Esportes paralímpicos: o exemplo que vem da China

Foto: Rafael Henrique Zerbetto

Por: Rafael Henrique Zerbetto

No dia 4 de março, os Jogos Paralímpicos de Inverno de Pequim 2022 foram declarados abertos pelo presidente Xi Jinping durante um espetáculo no Estádio Nacional de Pequim, mais conhecido como Ninho do Pássaro, na capital chinesa.

Nesse momento, Pequim se tornou a primeira cidade no mundo a sediar tanto os jogos paralímpicos de verão (em 2008) quanto os de inverno.

Gente de todos os cantos do planeta

Sempre quis assistir a uma cerimônia dessas, e achei que jamais teria a oportunidade devido ao alto preço dos ingressos e à rapidez com que se esgotam nas bilheterias.

Mas a pandemia da covid-19 fez com que os ingressos para os jogos deste ano não fossem colocados à venda e sim distribuídos entre moradores completamente imunizados que cumprem os protocolos de prevenção, visando reduzir ao máximo os riscos de um surto durante os jogos.

E foi assim que pessoas de todos os cantos do planeta, a maioria delas oriundas de países pobres, foram convidadas pela Associação Chinesa de Amizade com Países Estrangeiros para assistir gratuitamente à cerimônia de abertura.

No estádio reencontrei alguns amigos africanos, todos estudantes universitários em Pequim, e uma jovem de Cabo Verde veio conversar comigo ao descobrir que eu era do Brasil: estava com saudades de conversar em português.

Jovens de países que jamais sediaram um evento desse porte estavam ali, encantados com a oportunidade que para eles parecia mais um sonho que uma realidade.

Eventos esportivos integrados a programas mais amplos

Em 2008, Pequim usou as Olimpíadas e Paralimpíadas de Verão não apenas para promover o país no exterior, mas também como parte de uma estratégia nacional de incentivo ao esporte que transformou a China em uma potência esportiva. Nessa estratégia foram incluídos também os esportes paralímpicos.

Agora é a vez dos esportes de inverno, cuja quantidade de praticantes no país aumentou em mais de 300 milhões de pessoas desde a escolha de Pequim para sediar os jogos deste ano.

Além de incentivar uma vida saudável, o esporte gera empregos e traz um impacto bilionário na economia do país. Apenas os esportes de inverno deverão movimentar um bilhão de yuans (cerca de 800 milhões de reais) em 2025.

Um bom exemplo desse progresso são as estações de esqui nos arredores da cidade, que têm se expandido e multiplicado para dar conta do aumento da demanda. Normalmente instaladas em áreas rurais, elas geram empregos sazonais para uma população que tende a ficar ociosa no inverno.

A China também provou que grandes eventos esportivos não precisam ser um fardo para o país: com boa gestão e políticas bem coordenadas, Pequim vem utilizando com sucesso a infraestrutura construída para os jogos olímpicos de verão de 2008 em benefício da população, sendo que em 2014 o Estádio Nacional de Pequim chegou a sediar um amistoso de futebol entre Brasil e Argentina.

Foco em temas atuais

Para os jogos de inverno de 2022, a China aproveitou grande parte da infraestrutura já existente e focou em outras áreas, como a geração de energia limpa e técnicas ecológicas para produzir gelo e neve.

Como resultado, pela primeira vez na história, os jogos não contribuíram para a emissão de gases do efeito estufa, e o parque de Shougang, construído em uma antiga área industrial, torna-se mais uma área de lazer disponível para a população.

A menor chama paralímpica da história também resulta dessa preocupação ambiental e responde à crescente pressão por um modelo mais sustentável para os grandes eventos esportivos, evitando o desperdício e focando no essencial.

A chama tem origem na antiga tradição grega de interromper as guerras durante os jogos olímpicos para facilitar o deslocamento dos atletas, sendo, portanto, um símbolo de paz.

Com a chama no centro de um grande floco de neve constituído por diversos flocos menores, previamente usados na parada dos atletas para apresentar as delegações, a pira não apenas atenta para a importância da reutilização de materiais, como também nos remete ao tema dos jogos, “Juntos por um Futuro Compartilhado”.

A chama da paz só pode ser encaixada após a montagem do floco de neve, para o qual cada país contribuiu com um pedacinho. A paz resulta da união, da cooperação e da harmonia. É com esse ideal que a China propôs ao mundo a construção de uma Comunidade de Futuro Compartilhado para a Humanidade.

Ninguém deve ser deixado para trás

A China também soube aproveitar as paralimpíadas tanto para conscientizar o povo sobre a realidade das pessoas com deficiência quanto para estabelecer e desenvolver políticas voltadas para elas.

