Na última terça-feira (30), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) aprovou ato normativo que torna ainda mais burocrático o reconhecimento de comunidades quilombolas. De acordo com o documento, apenas as populações que já possuem o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) serão asseguradas dos direitos sobre seu território. No entanto, de acordo com a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), menos de 10% têm o certificado.
Até então, as comunidades se autodeclaravam para a Fundação Cultural Palmares, que avisava ao INCRA para que fossem realizados estudos antropológicos e econômicos e, então, conceder o território aos quilombolas. Através desse reconhecimento, é possível a solicitação de políticas públicas para os povos da região, como educação escolar e saúde diferenciadas. A partir de agora, de acordo com o ato normativo aprovado pelo próprio INCRA, os estudos e pesquisas para o reconhecimento dos quilombos só serão feitos caso haja recurso.
O problema da nova metodologia de avaliação, de acordo com Maryellen Crisóstomo, coordenadora de comunicação da Conaq, é que houve uma série de cortes no orçamento para políticas públicas de demarcação territorial. “Ou seja, o que tem previsto no plano orçamentário do governo inviabiliza, não tem como promover desintrusão dentro dos territórios e a maioria das intrusões se dão por meio de grilagem”, afirmou Maryellen. Assim, impede as comunidades quilombolas certificadas, as que estão em processo e as que sequer foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares de acessar seus territórios e de solicitar políticas públicas especializadas para seu povo.
Além disso, o ato normativo violou um direito constitucional dos quilombolas, uma vez que não discutiu a questão com a população. A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) define que é dever do Estado consultar previamente qualquer ação administrativa ou institucional legislativa que possa interferir nos modos de vida das comunidades ancestrais. No entanto, não é a primeira vez que mudanças significativas são realizadas sem sequer informar os quilombolas. “A portaria 57 da Fundação Cultural Palmares redefine o conceito de comunidade quilombola. [O documento] atribui não-estado de autonomia, define quem é e quem não é quilombola, e isso não cabe ao Estado”, afirmou Maryellen, coordenadora de comunicação da Conaq. Considerando que o presidente do INCRA é pecuarista, provavelmente não será o último enquanto Jair Bolsonaro se mantiver no cargo de presidente da República.