De repente um passo. E a onça invade o território, encaram-se firmes no olho alheio e o confronto se dá.

Huka Huka, a luta tradicional dos povos do Alto Xingu, arte marcial dos Kamaiurá, jogo ritual que com a vida se confunde, dando aos mortos sua honra na existência e apreço na saudade e frustração diante das regras dos ciclos. Se a morte não se vence, ao menos podemos desafiá-la em sagração.

Paye’ap, professor de huka huka, relata seu empenho nos ensinamentos dos anciões.

Paye’ap Kamaiurá, indígena do Alto Xingu, contava 10 anos quando morou uns anos em Brasília, a capital. Paye’ap significa cabelo de pajé, e da cidade traz desfavoráveis impressões: não foi bom, sentia-me estranho e sozinho na cidade e quando retornei ainda adolescente para a aldeia, não quis mais sair e passei a treinar e ensinar meus parentes,  nossa cultura e tradição nos deixam fortes para o huka huka.

Crianças e adolescentes Kamaiurá treinam no centro da aldeia.

Paye’ap queria influenciar futuros campeões, conta-me diante de um ensaio dos lutadores na aldeia Kamaiurá à beira da grande lagoa Ipavu. Abrigados estamos à sombra na casa dos homens, observando os fortes jovens e seus movimentos firmes do andar ao lutar, em posturas de ataque e defesa. Em sons graves e altos imitam o rugido das onças, simbolizando força e coragem, e se olham e se enfrentam em movimentos circulares.

Paye’ap me apresenta seus alunos Takumã, primos que trazem o mesmo nome do avô Takumã, grande lider e pajé Kaimaiurá, falecido há dois anos. Ser lutador de Kwaryp implica anos de dedicação, treinos constantes e a escarificação com os dentes de peixe-cachorro (arranhadeira) sobre as pernas e braços e, logo após, um banho de ervas.

Takumã Kamaiurá, campeão no Kwaryp de 2016, após treinamento para a luta desse ano, se arranha e se banha com as ervas tradicionais.

Em homenagem aos mortos e sua ressurreição realiza-se a grande festa do Kwaryp que, ao final, consagra os campeões lutadores.

A antropóloga Carmen Junqueira, convivendo por décadas com os Kamaiurá, escreve – num balanço final, vê-se que a cerimônia destinada a reverenciar os mortos ajuda também os que ainda vivem: diminui as tensões locais e desperta o sentimento de unidade na aldeia, que vibra durante a luta. No plano externo, reafirma os vínculos entre os povos, mesmo que em meio a ambiguidades: todos são acolhidos com respeito e generosidade, ao mesmo tempo que travam uma batalha silenciosa em que os guerreiros são pajés e espíritos.

Após imitar o rugido da onça, gritando alternadamente hu! ha! hu! ha, os lutadores se enlaçam visando derrubar o adversário ou tocar-lhe os joelhos.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Muito bacana mesmo,mas uma obs,pq tem um índio de chuteira da Nike????? :V

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