História
DISCURSO DE LULA NA ÍNTEGRA
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7 anos atrásem

Queridas companheiras e queridos companheiros,
Querido companheiro Wagner, presidente da CUT,
Querido companheiro Aloísio Mercadante, ex-Senador, ex-Deputado Federal, ex-Ministro da Ciência e Tecnologia, ex-Ministro da Educação, ex-Ministro da Casa Civil da presidenta Dilma, porra se eu tivesse tantos títulos assim eu seria Presidente da República
Companheiro Guilherme Boulos, nosso companheiro que está iniciando uma jornada sendo candidato a Presidente da República pelo Psol, mas é um companheiro da mais alta qualidade que vocês têm que levar em conta a seriedade desse menino. Eu digo menino porque ele só tem 35 anos de idade e quando eu fiz a greve de 78, eu tinha 33 anos de idade e consegui, através da greve, chegar a criar um partido e virar Presidente. Você tem futuro meu irmão, é só não desistir nunca.
Quero cumprimentar essa garota [Manuela Davila], essa garota bonita, garota militante do PCdoB, que também está fazendo a sua primeira experiência como candidata a Presidenta da República pelo PCdoB, porque eu acho um motivo de orgulho e uma perspectiva de esperança para esse país ter gente nova se dispondo a enfrentar a negação da política, assumindo a política e dizendo nós queremos ser Presidente da República para mudar a história do país.
Quero agradecer a companhia dessa mulher[Dilma Rousseff]. Possivelmente a mais injustiçada das mulheres que um dia ousaram fazer política nesse país. A injustiçada pelo jeito de governar, acusada de não saber conversar, acusada de não saber fazer política, mas eu quero ser testemunha de vocês: a Dilma foi a pessoa que me deu a tranquilidade de fazer quase tudo que eu consegui fazer na Presidência da República pela confiança, pela seriedade, e pela qualidade e competência técnica da Dilma. Eu sou….eu sou grato, grato de coração porque não teria sido o que foi se não fosse a companheira Dilma. Portanto Dilma você sabe que eu serei profundamente, para o resto da vida, repartirei o meu sucesso na Presidência com Vossa Excelência, independentemente do que aconteça nesse mundo.
Quero cumprimentar o meu querido companheiro Fernando Haddad que viveu o melhor período de investimento na educação brasileira.
Quero cumprimentar o meu companheiro Celso Amorim. Companheiro que certamente foi o mais importante Ministro das Relações Exteriores que esse país já teve, que colocou o Brasil como protagonista mundial durante todo nosso governo.
Quero parabenizar o nosso companheiro Ivan Valente, deputado pelo Psol, companheiro que está aqui.
Quero cumprimentar o nosso valoroso, o nosso extraordinário João Pedro Stédile, presidente e coordenador do Movimento Sem Terra.
Quero cumprimentar, eu não sei o nome, mas o companheiro presidente do Psol, o Juliano, jovem presidente do Psol.
Quero cumprimentar o nosso querido escritor Fernando de Moraes que está escrevendo a biografia do meu governo que nunca termina, porra. Eu estou quase para morrer e ele não termina minha biografia.
Quero cumprimentar o nosso querido companheiro Paulo Pimenta, líder do PT. O homem que tem o blog dos deputados mais importante em Brasília e o cidadão que melhor tem enfrentado o Moro e a operação Lava Jato, naquilo que são os defeitos dela. Parabéns, companheiro Pimenta.
Quero cumprimentar o índio mais esperto do Brasil o Presidente do Piauí, o Governador do Piauí, o companheiro Wellington, que está cumprindo o terceiro mandato e pelo andar das pesquisas ele está a caminho de cumprir o quarto mandato como governador do Estado do Piauí.
Quero, aqui, cumprimentar o companheiro Emídio, tesoureiro do PT e ex-prefeito de Osasco, que tem trabalhado incansavelmente para a gente recuperar o papel do PT na história desse país.
Quero cumprimentar o companheiro Orlando Silva, presidente, ou melhor, deputado do PCdoB.
Quero cumprimentar o nosso companheiro Índio, que é da Intersindical, é um companheiro de muita qualidade.
Quero cumprimentar o Presidente da CTB que está aqui, que é companheiro Adílson, que é um companheiro também muito importante no movimento sindical.
Quero cumprimentar a nossa companheira Gleisi Hoffmann, a nossa querida Presidenta do nosso partido.
Quero cumprimentar, quero cumprimentar o companheiro Luiz Marinho, presidente do PT, Ministro do Trabalho, Ministro da Previdência. Quero contar duas coisas do Marinho: o Marinho foi catador de algodão, catador de café e catador de amendoim em Santa Fé. O Marinho foi pintor na Volkswagen. O Marinho foi presidente desse sindicato. O Marinho foi presidente da CUT. O Marinho foi certamente o mais importante Ministro do Trabalho no meu governo. E o Marinho foi o melhor Ministro da Previdência, que foi o ministro que acabou com as filas da Previdência. E o Marinho foi o melhor prefeito que São Bernardo teve e agora é nosso Presidente estadual.
Quero cumprimentar o nosso Senador, o nosso querido Lindbergh, grande Lindbergh, que eu conheci ainda na campanha para derrubar o Collor, tentei tirá-lo do PCdoB para levar para o PT, mas a minha relação de amizade com o João Amazona era tão forte que eu não tive coragem de conversar com ele.
Quero cumprimentar aqui, gente, eu não tenho o nome de todo mundo. Quero cumprimentar e chamar aqui o Wagner, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e o companheiro Moisés. É que está ali atrás e eu não estou vendo o nosso companheiro Senador da República, não, Vereador, mas futuro Senador, Eduardo Suplicy. Eu não posso falar que ele teve uma tontura porque isso não é recomendável para quem está sendo candidato, viu. Eu vou dizer que você estava sentado ali conversando com eleitores, está bem?
Eu pedi para vir aqui o companheiro do Sergipe, vice-presidente do PT. Companheiro que tem a incumbência de coordenar as Caravanas da Cidadania por todo território nacional e vocês têm acompanhado pela internet o companheiro Márcio.
