Rio de Janeiro: Laura Capriglione e Marlene Bergamo (jornalista convidada)
São Paulo: Emanuela Godoy
Não adianta esconder o sol com a peneira, não adianta por vendas nos olhos. Bolsonaro deu uma grande demonstração de força nessa quarta-feira, 7 de Setembro de 2022, festa do Bicentenário da Independência, que ele transformou em comício de campanha. Os atos marcados para Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo foram multitudinários –não saíram as contagens de público até o momento em que este texto era escrito. Bolsonaro vociferou, ameaçou o STF, dizendo que a mais alta corte da Justiça brasileira “precisa evoluir, como todo mundo”. Ameaçou o PT, dizendo que o “nove dedos” e seus seguidores deveriam ser “extirpados” da vida política (como se faz com um tumor maligno). Ele até puxou um coro sinistro, como aquele que caberia como uma luva no discurso de um estuprador: “Eu sou imbrochável!”, ao que o coro animadamente respondeu: “Imbrochável! Imbrochável! Imbrochável!” Foi um show de horrores.
Duas mulheres se entreolham, divertidas: “Eu nunca vi um desses (“imbrochável”). A outra retruca: “Eu também não, nunca!”
Mesmo que você não goste, foi um show, uma demonstração, como na tradução literal. Está bem, o dia estava lindo, era feriado, deu praia. Teve apresentação da esquadrilha da fumaça dando rasantes e tingindo o céu de verde e amarelo, com o Pão de Acúcar ao fundo. Copacabana era o cenário ideal para se estar. Mas, quem levou as milhares de pessoas para a rua foi Bolsonaro. Gol dele.
Desde a manhã do dia 7, homens, mulheres, crianças, idosos, deficientes físicos, famílias inteiras, dirigiam-se à praia de Copacabana, bem perto do forte localizado em um extremo da faixa de areia. Iam de uniforme: com a camiseta da seleção brasileira ou com as que combinam a imagem do presidente Bolsonaro com perfis de armas e fuzis. Os bairros endinheirados com suas loiras escovadas e maridos também “imbrocháveis”, a exemplo de Ipanema e Leblon, desceram dos prédios para a “jornada cívico-militar”. Mas havia também muitos negros e negras, pessoas pobres, moradores de subúrbios paupérrimos, como Irajá, Bangu ou Acari, que logo após o ato lotaram a estação do metrô General Osório. Xingavam e levantavam o dedo do meio para ofender um petista que, sozinho na cobertura de um prédio vizinho, agitava uma camiseta vermelha, como uma bandeira.
“Imbrochável”, contra o aborto e mal educado
Teve faixa contra o STF, contra o “Xandão do PCC”, contra o “Nine”, contra o “Ladrão”, contra o TSE. Teve os gritos de “Mito, mito, mito!” A massa foi ao delírio quando um Bolsonaro muito à vontade discursou, de cima de um carro de som: “Não sou muito bem-educado, falo palavrões, mas não sou ladrão.” Ganhou “mil anos de perdão pela sua sinceridade”, disse a aposentada Isabel da Silva Santos, 78 anos, que veio de Irajá para participar da festa de seu ídolo. Negra, jornalistas livres perguntaram a ela o que Bolsonaro representava para sua vida. Isabel esticou o braço direito, mostrando um terço enrolado no pulso: “Eu sou Pró-Vida, sou contra o aborto”.
A administradora de empresas Regina Cristina portava uma faixa contra a obrigatoriedade da vacina, discorrendo longamente sobre os efeitos letais de uma tal “proteína spike”, presente na vacina contra Covid-19, que causaria trombose. Ela jura que não tomou nenhuma dose da vacina anti-Covid. “O nome disso é liberdade”, garantiu.
Tocou o hino de campanha de Bolsonaro. A galera, animada pelo locutor de rodeio Carlos Rudiney cantou em uníssono “É o capitão do povo, que vai vencer de novo/Ele é de Deus, e pode confiar, defende a família e não vai te enganar”. E então veio o toque surreal: Rudiney pediu: “Acendam o celular e balancem o celular pra Deus!” E Deus viu centenas de luzinhas pontuarem a praia de Copacabana!
Estava cheio, bem cheio. No aperto, uma mulher desmaiou e começou a ter convulsões. Babava. Demorou 20 minutos para os bombeiros conseguirem resgatá-la do meio da multidão, ainda inconsciente. Caída no chão, ela foi primeiramente “assistida” por uma médica cuja primeira atitude foi subtrair uma corrente de ouro que estava no pescoço da desmaiada.
Ao fim dos trabalhos, das ovações, do discurso de Bolsonaro, os bolsonaristas se despediam, dizendo uns para os outros que agora estava claro que as pesquisas eram fraudulentas, que o presidente está na frente de Lula, que os institutos de pesquisa são “comprados” pelo PT.
