anotação sobre a reivindicação é “sem providências”.
A auto organização indígena surge necessária quando se tem, diariamente, ataques constantes aos seus direitos que deveriam estar garantidos. A entrada de invasores na terra é cada vez maior sobretudo após a entrada de Bolsonaro na presidência, quando disse que não iria “demarcar nem um centímetro”. É um ataque direto aos povos originários que lidam com a região tomada por piratas, que atacam a natureza e embarcações pelo rio Solimões na região da Amazônia.
A pirataria na região deixa tudo mais tenso quando transforma a região e o rio em rotas para garimpo ilegal e narcotráfico internacional. Armados com porretes de madeira e vestidos de preto, os guardas florestais indígenas se reveza em turnos.
Esses jovens sabem que não conseguem deter totalmente os piratas, que trafegam pelo rio armados. Policiais militares já disseram que há lanchas com quatro motores e que os traficantes conseguem movimentar quantidades de drogas até dez vezes maiores do que as que são apreendidas pela polícia.
A ausência do Estado evidencia essa conquista da região por criminosos que, segundo um guardião, “aterrorizam e abordam qualquer pessoa”.
Os indígenas precisam mudar sua rotina e seus hábitos por causa dos piratas. Evitam sair de madrugada porque são seguidamente roubados. Até peixes os bandidos levam. Dentro da terra indígena, é comum ver flagrantes de venda de cocaína e skank, de acordo com os guardas. É sempre importante que voltem antes do anoitecer para evitar qualquer tipo de problema principalmente em torno do rio.
A autodemarcação foi vista como uma provocação para os empresários da cidade interessados no território para a exploração de areia. As comunidades estão sujeitas a lidar com diversos grupos que atacam e violam cada vez mais seus direitos e suas terras.
De acordo com a lei n. 6.001, de 1973, no Estatuto do Índio, e o artigo 231 da Constituição Federal de 1988, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Mas na prática, pouco disso realmente acontece. São 98 famílias no território – 433 indígenas, segundo um documento da Sesai (Secretaria Especial de Saúde indígena) – que precisam cada vez mais se proteger da pirataria e de seus recorrentes ataques, com ações de reintegração de posse e também provar sua relação com a terra e a própria identidade indígena, já que o Estado pouco faz, mesmo sendo garantido na Constituição.