Eu pedi para vir aqui dois sindicalistas porque eu acho… eu nasci nesse Sindicato. Quando eu cheguei aqui esse sindicato era um barraco. Esse prédio foi construído já na nossa diretoria. Aqui, para vocês saberem, eu fui diretor de uma escola de Madureza, que tinha 1.800 alunos. Vocês pensam que eu sou só torneiro mecânico? Podem dizer: diretor de escola com 1.800 alunos. Pois bem, e a minha relação com esse sindicato… aqui está o Paulão que é vice-presidente do sindicato e é presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos e é da Secretaria do Movimento Sindical do PT. Bem, eu não tenho nominata, eu estou chutando tudo de improviso que eu estou vendo. Mas eu queria, Wagner, aproveitar sua presença aqui para que esse pessoal soubesse que, na minha consciência, parte das conquistas da democracia brasileira a gente deve a esse Sindicato dos Metalúrgicos a partir de 1978. Aqui foi minha escola. Aqui eu aprendi sociologia, aprendi economia, aprendi física, química e aprendi a fazer muita política porque, no tempo que eu era presidente desse sindicato, as fábricas tinham 140.000 professores que me ensinavam como fazer as coisas. Toda vez que eu tinha dúvida eu is na porta da fábrica perguntar para a peãozada como fazer as coisas nesse país. Na dúvida não erre, na dúvida pergunte e, se você perguntar, a chance de você acertar é muito maior. E o Wagner é o companheiro que está cedendo esse prédio para a gente fazer toda a nossa campanha. Quero agradecer ao Moisés. O Moisés é companheiro do Wagner, é diretor financeiro do sindicato e é um companheiro que nunca se negou a contribuir com o movimento social, a contribuir com outras tarefas da democracia. Não para partido político, mas para o movimento social esse sindicato nunca negou absolutamente nada. Então eu quero uma salva de palmas para esses companheiros que são um sustentáculo da nossa luta. Esse sindicato, diferente de outros sindicatos, esse sindicato tem quase 283 diretores. Para ser diretor desse sindicato, as pessoas têm que ser eleitas pelo chão da fábrica para um comitê. Se não estiver no chão da fábrica não é eleito. E, depois de eleito membro do comitê, se escolhe os que vão ser diretores do sindicato e tem a diretoria executiva, mas tem 283 pessoas que são diretores e que são conselheiros. Se a gente fizesse isso em todo sindicato do Brasil certamente a gente teria muito menos pelegos no movimento sindical brasileiro.
Pois bem, eu fiz questão de citar ele porque às vezes o cara compra o alimento, lava o alimento, cozinha o alimento, leva para a gente comer e a gente sai sem saber quem nos deu o alimento. Então foram esses guerreiros aqui que deram essa possibilidade extraordinária da gente estar aqui fazendo isso.
A segunda coisa é que…. Eu confesso que vivi meus melhores momentos políticos nesse sindicato. Eu nunca esqueci a minha matrícula do sindicato. A minha matrícula é 25.986 de outubro, de setembro de 1968. E, de lá para cá, eu mantenho uma relação com esse sindicato que eu acho que é uma relação mais forte porque qualquer presidente que tenha aqui, Vicentinho já foi presidente, Meneghelli já foi presidente, Guiba já foi presidente, Zé Nobre já foi presidente, Feijóo já foi presidente, quem mais? O Guiba já falei, agora o Wagnão e, por todos eles, eu sou tratado como se fosse ainda Presidente desse sindicato, pela relação que nós ficamos. Mas aqui… o Rafael, foi o penúltimo presidente aqui.
Eu queria dizer para vocês que eu estou contando isso para tentar chegar ao que eu quero dizer para vocês.
Em 1979, esse sindicato fez uma das greves mais extraordinárias. Nós conseguimos fazer um acordo com a indústria automobilística que foi, talvez, o melhor. E eu tinha uma comissão de fábrica com 300 trabalhadores. E o acordo era bom. Eu resolvi levar o acordo para a assembleia. E resolvi pedir para a comissão de fábrica ir mais cedo para conversar com a peãozada. E eu fazia a assembleia de manhã para evitar que o pessoal bebesse um pouquinho à tarde. Porque quando a gente bebe um pouquinho, a gente fica mais ousado. Mesmo assim não evitava porque o cara levava litro de conhaque dentro da mala e eu passava ainda tomava uma “dosinha” para a garganta ficar melhor, coisa que não aconteceu hoje.
Pois bem, nós começamos a colocar o acordo em votação e cem mil pessoas, no estádio da Vila Euclides, não aceitavam o acordo. Era o melhor possível. A gente não perdia dia de férias, não perdia décimo terceiro salário e tinha 15% de aumento. Mas a peãozada estava tão radicalizada que queria 83 ou nada. E nós conseguimos. E aí passamos um ano sendo chamados de pelegos pelos trabalhadores.
A gente, Guilherme, ia na porta de fábrica e a peãozada … o Jorge Viana, está aqui meu querido senado do Acre, que eu não vi, ele é baixinho. Nosso querido companheiro, foi governador, foi prefeito, agora é senador do Acre. Obrigado pela presença, companheiro. Olha para falar em nome dos artistas aqui, eu queria falar todos, eu queria que o nosso Osmar Prado viesse aqui. Ele é o decano. Olha, tem muita gente aqui. E tem a mulherada do Pará também que está aqui. Mas eu citei o Osmar Prado porque o Osmar Prado é um artista de uma qualidade irrepreensível. O que Deus não deu de tamanho para ele, deu de inteligência e de capacidade artística. E ele já fez papéis extraordinários. Mas tem um que nunca esqueço que ele era o motorista e era tratado como se fosse chamado de Tabaco. E o Tabaquinho marcou a minha vida e eu fico mais feliz porque ele tem uma posição política extraordinária. E eu acho que esse aqui tem lado, esse tem lado, esse tem lado [apontando para os artistas que o rodeavam] e é com essa gente que a gente vai construir a nova política desse país.
Marco Aurélio, e a minha água Marco Aurélio? Olha eu vou dar para ele dizer uma coisinha sobre o Tabaco.
[Osmar Prado: O Tabaco tinha três mulheres e ainda as que tinha por fora. Aí eu pedi ao escritor que desse o final que desse o final ele sendo traído, porque todo traidor um dia é traído. E aí aparece a mulher do Tabaco, com uma penca de filhos, grávida. Ele diz: mulher como você está grávida? Faz mais de um ano que eu não vou lá.]
Isso é vingança das mulheres. Vingança, porque o homem pensa que só ele é esperto, mas as mulheres também são espertas.
Então, companheiros e companheiras … nós conseguimos, nós conseguimos … os trabalhadores não aprovaram o acordo … tem uma pessoa passando mal ali na frente, ali perto da escada, nessa direção … chegou o médico aí? Olha gente, se tiver um médico aqui, por favor. Tem uma médica, que vai passar e chega aí. Segura ela aí que tem uma médica que está indo para aí. Ela está ali perto daquelas câmeras de televisão ali. Olha lá, aquele pessoal que está levantando a mão. Muito bem … Espero que não tenha sido a minha voz porque se for eu tenho que para de falar.
Mas eu ia dizendo para vocês que nós não conseguimos aprovar a proposta que eu considerava boa e o pessoal, então, passou a desrespeitar a diretoria do sindicato. E eu ia na porta de fábrica e ninguém parava. E a imprensa escrevia: Lula fala para os ouvidos moucos dos trabalhadores. Nós levamos um ano para recuperar o nosso prestígio na categoria. E eu fiquei pensando com ar de vingança: os trabalhadores dizem que podem fazer cem dias de greve, quatrocentos dias de greve, que eles vão até o fim. Pois eu vou testá-los em 1980. E fizemos a maior greve da nossa história, a maior greve. Quarenta e um dias de greve, com dezessete dias de greve eu fui preso e os trabalhadores começaram, depois de alguns dias, a furar a greve e nós então … eu sei que o Tuma, eu sei que o Dr. Almir, eu sei que Teotônio Vilela ia dentro da cadeia e dizia para mim: ô Lula, você tem que acabar com a greve, você precisa dar um conselho para acabar com a greve. E eu dizia: eu não vou acabar com a greve, os trabalhadores vão decidir por conta própria. O dado concreto é que ninguém aguentou quarenta e um dias porque na prática o companheiro tinha que pagar leite, tinha que pagar conta de luz, tinha que pagar gás, a mulher passou a cobrar dele o dinheiro do pão e ele então começou a sofrer pressão não aguentou. Mas é engraçado porque na derrota a gente ganhou muito mais, sem ganhar economicamente, do que quando a gente ganhou economicamente. Significa que não é dinheiro que resolve o problema de uma greve. Não é 5%, não é 10%, é o que está embutido de teoria política, de conhecimento político e de tese política numa greve.
