Por:
Márcio Alves de Oliveira
Professor do Instituto Federal de São Paulo
Após o estrangulamento orçamentário das instituições de ensino federais vem aí o FUTURE-SE… Modelo para todas as instituições públicas de ensino que, anunciando no seu programa a “permanente limitação de recursos”, propagandeia o financiamento via mercado. Efetivamente, contudo, criará apenas pequenas ilhas financiadas por critérios duvidosos no meio de um mar de lama de ensino, pesquisa e extensão; padrão predatório do mercado que Vale também para a educação mercantilizada em contraposição à pública.
A mensagem subliminar diz EMPREENDA-SE no seu futuro individualista sem se preocupar com o futuro coletivo e solidário; e em detrimento deste, aceite o neoliberal “não há alternativas” que resume a negação abstrata da situação precarizada de todo trabalhador a reforçar, paradoxalmente, a lógica exploratória do assalariamento; mas que também resume a negação abstrata da situação corrupta de um estado público não servidor do público a reforçar, paradoxalmente, os corruptos privilégios privados de alguns privando, assim, os direitos públicos de todos.
Mas o FU(A)TURE-SE é mais subliminar do que parece. A anunciada gestão compartilhada com OSs não é a mera repetição dos inúmeros escândalos de corrupção das últimas décadas enquanto falsa alternativa mercadológica ao próprio estrangulamento mercadológico dos recursos públicos. As diretrizes inteiramente baseadas no risco corporativo e na permanente limitação de recursos, segundo palavras do próprio plano apresentado, coloca o próprio mercado financeiro no coração das instituições muito além de simplesmente coloca-las nele. O mar de lama financeiro que soterra um setor produtivo em crise estrutural também soterra o próprio mito do setor produtivo que investe em pesquisa. O preço oferecido para não resistir à asfixia imediata e completa de tudo que é público por um governo corrupto é asfixiar-se a médio prazo através de uma gestão totalmente mercantilizada; nesta, fere-se de morte não só a autonomia financeira e pedagógica, prevendo-se até interferir em planos de ensino, mas toda parte organizacional por então rigidamente controlada, sempre segundo o plano anunciado, por critérios financeiros de negócios de alto risco; controle que se estende inclusive a obrigatoriedade do comitê gestor, segundo o item 9 do EMPREENDA-SE, subitem IV: “definir o critério para aceitação das certificações, para fins de participação no processo eleitoral dos reitores”.
Haverá a dilapidação do patrimônio público através de OSs selecionadas sem chamamento público, como diz o próprio plano, e obviamente ligadas a empresas privadas do setor educacional como a máquina de moer educação pública que é a Cróton, com quem Paulo Guedes mantém relações lucrativas. A administração privada será através de fundos públicos capitalizados por bens dessas instituições públicas que serão transferidos diretamente para a União visando tal fim, a qual poderá, num ato de institucionalização da corrupção, doá-los para as OSs, assim como a própria rentabilidade de suas cotas e, inclusive, recursos suplementares diretos da própria União. Nesse modelo claramente descrito no plano apresentado, e que servirá para outros setores como a saúde, os fundos públicos sujeitos ao mercado financeiro de alto risco primeiro engolirão os recursos públicos, conforme o corrupto projeto político maior, produzindo lucrativamente, assim, a redução quantitativa e qualitativa do tamanho das instituições públicas, seja no ensino, na pesquisa ou na extensão; produzirão também, consequentemente, um estrangulamento salarial sem precedentes entre servidores públicos, último setor da classe trabalhadora ainda não completamente precarizado, ao mesmo tempo que os demitirão em massa e/ou os substituirão por trabalhadores altamente precarizados.
Depurado o mito empreendedor da pesquisa via setor produtivo, as tais ilhas de financiamento tendem de fato a se transformar num instrumento exponencial de corrupção interna do próprio sentido público das instituições subfinanciadas. Operação, aliás, estratégica para o projeto político maior de destruição do sentido efetivamente público, pois se efetiva num espaço universalizador do sentido vivenciado contraditoriamente pela sociabilidade moderna. Apesar de todas as limitações estruturais que faz passar ideologicamente mudanças conjunturais por estruturais, a educação em geral ainda permite atuar nas brechas ambíguas da retórica liberal clássica, apesar de si, que ordena ideologicamente as relações sociais no capitalismo e que atualmente afunda na lama do neoliberalismo e sua crise civilizacional; permite estabelecer diálogos políticos estrito senso, os quais estando em permanente disputa visam, mesmo que limitadamente, uma construção do bem comum. Processo de esvaziamento simultaneamente objetivo e subjetivo que complementa a atual reforma do ensino médio que ameaça destruir seu sentido público e mesmo educacional, assim como em geral os demais processos em vertiginosa e violenta implantação em todas as esferas da vida social brasileira, e mesmo mundial, como o desmonte estrutural da legislação trabalhista e previdenciária ora em curso.