Tudo isso pode, ao fim e ao cabo da campanha eleitoral, mostrar-se como aquela espuma de autoconfiança produzida por grandes massas em movimento. Enche o copo, mas quando a espuma baixa, você vê que foi lesado pelo garçom. Afinal, quem vai para as ruas manifestar-se é um tipo bem distinto daquele que se apresentará no dia 2 de outubro para votar em suas seções eleitorais. No Chile, por exemplo, houve grandes manifestações de rua de apoio à nova Constituição. Mas, feita a contagem de votos no referendo do último domingo (4), que visava a aprovar ou recusar o novo texto da Lei, o “rechaço” ganhou por ampla margem: 62% contra 32%. Os chilenos rejeitaram, por ampla margem, a proposta de nova Constituição.
Pode ocorrer o mesmo no Brasil. A diferença é que a esquerda chilena jamais contestou o resultado das urnas. Já Bolsonaro, está claro, se perder, tentará virar o tabuleiro de xadrez e bagunçar a partida. E com o apoio dessa massa que acredita firmemente ser majoritária no País.
As ameaças à democracia nunca foram tão graves. Em que pese o fato de Lula não ter ido bem no debate da BandTV, e de Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) terem se sobressaído, o fato é que hoje não há outro voto possível para os verdadeiros democratas que não seja em Lula. Votar em Tebet ou em Ciro é tão somente ajudar Bolsonaro a cavar um segundo turno, dando-lhe uma sobrevida.
As candidaturas de Simone Tebet e de Ciro Gomes são linhas auxiliares da candidatura Bolsonaro. E isso não é uma ilação política. É matemática. Lula precisa de 50% mais 1 dos votos para fechar a fatura no primeiro turno. E Bolsonaro ainda tem o Auxílio Brasil, a manipulação dos preços dos combustíveis, que ele está forçando a baixar, o cacife dos seus aliados, montados nas verbas do orçamento secreto, a serem distribuídas entre eleitores e cabos eleitorais, a renegociação do Fies, que pode acabar com o tormento de milhares de famílias endividadas. Quem quer dinheiro? Bolsonaro está distribuindo. E adiar a decisão da eleição presidencial para o segundo turno só o ajudará a conquistar mais votos em cima da ilusão gerada pelo dinheiro oferecido – vai acabar em dezembro, depois das eleições, mas isso é outra história.
Explicar, conversar com parentes, amigos e vizinhos sobre a necessidade de eleger Lula no primeiro turno, contra o governo de morte e destruição de Bolsonaro, é a tarefa histórica de todas as gerações. Porque eles estão avançando. E ainda podem ganhar. Ou usurpar na mão grande, usando a massa que se manifestou neste 7 de Setembro como atestado de que eles é que têm o apoio popular. A luta é agora. Quem sabe faz a hora. Não espera acontecer a tragédia.
LEIA MAIS SOBRE O 7 DE SETEMBRO AQUI
LEIA AQUI O RELATO DA REPÓRTER EMANUELA GODOY SOBRE O COMÍCIO BOLSONARISTA NA AVENIDA PAULISTA:
“Quando um boi chega ao palácio ele não vira rei, o palácio é que se torna um curral”. Viva o bicentenário!
Eram por volta de 2 da tarde quando as nuvens começaram a se abrir para os camisas verde e amarela na Avenida Paulista. Ao meu lado, um senhor, que vinha comemorar a independência, me disse que essa era a prova mais sincera de que Jesus é bolsonarista. “Você é jovem, é a nossa salvação, é difícil encontrar uma menina artista fotógrafa alternativa de direita, continue carregando nosso legado”. Então segui.
Pela Paulista, as placas diziam as mesmas coisas de sempre. “Presidente Bolsonaro, criminalize o STF”. Ou, “Bolsonaro, call the armed forces”. É engraçado, sempre nesses atos dos camisas verde e amarela, os cartazes estão repletos de frases em inglês. Acontece que eles verdadeiramente acreditam ter alguma relevância internacional. No carro de som do Foro Conservador, as falas em inglês fazendo alusão à mídia internacional se repetiram.
Em”Memórias Póstumas de Brás Cubas”, Machado diz que cada homem tem necessidade e poder de contemplar o seu próprio nariz. É assim que, aos gritos de liberdade, esses manifestantes respondem à pergunta: “Quem aqui acredita em pesquisa eleitoral?”. “Eu não!” Então em coro, todos cantam: “Bolsonaro no primeiro turno”. “Aqui não tem datafolha, aqui tem datapovo”.
Quando o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, iniciou seu discurso na avenida Paulista, tinha o olhar fixo na ponta do nariz. “Antes, as grandes mídias detinham o monopólio das notícias. Agora, através da tia de whatsapp, todos podem saber a verdade. Por isso eles tentam nos calar. Levanta a mão aqui quem já teve post de Facebook deletado”. E todas as mãos subiram eufóricas. No mundo deles, tudo faz sentido.
Eram por volta de 4 da tarde quando a chuva voltou a cair. Mas também não havia mais ali uma multidão a ser dispersada.
3 respostas
Ótima análise. Parabéns às jornalistas livres.
Como disse a linda Maju Coutinho: “o choro é livre !!!”
É deste jeito, os idolatradores de politicos arranjam qualquer argumento pra justificar a baixaria, a falta de decoro, o comportamento que faz com outros países riam do Brasil. Constrangida!!!!