Agora nós estamos quase que na mesma situação, quase que na mesma situação. Eu estou sendo processado e, eu tenho dito claramente, o processo do meu apartamento, eu sou o único ser humano que sou processado por um apartamento que não é meu. E ele sabe que o Globo mentiu quando disse que era meu. A Polícia Federal da Lava Jato quando fez o inquérito mentiu que era meu. O Ministério Público, quando fez a acusação, mentiu dizendo que era meu e eu pensei que o Moro ia resolver e ele mentiu dizendo que era meu. E me condenou a nove anos de cadeia. É por isso que eu sou um cidadão indignado, porque eu já fiz muita coisa com meus 72 anos, mas eu não os perdoo por terem passado para a sociedade a ideia de que eu sou um ladrão. Deram a primazia dos bandidos fazerem um pixuleco pelo Brasil inteiro. Deram a primazia dos bandidos chamarem a gente de petralhas. Deram a primazia de criar quase que um clima de guerra negando a política nesse país. E eu digo todo dia, nenhum deles, nenhum deles tem coragem ou dorme com a consciência tranquila da honestidade e da inocência que eu durmo. Nenhum deles.
Eu não estou acima da Justiça. Se eu não acreditasse na Justiça eu não tinha feito um partido político. Eu tinha proposto uma revolução nesse país. Mas eu acredito na Justiça. Numa Justiça justa. Numa justiça que vota um processo baseado nos autos do processo, baseado nas informações das acusações, das defesas, na prova concreta que tem a arma do crime.
O que eu não posso admitir é um procurador que fez um Power Point e foi para a televisão dizer que o PT é uma organização criminosa que nasceu para roubar o Brasil. E que o Lula, por ser a figura mais importante desse partido, o Lula é o chefe. E portanto, se o Lula é o chefe, diz o procurador: “eu não preciso de provas, eu tenho convicção”. Eu quero que ele guarde a convicção dele para os comparsas deles, para os asseclas deles e não para mim. Não para mim. Certamente um ladrão não estaria exigindo provas. Estaria de rabo preso, de boca fechada, torcendo para a imprensa não falar o nome dele.
Eu tenho mais de 70 horas de Jornal Nacional me triturando. Eu tenho mais de 70 capas de revista me atacando. Eu tenho mais de milhares de páginas de jornais e matérias me atacando. Eu tenho mais a Record me atacando. Eu tenho mais a Bandeirantes me atacando. Eu tenho mais as rádios do interior, rádios de outros estados. E o que eles não se dão conta é que quanto mais eles me atacam, mais cresce a minha relação com o povo brasileiro.
Eu não tenho medo deles. Eu até já falei que gostaria de fazer um debate com o Moro sobre a denúncia que ele fez contra mim. Eu gostaria que ele me mostrasse alguma coisa de prova. Eu já desafiei os juízes do TRF4 que eles fossem para um debate na universidade que eles quisessem, no clube que eles quisessem para provar qual é o crime que eu cometi nesse país. E eu, às vezes, tenho a impressão e tenho a impressão porque eu sou um construtor de sonhos, eu há muito tempo atrás, eu sonhei que era possível governar esse país envolvendo milhões e milhões de pessoas pobres na economia, envolvendo milhões de pessoas nas universidades, criando milhões e milhões de empregos nesse país. Eu sonhei que era possível um metalúrgico, sem diploma da universidade, cuidar mais da educação do que os diplomados e concursados que governaram esse país e cuidar da educação. Eu sonhei que era possível a gente diminuir a mortalidade infantil, levando leite, feijão e arroz para que as crianças pudessem comer todo dia. Eu sonhei que era possível pegar os estudantes da periferia e colocá-los nas melhores universidades desse país para que a gente não tenha, para que a gente não tenha juízes e procuradores só da elite. Daqui a pouco nós vamos ter juízes e procuradores nascidos na favela de Heliópolis, nascido em Itaquera, nascido na periferia. Nós vamos ter muita gente dos Sem Terra, do MTST da CUT formada. Esse crime eu cometi. Eu cometi e é esse crime que eles não querem que eu cometa mais. É por conta desse crime que já tem uns dez processos contra mim. E se for por esse crime de colocar pobre na universidade, negro na universidade, pobre comer carne, pobre comprar carro, pobre viajar de avião, pobre fazer sua pequena agricultura, ser microempreendedor, ter sua casa própria. Se esse é o crime que eu cometi, eu quero dizer: eu vou continuar sendo criminoso nesse país porque vou fazer muito mais. Vou fazer muito mais.
Companheiros e companheiras, eu em 1990, em 1986 eu fui o deputado constituinte mais votado na história do país e nós ficamos descobrindo que dentro do PT, Manuela, companheiros, o Ivan era do PT na época, havia uma desconfiança que só tinha poder no PT quem tinha mandato. Quem não tinha mandato …
Puts, eu não citei o senador Humberto Costa que eu vi aqui, Humberto Costa Senador de Pernambuco e eu esquecei de citar para vocês, ninguém me deu nominata. A Fátima [Bezerra}será a nova governadora do Rio Grande do Norte. Esse aqui [Wadih Damous], junto com o Paulo Pimenta, é o companheiro que mais briga e mais denuncia a Lava Jato. O Rosseto [Miguel] foi Ministro do Trabalho e da Previdência e talvez será o governador do Rio Grande do Sul nessas eleições agora. Está aqui nossa companheira Jandira Feghali que é uma companheira extraordinariamente combativa. O Glauber Rocha, é Braga, é Braga pô. Ô gente, vai pegando e trazendo para mim. Alguém prepara uma nominata para mim que eu vou citando as pessoas.
Então companheiros, quando eu percebi que o povo desconfiava que só tinha valor no PT quem era deputado, Manuela e Guilherme, sabe o que eu fiz? Deixei de ser deputado. Porque eu queria provar ao PT que eu ia continuar a ser a figura mais importante do PT sem ter mandato, porque se alguém quiser ganhar de mim no PT só tem um jeito é trabalhar mais do que eu e gostar do povo mais do que eu, porque se não gostar não vai ganhar.
Pois bem, nós agora estamos num trabalho delicado. Eu talvez viva o momento de maior indignação que um ser humano vive. Não é fácil o que sofre a minha família. Não é fácil o que sofrem os meus filhos. Não é fácil o que sofreu a Marisa e eu quero dizer que a antecipação da morte da Marisa foi a safadeza e a sacanagem que a imprensa e o Ministério Público fizeram contra ela. Tenho certeza. Porque essa gente eu acho que não tem filho, não tem alma e não tem noção do que sente uma mão ou um pai quando vê um filho massacrado, quando vê um filho sendo atacado. E eu, então, companheiros, resolvi levantar a cabeça.