Por exemplo, no dia 3 de março, véspera da inauguração dos jogos, foi lançado o livro branco Esportes Paralímpicos: Progresso e Proteção dos Direitos, que reconhece o valor do esporte para a saúde física e psicológica, a participação social e o desenvolvimento integral das pessoas com deficiência.

O documento detalha o progresso dos esportes paralímpicos no país e os aponta como uma forma de impulsionar os intercâmbios e a amizade entre pessoas com deficiência de diferentes países.

Fora dos locais de competição, vem sendo feito um grande trabalho para potencializar o legado dos jogos.

Por exemplo, uma tocha apagada foi levada à Escola para Cegos de Pequim para que os estudantes pudessem tocá-la, e o revezamento da tocha paralímpica incluiu locais como a Biblioteca Nacional em Braille e o Centro de Orientação Cultural e Esportiva para Pessoas com Deficiência.

Esse incentivo ao esporte paralímpico na China nos remete ao emblema dos jogos, inspirado no ideograma fei (voar), expressando a ideia de “voar alto”. Para voar alto, o país precisa investir no potencial de seu povo, incluindo as pessoas com deficiência.

Uma noite memorável

Intitulada “O despertar da vida”, a cerimônia de abertura dos jogos contou com apresentações de atletas e artistas com deficiência, incluindo um coral de surdos que cantou em língua de sinais o hino nacional da China, e uma orquestra de pessoas com deficiência que tocou o hino paralímpico.

“O fato de que esta foi a cerimônia de abertura mais espetacular e impressionante de todos os jogos paralímpicos de inverno será escrito várias vezes,” disse Yiannis Exarchos, executivo-chefe do Serviço de Transmissão Olímpica.

O momento mais esperado foi surpreendente: pela primeira vez na história dos jogos, a pira paralímpica foi acesa por um atleta cego, Li Duan, ganhador de quatro medalhas de ouro em Paralimpíadas.

Segundo Shen Chen, diretor da cerimônia, o design da pira a tornou segura para ser acendida por um cego e a cena foi ensaiada diversas vezes para garantir a segurança do paratleta.

Li Duan perdeu a visão em um acidente aos 18 anos, quando era jogador da seleção nacional juvenil de basquete, conseguiu dar a volta por cima e fez uma grande carreira como atleta paralímpico, coroada naquele momento.

“Senti uma imensa emoção e orgulho. Como última pessoa a carregar a tocha, senti que não estava apenas representando a mim mesmo, mas a todos os atletas paralímpicos. Ao acender a pira, tive o orgulho e a honra de conscientizar mais pessoas sobre a perseverança das pessoas com deficiência”, afirmou Li.

O paratleta teve dificuldade para encaixar a tocha no floco de neve diante de um estádio em absoluto silêncio. De repente o público começou a aplaudir e gritar “jia you!” – expressão chinesa de incentivo – e depois veio uma chuva de aplausos quando Li encaixou a tocha e a chama brilhou mais intensamente.

“Eu não podia ver a chama, mas podia sentir seu calor. Quando encaixei a tocha no floco de neve, o calor do fogo me fez lembrar o carinho que recebi dos voluntários e do povo”, declarou Li.

Para mim esse momento foi ainda mais tocante, pois nasci com catarata congênita e fui submetido a uma cirurgia ainda bebê, mas mesmo assim perdi quase toda a visão do olho direito.

Foto: Rafael Henrique Zerbetto

Inclusão, uma tarefa de toda a sociedade

Nas estações de esqui de Pequim, já esquiei ao lado de paratletas amadores, eles simplesmente chegam e vão esquiar, não é como no Brasil, onde os paratletas muitas vezes são segregados.

Do cuidadoso treinamento dos voluntários à magnífica cerimônia de abertura, a China mostrou que dá aos dois eventos o mesmo peso. As paralimpíadas recebem vasta cobertura da imprensa chinesa e o povo acompanha os jogos, torcendo para seus paratletas.

“Acho que esses Jogos vão realmente elevar o nível em termos de como organizar as paralimpíadas. Estamos muito satisfeitos com o que temos aqui,” declarou Craig Spence, diretor de marca e comunicação do Comitê Paralímpico Internacional.

As paralimpíadas de inverno em Pequim revelam um país que conseguiu fazer as pessoas com deficiência acreditarem em si mesmas e buscar a superação, com o povo ao seu lado gritando “jia you!”

Indo do discurso à prática da inclusão social, a China desponta como uma potência paralímpica.

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Autor: Rafael Henrique Zerbetto, bacharel em estudos literários pela Unicamp, pós-graduado em Interlinguística e Esperantologia pela Universidade “Adam Mickiewicz” da Polônia. Jornalista do site de notícias El Popola Ĉinio e redator da versão em esperanto do Correio da Unesco. Membro do coletivo Camélias do Leblon.

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