Em defesa dos ‘bons costumes’, militares matam e ensinam crianças e adolescentes a matar

Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social convoca o Ministério Público de Pernambuco a prestar esclarecimento sobre a UNIBE

Nesta quinta-feira, dia 29 de setembro, o País foi surpreendido por vídeo divulgado nos Jornalistas Livres, veículo de jornalismo independente. Nas imagens, ouvimos um sargento, até então não identificado, bradando para estudantes do curso pré-militar sobre assassinatos e torturas. “Matarei pela cidade, seja aleijado ou criança, menininho ou mulher. Sangue frio em minha veia congelou meu coração. Eu não tenho sentimento, nem tampouco compaixão. Interrogatório é muito fácil de fazer: a gente pega o marginal e bate nele até morrer. Quero banhar-me numa piscina de sangue, sangue dos mortos. Esse sangue eu já bebi…”, repetiam meninas e meninos, enquanto pisavam forte com seus coturnos no chão.

Por Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social*

O registro foi feito na Rua Imperatriz Teresa Cristina, no Bairro da Boa Vista, área central do Recife. As alunas e alunos são matriculados no curso pré-militar da UNIBE Pernambuco, que atende 850 pessoas com idades entre 12 e 21 anos. Quando questionado sobre o conteúdo das gravações, pelo mesmo veículo que denunciou a ação, o porta-voz da instituição, Marcos Aurélio Fernandes Campos, gerente comercial da escola, se referiu ao episódio como uma “infelicidade” e “um erro inocente”.

Não é apenas uma infelicidade. A atividade viola o Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA, em seu art. 244-B tipifica o crime de corrupção de menores: “Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la”, com pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. O Estatuto prevê, ainda, a proteção integral, impondo deveres à sociedade, inclusive na implantação das políticas públicas, de modo a proporcionar a construção de panorama jurídico especial às crianças e adolescentes. Ao estado cabe tutelar crianças e adolescentes, sujeitos de direito em especial condição de desenvolvimento.

Também não é um erro inocente. De acordo com o Código Penal Brasileiro, no Art. 287, fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime causa detenção, de três a seis meses, ou multa. Ainda de acordo com o documento, no Art. 286 lemos que: Incitar, publicamente, a prática de crime tem por consequência detenção, de três a seis meses, ou multa. “Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021)”.

Pernambuco teve o maior aumento, entre sete estados, de pessoas assassinadas em ação militar. De acordo com a Rede de Observatórios da Segurança, foram 74 mortos em 2019. Em 2020 foram 113, número 52,7% maior. Destes, 97% são corpos negros. Recentemente, um jovem foi espancado por policiais militares no Cais de Santa Rita, também no Centro do Recife. Pelo menos seis PMs atingiram a vítima com murros, chutes, golpes de cassetete e jato de spray de pimenta. Há exatos 5 meses, uma menina de apenas seis anos teve a sua vida interrompida pelo do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) na comunidade Salinas, em Porto de Galinhas, área turística do nosso estado. Heloysa Gabrielle foi atingida com um tiro de fuzil no peito enquanto brincava no terraço da casa da avó. Os policiais afirmam que faziam uma ação contra o tráfico na região.

O vídeo do curso pré-militar mostra o perpetuamento da hostilidade e a naturalização da tortura que vivemos em nosso estado. A ascensão de forças políticas e sociais que defendem abertamente a violência coloca em risco a existência da Democracia Brasileira. A Unibe Pernambuco e o sargento de quem partem os gritos, no vídeo, espalham discurso fascista e aguçam a violência contra mulheres, crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e povos tradicionais, propagada pelo atual governo federal, que flexibiliza a aquisição de armas de fogo e a formação de milícias.

O Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social – CENDHEC repudia a inciativa da UNIBE Pernambuco e do homem que é referido como professor, pela mesma, e ainda não teve seu nome revelado. Enfatizamos que o sargento não faz valer o título de professor implicado pelo curso, uma vez que suas ações são explicitamente anti-pedagógicas e fogem ao papel social e legal dessa valorosa função.

O CENDHEC, fazendo valer o seu papel, enquanto Centro de Defesa de crianças, adolescentes, na promoção e garantia de direitos, enviou representação ao Ministério Público de Pernambuco, através do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude (CAOP), a fim de que promotoria tome as providências cabíveis para apuração e punição dos crimes cometidos. Além disso, outras ações estão sendo tomadas para apuração e responsabilização do caso, na esfera estadual e nacional, junto à Associação Nacional de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes – ANCED, Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH, entre outras.

Em um Estado democrático, a violência não deve ser aceita. Crianças e adolescentes devem ter a sua integridade física e psíquica resguardadas. A vida não pode ser usada como palavra vazia, mas sim ser vista como direito humano, que deve ser respeitado.

Toda e qualquer violação aos direitos humanos e de crianças e adolescentes deve ser devidamente apurada e os responsáveis por ela rigorosamente punidos, para que não restem dúvidas quanto aos direitos conquistados, previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, na Constituição Brasileira e no Estatuto da Criança e do Adolescente lei 8069/90.

Confira o vídeo na integra:

*O CENDHEC, é uma associação civil, para fins não econômicos, cuja missão é “defender e promover os direitos humanos em especial de crianças, adolescentes, moradoras e moradores de assentamentos populares e grupos socialmente excluídos, contribuindo para a transformação social, rumo a uma sociedade democrática, equitativa e sem violência”.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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