Não pensem que eu sou contra a Lava Jato, não. A Lava Jato, se pegar bandido, tem que pegar bandido mesmo, que roubou, e prender. Todos nós queremos isso. Todos nós, a vida inteira, dizíamos, só prende pobre não prende rico. Todos nós dizíamos. E eu quero que continue prendendo rico. Eu quero. Agora, qual é o problema? É que você não pode fazer julgamento subordinado à imprensa, porque no fundo, no fundo, você destrói as pessoas na sociedade, na imagem das pessoas e depois os juízes vão julgar e falam: “eu não posso ir contra a opinião pública porque a opinião pública está pedindo para cassar”. Quem quiser votar com base na opinião pública, largue a toga e vá ser candidato a deputado. Escolha um partido político e vá ser candidato. Ora, a toga ela é um emprego vitalício. O cidadão tem que votar apenas com base nos autos do processo. Aliás, eu acho que ministro da Suprema Corte não devia dar declaração de como vai votar. Nos Estados Unidos termina a votação e você não sabe em quem o cidadão votou exatamente para que ele não seja vítima de pressão. Imagine um cara sendo acusado de suicídio [assassinato] e não tenha sido ele o assassino. O que que a família do morto quer? Que ele seja morto. Que ele seja condenado. Então o juiz tem que ter, diferentemente de nós, a cabeça mais fria, mais responsabilidade de fazer acusação ou de condenar.
O Ministério Público é uma instituição muito forte por isso esses meninos que entram muito novos, fazem um curso de direito, depois faz três anos de concurso porque o pai pode pagar. Esses meninos precisam conhecer um pouco da vida. Conhecer um pouco de política para fazer o que eles fazem na sociedade brasileira. Tem uma coisa chamada responsabilidade. E não pensem que quando eu falo assim eu sou contra. Eu fui presidente e indiquei quatro procuradores e fiz discurso em todas as posses e eu dizia, quanto mais forte for a instituição, mais responsáveis os seus membros têm que ser. Você não pode condenar as pessoas pela imprensa para depois você julgá-las. Vocês estão lembrado que quando eu fui prestar depoimento lá em Curitiba eu disse para o Moro: você não tem condições de me absolver porque a Globo está exigindo que você me condene e você vai me condenar.
Pois bem, eu acho que tanto do TRF4 quanto Moro, a Lava Jato e a Globo, elas têm um sonho de consumo. O sonho de consumo é que, primeiro, o golpe não terminou com a Dilma. O golpe só vai concluir quando eles conseguirem convencer que o Lula não possa ser candidato a Presidente da República em 2018. Eles não querem, não é porque eu vá ser eleito. Eles não querem que eu participe. Apenas porque existe a possibilidade de cada um de nós se eleger. Eles não querem o Lula de volta porque pobre, na cabeça deles, não pode ter direito. Pobre não pode comer carne de primeira. Pobre não pode andar de avião. Pobre não pode fazer universidade. Pobre nasceu, segundo a lógica deles, para comer e ter coisas de segunda categoria.
Então, companheiros e companheiras, o outro sonho de consumo deles é a fotografia do Lula preso. Eu fico imaginando a tesão da Veja colocando a capa minha preso. Eu fico imaginando a tesão da Globo colocando uma fotografia minha preso. Eles vão ter orgasmo múltiplos.
Eles, eles decretaram a minha prisão. E deixa eu contar uma coisa pra vocês: eu vou atender o mandado deles. E vou atender porque eu quero fazer a transferência de responsabilidade. Eles acham que tudo que acontece neste país acontece por minha causa. Eu já fui condenado a 3 anos de cadeia porque um juiz de Manaus entendeu que eu não preciso de arma, eu tenho uma língua ferina, então era preciso fazer o Lula calar, porque se ele não calar, ele vai continuar falando frases como eu falei: “está chegando a hora da onça beber água” e os camponeses mataram um fazendeiro e eles acharam que essa frase minha era a senha.
O que que eu quero transferir de responsabilidade? Eles já tentaram me prender por obstrução de justiça, não deu certo. Eles agora querem me pegar numa prisão preventiva, que é uma coisa mais grave, porque não tem habeas corpus. O Vaccari já tá preso há três anos. O Marcelo Odebrecht gastou 400 milhões e não teve habeas corpus. Eu não vou gastar um tostão. Mas eu vou lá com a seguinte crença: eles vão descobrir, pela primeira vez, o que eu tenho dito todo dia. Eles não sabem. Eles não sabem que o problema deste país não chama-se Lula, o problema deste país chama-se vocês, a consciência do povo, o Partido dos Trabalhadores, o PCdoB, o MST, o MTST, eles sabem que tem muita gente. E aquilo que a nossa pastora diz, e eu tenho dito todo discurso, não adianta tentar evitar que eu ande por este país, porque tem milhões e milhões de Lulas, de Boulos, de Manuela, de Dilma Rousseff para andar por mim. Não adianta tentar acabar, sabe, com as minhas ideias, elas já estão pairando no ar e não tem como prendê-las. Não adianta tentar parar o meu sonho, porque quando eu parar de sonhar, eu sonharei pela cabeça de vocês e pelos sonhos de vocês. Não adianta achar que tudo vai parar o dia que o Lula tiver um enfarte, é bobagem, porque o meu coração baterá pelo coração de vocês e são milhões de corações.
Não adianta eles acharem que vão fazer com que eu pare, eu não pararei porque eu não mais sou um ser humano, sou uma ideia, uma ideia misturada com a ideia de vocês, e eu tenho certeza que companheiros como os sem-terra, o MTST, os companheiros da CUT e do movimento sindical sabem, e esta é uma prova, esta é uma prova, eu vou cumprir o mandado e vocês, vocês vão ter que se transformar, cada um de vocês, vocês não vão mais se chamar Chiquinha, Joãozinho, Zezinho, Albertinho. Todos vocês, daqui pra frente, vão virar Lula e vão andar por este país fazendo o que você tem que fazer. E é todo dia! É todo dia! Eles têm que saber que a morte de um combatente não para a revolução. Eles têm que saber. Eles têm que saber que nós vamos fazer, definitivamente, uma regulação dos meios de comunicação para que o povo não seja vítima das mentiras todo santo dia. Eles têm de saber que vocês, quem sabe, são até mais inteligentes do que eu, e poderão queimar os pneus que vocês tanto queimam, fazer as passeatas que tanto vocês queiram, fazer as ocupações no campo e na cidade. Parecia difícil a ocupação de São Bernardo, e amanhã vocês vão receber a notícia de que ganharam o terreno que vocês invadiram.
Portanto companheiros, eu tive chance agora. Eu estava no Uruguai, entre Livramento e Rivera, e as pessoas diziam assim: “Lula, você dá uma voltinha ali. É só atravessar a rua. Finge que vai comprar um ‘‘uisquizinho’’, você está no Uruguai com o Pepe Mujica e vai embora e não volta mais, pede asilo político. Ô Lula, você pode ir na embaixada da Bolívia, você pode ir na embaixada do Uruguai. Ô Lula, vai na embaixada da Rússia. Ô Lula vai na embaixada, de lá você fica falando.”
Eu falei: “eu não tenho mais idade”. Minha idade é de enfrentá-los de olho no olho e eu vou enfrentá-los aceitando, aceitando cumprir o mandado. Eu quero saber quantos dias eles vão pensar que tão me prendendo e quantos mais dias eles me deixarem lá, mais lulas vão nascer neste país e mais gente vai querer brigar neste país, porque a democracia, a democracia não tem limite, não tem hora para a gente brigar. Por isso eu estou fazendo uma coisa muito consciente, mas muito consciente. Eu falei para os companheiros: se dependesse da minha vontade eu não iria, mas eu vou porque eles vão dizer a partir de amanhã que o Lula tá foragido, que o Lula tá escondido. Não! Eu não estou escondido, eu vou lá na barba deles para eles saberem que eu não tenho medo, para eles saberem que eu não vou correr e para eles saberem que eu vou provar minha inocência. Eles têm que saber disso. E façam o que quiserem. Façam o que quiserem.
Eu vou terminar com uma frase que eu peguei em 1982 de uma menina de 10 anos em Catanduva, que eu não sei quem é, e essa frase não tem autor. A frase dizia: “os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a chegada da primavera”. E a nossa luta é em busca da primavera. Eles tem de saber que nós queremos mais casa, mais escola, nós queremos menos mortalidade, nós não queremos repetir a barbaridade que fizeram com a Marielle no Rio de Janeiro. Não queremos repetir a barbaridade que se faz com meninos negros nas periferias desse país. Não queremos mais que volte a desnutrição, a mortalidade por desnutrição neste país. Não queremos mais que um jovem não tenha esperança de entrar numa universidade, porque este país é tão cretino, que ele foi o último país do mundo a ter uma universidade. O último! Todos os países mais pobres tiveram, porque eles não queriam que a juventude brasileira estudasse. E falaram que custava muito fazer escola. É de se perguntar quanto custou não fazer há 50 anos atrás.
Então, eu quero que vocês saibam que eu tenho orgulho, profundo orgulho, de ter sido o único Presidente da República sem ter um diploma universitário, mas sou o Presidente da República que mais fiz universidade na história deste país para mostrar para essa gente que não confunda inteligência com a quantidade de anos na escolaridade. Isso não e inteligência, é conhecimento. Inteligência é quando você sabe tomar decisão. Inteligência é quando você tem lado. Inteligência é quando você não tem medo de discutir com os companheiros aquilo que é prioridade, e a prioridade desse país é garantir que este país volte a ter cidadania. Não vão vender a Petrobras! Vamos fazer uma nova constituinte! Vamos revogar a lei do petróleo que eles tão fazendo! Não vamos deixar vender o BNDES, não vamos deixar vender a Caixa Econômica, não vamos deixar destruir o Banco do Brasil! E vamos fortalecer a agricultura familiar, que é responsável por 70% do alimento que nós comemos neste país.
É com essa crença companheiros, de cabeça erguida, como eu estou falando com vocês, que eu quero chegar lá e falar para o delegado estou à sua disposição e a história, a história daqui a alguns dias vai provar que quem cometeu crime, foi o delegado que me acusou, foi o juiz que me julgou e foi o Ministério Público que foi leviano comigo, por isso, companheiros, eu não tenho lugar no meu coração para todo mundo, mas eu quero que vocês saibam se tem uma coisa que eu aprendi a gostar neste mundo é da minha relação com o povo, quando eu pego na mão de um de vocês, quando eu abraço um de vocês, quando eu beijo… agora estou beijando homem e mulher igualzinho, não mistura mais, quando eu beijo um de vocês, eu não estou beijando com segundas intenções, eu estou beijando porque quando eu era presidente eu dizia eu vou voltar para onde eu vim e eu sei quem são meus amigos eternos e quem são os amigos eventuais, os de gravatinha que iam atrás de mim, agora desapareceram, e quem está comigo é aqueles companheiros que eram meus amigos antes de eu ser Presidente da República, é aqueles que comiam rabada aqui no Zelão, é aqueles que comiam frango com polenta ali no Demarchi, é aquele que tomava caldo de mocotó no Zelão, esses continuam sendo os nossos amigos, é aqueles que têm coragem de invadir um terreno para fazer casa, é aqueles que têm coragem de fazer uma greve contra a Previdência, é aqueles que têm coragem de fazer alguma greve ocupar um campo para fazer uma fazenda produtiva, é aqueles que na verdade precisam do Estado. Então, companheiros, eu vou dizer uma coisa a vocês, vocês vão perceber que eu sairei dessa maior, mais forte, mais verdadeiro e inocente porque eu quero provar que eles cometeram um crime, um crime político de perseguir um homem que tem 50 anos de história política, e por isso eu sou muito grato, eu não tenho como pagar a gratidão, o carinho e o respeito que vocês têm dedicado por mim nesses tantos anos, quero dizer a você, Guilherme e a Manuela, quero dizer a vocês dois, para mim é motivo orgulho pertencer a uma geração que está no final dela vendo nascer dois jovens disputando o direito de ser Presidente da República deste país. Por isso, companheiros, uma grande abraço, pode ficar certo que esse pescoço aqui não baixa minha mãe já fez o pescoço curto para ele não baixar e não vai baixar porque eu vou de cabeça erguida e vou sair de peito estufado de lá porque vou provar a minha inocência. Um abraço, companheiros. Obrigado, mas muito obrigado a todos vocês pelo que vocês me ajudaram.
Um beijo queridos e muito obrigado!
Arte
A polêmica das estátuas no 7 de Setembro
A estátua equestre de Pedro I foi erguida na mesma praça em que Tiradentes foi executado no Rio de Janeiro, fato que seria desagravado apenas com o advento da República, que mudou seu nome para homenagear o inconfidente
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07/09/20
Não é possível comemorar a Independência do Brasil hoje sem pensarmos sobre um dos temas mais debatidos em nossa relação com a história: a polêmica das estátuas. Em 22 de junho de 2020, por exemplo, o Museu de História Natural de Nova York anunciou a retirada de uma estátua equestre de Theodore Roosevelt localizada em frente ao museu desde 1940. Vejam na fotografia acima que razões não faltaram, pelo modo subalterno com que negros e índios são representados.
Por Mayra Marques, Mateus Pereira e Valdei Araujo (UFOP)*
O diretor do Museu afirma que a recusa é ao monumento, e não à figura de Roosevelt, que continuará sendo homenageado pela instituição por seu pioneirismo na luta pela conservação do meio ambiente. Segundo a reportagem, um dos descendentes do ex-presidente, declarou:
“O mundo não precisa de estátuas, relíquias de uma outra era, que não refletem os valores das pessoas que pretendem honrar, ou os valores de igualdade e justiça”.
Em 2017 uma comissão estabelecida pela cidade de Nova York para reavaliar a pertinência de monumentos públicos havia decidido, em votação dividida, pela manutenção da estátua, apesar dos protestos de que já vinha sendo alvo e das promessas do museu em “atualizar” (update) suas exibições. Em 2019 o museu tomou a iniciativa de promover um debate com a comunidade e inserir elementos que pudessem contextualizar e criticar os aspectos racistas e colonialistas do monumento, bem como reavaliar as posições do próprio Roosevelt.
A iniciativa ficou registrada no projeto “Addressing the Statue”, que pode ser ainda visitado no site da instituição. O projeto é um excelente exemplo de como o interesse renovado pelos monumentos e personagens históricos, provocados por polêmicas, podem ser respondido pela produção de conhecimento e diálogo com a comunidade em busca de atualização. Algo que poderia não acontecer se a estátua tivesse que ser removida violentamente.
Com a onda de protestos que se seguem após o assassinato de George Floyd, os administradores do museu decidem finalmente retirar a estátua, em um desfecho que exemplifica como a atualização da monumentalização pública pode ocorrer em um ambiente democrático ampliando o seu sentido histórico, no lugar de apagá-lo, como acusam ligeiramente alguns críticos.

Estátua equestre de Theodore Roosevelt, a ser removida da frente do museu de História Natural de Nova York
Esse fato, que tem como centralidade a figura e a estátua de Roosevelt, nos remete à também polêmica estátua equestre de Pedro I, que se encontra na atual praça Tiradentes, na cidade do Rio de Janeiro. Ela carrega a mesma estrutura evolucionista e hierarquizante criticadas na estátua de Roosevelt.
Estátua como “mentira de bronze”
O monumento comemorativo da Independência foi erguido em 1862, e desde seu nascimento provocou fortes protestos, ainda que por razões diferentes. Mesmo que sua instituição tivesse por objetivo a consagrar Pedro I como o herói que libertou a nação, dando-lhe uma carta constitucional, ela não deixa de materializar as concepções evolucionistas e racistas das elites brasileiras. Ao mesmo tempo, esse episódio nos mostra a complexidade da instituição de monumentos: desde o início a estátua foi vista por grupos liberais como uma impostura contra a memória de outros movimentos e heróis da independência, o liberal mineiro Teófilo Ottoni lança no mesmo dia da inauguração um panfleto crítico em que chama a estátua de “a mentira de bronze”, ao mesmo tempo em que recuperava a figura de Tiradentes como o verdadeiro herói da Independência.
A estátua equestre de Pedro I foi erguida na mesma praça em que Tiradentes foi executado no Rio de Janeiro, fato que seria desagravado apenas com o advento da República. Nesse caso, no lugar de remover a estátua do ex-imperador, bastou às elites republicanas ressignificar o contexto da praça em um gesto ao mesmo tempo provocativo e de conciliação. Deixava de ser praça da constituição para ser Praça Tiradentes. Ironia ou conciliação?
Até hoje a posição subalterna da população indígena no monumento permanece invisibilizada, e sua atualização poderia passar, também, pela promoção de debates e, mesmo, pela remodelagem documentada do monumento. A estátua equestre, com o Imperador segurando a constituição, poderia, por exemplo, descer de seu pedestal evolucionista-racista e, em paralelo, outras formas de comemorar/celebrar os povos indígenas e denunciar sua opressão poderiam ser produzidas.

Estátua equestre de D. Pedro I na praça Tiradentes, Rio de Janeiro
Retirar as referências de um passado sensível não nos deixaria com uma falta de “locais de memória” nas ruas? A solução, neste caso, seria a sua substituição e/ou convivência com novos monumentos aos grupos historicamente oprimidos e sub-representados, como mulheres, indígenas e negros. Mas é preciso pensar em que tipo de monumentos seriam esses.
Estátuas como selfies de celebrities
Segundo o crítico de arte britânico Jonathan Jones, derrubar estátuas é uma performance admirável, mas a ideia de substituir as estátuas derrubadas por outras de pessoas mais “merecedoras” da homenagem seria fruto de um pensamento artístico conservador. A estátua, para Jones, já não seria uma forma artística adequada para homenagens desde que Marcel Duchamp enviou um urinol para uma exposição de arte em Nova York. O mais adequado seria, então, dar espaço para que a arte contemporânea pudesse representar as vidas roubadas pela escravidão, pois a estátua reduz a história a apenas um rosto, um personagem, podendo apenas reforçar uma concepção simplista e conservadora de como a história acontece.
As estátuas, de modo parecido com as selfies, fazem parte de uma cultura de celebridades que não faz sentido para retratar horrores como a escravidão ou o Holocausto. De algum modo, a representação monumental dos personagens históricos parece evocar a concepção de um indivíduo linear, solar, sem falhas.
Considerando as cidades ou os países como grandes museus, precisamos pensar sobre as decisões em relação às seleções feitas pela curadoria que, em última instância, vai decidir sobre a relevância desse ou daquele objeto presente nestes espaços. Ou seja, estamos diante de figuras fundamentais nessas escolhas: os/as curadoras, que, no caso das cidades, geralmente são as autoridades políticas, mas que também podem ser pessoas comuns que reivindicam a inserção ou a retirada de um monumento.
Sobre essa questão o historiador Fábio Faversani nos lembra que, na Roma Clássica, a noção de cidadão era excludente, o que significa que as representações eram, apenas, de pessoas consideradas cidadãos importantes. Assim, a questão sobre quem deve ser homenageado com uma estátua ou com um monumento está diretamente relacionada ao fato de se ter reconhecidamente o direito a ocupar os espaços da cidade, isto é: quem, por algum critério de legitimidade, é reconhecido como cidadão. A cidadania, na nossa democracia contemporânea, deve ser abrangente, não porque sejamos todos iguais, mas justamente por sermos diferentes – e, por isso, é preciso reconhecer e escrever as várias histórias que constituem a nossa sociedade. A derrubada violenta pode ser reconhecida como a forma radical de determinados grupos sociais chamarem a atenção dos políticos e da sociedade em geral. A derrubada violenta faz sentido quando não há oportunidade de diálogo. É preciso reconhecer que as tradições não são boas por si mesmas, pelo simples fato de serem uma herança de nossos antepassados; elas são mutáveis e só permanecem vivas se formas capazes de atualizar nossa história (nosso passado-presente-futuro) a partir delas de modo plástico e criativo.
Alguns críticos consideram a derrubada e/ou atualização de estátuas um tipo de anacronismo, no sentido de que reduziriam a história ao universo de valores do presente. Não estaríamos tirando estes personagens de seus contextos históricos? Diante de tais questões devemos nos lembrar que o racismo não é algo do passado; ele ainda está presente e tem consequências significativas nas nossas vidas. Muitos dos personagens que são hoje alvo de crítica cometeram ações que mesmo em suas épocas poderiam ser consideradas infames, mas acabaram tendo suas memórias protegidas por suas ligações com os poderosos da vez.
Estátuas como forma de criar mitos
Apenas tornando a história menos eurocêntrica e heteronormativa é possível evitar que as extremas-direitas usem referências do passado como forma de recrutamento e propaganda, como se o passado fosse homogêneo e sem disputas. E isto não significa negar a história ou falseá-la; a pluralidade é uma realidade, basta trazer à luz histórias esquecidas ou suprimidas das várias nações e povos que formam a nossa sociedade.
A divisão entre aqueles que defendem o patrimônio a qualquer custo e os que gritam “deixa quebrar” só ocorre porque não há políticas públicas efetivas de monumentalização voltadas para a reparação histórica, como aponta, também, Fernanda Castro. Vale notar que em países como o Brasil há uma grande dispersão de autoridades com mandato que permite gestos de celebração e monumentalização. A emergência do bolsonarismo, por exemplo, acontece em “paralelo” a uma epidemia de medalhas e outras celebrações de aliados cujas biografias se confundem com uma vasta lista de crimes.
Assim, os protestos nos quais estátuas são derrubadas ou depredadas podem ser uma forma de manifestação que surge de situações extremas de sofrimento e revolta, e não podemos condenar tais atitudes de modo linear. No entanto, não devemos normalizar o uso da violência, ela é sintoma de que os caminhos democráticos para solução de conflitos não estão funcionando de que problemas graves não encontram políticas públicas adequadas.
Destruir estátuas por si só não tornará as sociedades menos racistas, mas deve servir de estímulo para a identificação do que deve ser feito, como o combate à violência policial contra negros, por exemplo, bem como a implementação de políticas públicas de memória e antirracistas. Além de políticas públicas cujo objetivo seja a redução da desigualdade socioeconômica dos negros em relação aos brancos. Cabe enfatizar que a normalização da violência é amplamente utilizada pelos grupos de direita, como vimos no caso da destruição da placa da Rua Marielle Franco, que se tornou um símbolo de extremistas de direita na campanha eleitoral de 2018. Portanto, é preciso entender o contexto e o sentido da destruição de monumentos antes de fazer qualquer juízo definitivo.
O historiador Marcelo Abreu nos chama a atenção para o fato de que a desigualdade social presente no mundo precede as estátuas e os patrimônios que buscam moldar as identidades nacionais. Por isso, embora uma estátua possa representar uma identidade local ou nacional, a revolta contra o racismo desses “heróis” homenageados transpassa as fronteiras, já que a desigualdade não está presente em apenas um país. Nessa direção, a luta contra todas as formas de opressão nunca deveria fugir do horizonte de todos e todas que formam e lutam dentro do campo progressista.
Se os lugares de memória existem para nos recordar, constantemente, de quem somos nós, é muito natural que o valor desses lugares se transforme com o tempo, na mesma medida em que a própria sociedade se transforma. Já não aceitamos o racismo como em tempos bem próximos, logo, não faz sentido que queiramos deixar para o futuro homenagens a pessoas que defenderam esta forma de discriminação e dela se aproveitaram. Lutas como essas podem ajudar para a construção de pautas comuns no interior do campo progressista. Disputas e divergências sempre haverá, mas é preciso não perdermos o horizonte do comum.
O que vemos hoje é a reivindicação, muito justa, dos grupos que tiveram suas memórias e identidades subjugados, o que faz com que se reconheça que a nossa sociedade é composta por variadas memórias e identidades – muito diferente do “povo brasileiro” homogêneo que defendeu, em sua “atualização regressista”, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, durante a famigerada reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020. Em sua análise, relativa a esse “povo” ao qual faz referência a extrema-direita brasileira, a historiadora Luísa Pereira escreve: “O verdadeiro povo seria formado pelo homem simples, cristão, conservador, heterossexual, casado, pai de família, provedor, empreendedor e patriota […]. O verdadeiro povo é, portanto, homogêneo”. Uma ideia de povo e heróis celebrados pela atual propaganda política desse governo para o 7 de Setembro este ano.
Os protestos atuais nos quais estátuas são derrubadas em nome da luta contra o racismo e o colonialismo são formas de manifestação que surgem em situações extremas de sofrimento e revolta, e não podemos condenar tais atitudes de modo linear. No entanto, não devemos normalizar o uso da violência, ela é sintoma de que os caminhos democráticos para solução de conflitos não estão funcionando. Antes de condenar, a cidadania precisa se perguntar sobre o que está errado e precisa ser feito.
Como afirma Adam Prezeworski, em Crises da democracia: “A persistência da desigualdade é uma prova irrefutável de que as instituições representativas não funcionam, pelo menos não como quase todo mundo acha que deveriam. Portanto, o avanço do “populismo” — resultado da insatisfação com as instituições políticas que reproduzem a desigualdade e não oferecem alternativa — não deveria nos surpreender”.
Assim, no dia em que os mais diversos brasileiros rememoram sua Independência não custa lembrar que enfrentar as diversas opressões e desigualdades que marcam esse país é um desafio que nosso passado nos legou e que deve ser assumido coletivamente.
*Mateus Pereira, Mayra Marques e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem, e Mayra Marques é doutoranda em História na mesma instituição.
América Latina e Mundo
Fidel Castro – 94 anos do soldado das ideias
Publicadoo
5 anos atrásem
13/08/20por
Juliana Medeiros
Neste 13 de agosto de 2020, Fidel Castro Ruz, o comandante histórico da Revolução Cubana, faria 94 anos. Nesse vídeo que compartilhamos aqui, com legendas em português, é possível ouvir de cubanos célebres, como os intelectuais Abel Prieto e Miguel Barnet, mas também de jovens como o Professor Fábio Fernandez, historiador da Universidade de Havana, o quão profundas são as transformações provocadas na sociedade cubana pelo privilégio de ter convivido com Fidel.
Um dos momentos mais marcantes desse material produzido pelo Canal Cubavisión Internacional, é uma frase de Fidel, de que “sem cultura, sem conhecimento, não há liberdade possível”. E está claro que não só a saúde e o esporte, mas a cultura é um dos legados mais reconhecidos do povo cubano cujas realizações a ilha socialista compartilha com o mundo.
O material também tem informações históricas que ajudam a compreender a trajetória de um dos homens mais brilhantes da América Latina contemporânea.
Publicamos abaixo também a transcrição completa desse material.
Sua imagem e seu nome são parte da identidade de Cuba. A revolução que liderou e venceu em janeiro de 1959, materializou os ideais emancipatórios de milhões de seres humanos no mundo e segue sendo inspiração para todos aqueles que sonham e lutam por um mundo melhor.
FIDEL: “Um mundo melhor é possível, mas quando se tenha alcançado um mundo melhor, é possível que tenhamos que seguir repetindo que um mundo melhor é possível e depois voltar a repetir que um mundo melhor é possível”
90 anos é o que viveu Fidel Castro desde que, em 13 de agosto de 1926 nasceu em Birán, na região oriental de Cuba e se converteu no segundo filho homem de sua família. Durante 57 anos dessas 9 décadas, Fidel foi o artífice essencial do processo transformador da nação cubana, em todos os âmbitos.
A história revolucionária de Cuba conheceu o jovem Fidel Castro com apenas 26 anos. Quando ocorreu o golpe de estado de Fulgencio Batista em 10 de março de 1952, ele foi um dos primeiros a denunciar o caráter reacionário e ilegítimo do regime de fato e convocar à sua derrubada.
Organizou e treinou um numeroso contingente de aproximadamente 1200 jovens trabalhadores, empregados, estudantes, que vinham fundamentalmente das fileiras [do partido] ortodoxas. Com 160 deles, em 26 de julho de 1953 comandou o assalto ao Quartel Moncada em Santiago de Cuba e ao Quartel de Bayamo, em uma ação que foi concebida como detonante da luta armada contra o regime de Batista.
Nesta ação, falhou o fator surpresa, mas ainda que seja considerada uma derrota militar, essa história ficou conhecida como a ação que levaria o mundo a conhecer o movimento revolucionário que nascia na ilha.
Feito prisioneiro pelas forças repressivas da tirania, poucos dias depois do revés militar, foi submetido posteriormente ao juízo e condenado a 15 anos de prisão. Durante o processo judicial, assumiu sua própria defesa diante do tribunal que o julgou e pronunciou o discurso conhecido como “A história me absolverá” em que impulsionou o programa da futura revolução em Cuba.
Em julho de 1955, Fidel viajou ao México para organizar, desde o exílio, a insurreição armada. Depois de meses de treinamento e com Fidel à frente, na madrugada de 25 de novembro de 1956 zarparam em direção à Cuba 82 combatentes, a bordo do Iate Gramna, cuja idade média era de 27 anos.
Desembarcaram em 02 de dezembro nas Playas Coloradas na costa sul-ocidental da antiga província do oriente. Desde a Sierra Maestra continuou a luta revolucionária, e em sua condição de comandante em chefe, dirigiu a ação militar e a luta revolucionária das forças rebeldes e do Movimento 26 de Julho durante os 25 meses de guerra.
No amanhecer do 1º dia de janeiro de 1959, Fidel enfrentou – com uma greve geral revolucionária acatada por todos os trabalhadores – o golpe de estado na capital da república [de Cuba] promovido pelo governo dos EUA.
Ao concluir a luta insurrecional, manteve suas funções como Comandante em Chefe e em 13 de fevereiro de 1959 foi nomeado Primeiro Ministro do Governo Revolucionário, dirigiu e participou de todas as ações empreendidas em defesa do país e da revolução, nos casos das agressões militares procedentes do exterior ou atividades de grupos contrarrevolucionários dentro do país, em especial a derrota da invasão organizada pela Agência Central de Inteligência (CIA- EUA), levada a cabo em Playa Girón em abril de 1961.
Em nome do poder revolucionário, proclamou em abril de 1961, o caráter socialista da Revolução Cubana.
Ocupou o cargo de Secretário Geral das Organizações Revolucionárias Integradas e mais adiante o de Secretário Geral do Partido Unido da Revolução Socialista de Cuba. A partir da constituição do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, em outubro de 1965, seu cargo foi de Primeiro Secretário e Membro do Bureau Político, o que foi ratificado pelos cinco Congressos do Partido efetuados desde então. Foi eleito [e reeleito] Deputado na Assembleia Nacional do Poder Popular representando o Município de Santiago de Cuba, em seus sucessivos períodos de sessões desde a criação [da AP] em 1976. Desde então, e até o ano de 2008,ocupou o cargo de Presidente do Conselho de Estado e Presidente do Conselho de Ministros.
Durante quase 50 anos, impulsionou e dirigiu a luta do povo cubano pela consolidação do processo revolucionário, seu avanço em direção ao socialismo e a unidade das forças revolucionárias e de todo o povo, às transformações econômicas e sociais do país, o desenvolvimento da educação, da saúde, do esporte, da cultura, da ciência, da defesa, o enfrentamento das agressões externas, a condução de uma antiga política exterior de princípios, as ações de solidariedade com os povos que lutam pela independência, e o progresso e aprofundamento da consciência revolucionária internacionalista e comunista do povo cubano.
YADIRA BARRIOS (jornalista): Compartilhamos agora um momento de reflexão [no programa] ‘Enlace Cuba’ com o jovem professor da Universidade de Havana, Fabio Fernandez, bem vindo!
PROFESSOR FÁBIO FERNANDEZ: Muito obrigado!
YADIRA: Professor, para muitos é difícil compreender essa relação que por mais de cinco décadas se deu entre Fidel – como líder do processo revolucionário cubano – e o povo. Como você analisa essa história, esse diálogo entre o líder e a massa. E o que você acredita que o propiciou?
PROFESSOR: Veja, a história se dá em momentos em que determinados dirigentes ou líderes geram uma conexão tremenda com o grupo humano que buscam representar. Isso está vinculado fundamentalmente com a capacidade desse líder de identificar os ideais, os sonhos, as aspirações dessa comunidade, com a qual ele vai gerando uma conexão. Na história de Cuba, isso passou com o caso de Fidel que fez essa conexão com o povo cubano durante 50 anos de revolução. Agora, esse é um fenômeno que em nossa história já havia ocorrido em outros momentos. Há que pensar, por exemplo, na conexão de um José Martí com esse povo cubano, o qual ele convoca a lutar contra o colonialismo espanhol no final do século XIX, ou podemos pensar em um dirigente como Julio António Mellia, que também conseguiu ser um “furacão” que mobilizou a cidadania contra determinados assuntos que em sua época marcavam a cotidianidade cubana. E o que ocorre com Fidel é que desde a década de 50 ele é capaz de interpretar, repito, a lógica, a aspiração que movia a cidadania e depois consegue manter essa conexão a partir de realizações que foram marcando essa imbricação profunda que se gerou. Eu acredito que é a mágica, vamos chamar assim, de uma liderança carismática, essa capacidade de [fazer] que um povo entenda que um líder o representa e que esse líder está à altura da exigência que continuamente esse povo o apresenta. É algo muito difícil de explicar, algo que sociólogos, historiadores, psicólogos tentaram explicar com todas as suas variáveis e sempre se torna um pouco nebuloso porque, repito, esse é um fenômeno que tem certas doses de magia, essa capacidade de conexão, não é explicável simplesmente de modo racional porque também funciona o emocional que também é tão vital para as relações que se estabelecem entre os seres humanos.
YADIRA: Professor, porque você acredita que o projeto revolucionário cubano – ainda como foi pensado, como um projeto de nação – transcendeu fronteiras? E que papel você acredita que Fidel teve nisso?
PROFESSOR: A Revolução Cubana se converteu em um símbolo para os povos do terceiro mundo por sua capacidade de representar o fato de que determinadas aspirações históricas podiam se consumar. E que aspirações fundamentais? Justiça social e soberania nacional. Os povos do terceiro mundo, fundamentalmente, mas inclusive os povos de toda a humanidade entenderam a Revolução Cubana como um caminho, como uma via que podia levar à consumação dessas lutas históricas. Dentro de todo esse contexto, surge o simbolismo de Fidel. Como grande líder dessa revolução e como o homem que é capaz de, em conexão com seu povo, encontrar os caminhos para que essa aspiração de justiça, para que essa aspiração de soberania, pudesse verdadeiramente se materializar. Eu acredito que o simbolismo da Revolução Cubana, pela contundência de suas conquistas, é indubitavelmente o que marcou a conexão com esses povos, que não somente o [povo] cubano. Eu acredito que por aí se move essa história e inclusive é interessante como já são 60 anos do triunfo da Revolução Cubana e ainda o nome de Cuba segue representando, para muitas pessoas no mundo, a ideia de que há sonhos que podem ser verdade, que podem se materializar para além das dificuldades ou dos problemas, Cuba segue tendo uma carga simbólica tremenda para todos aqueles homens que aspiram – homens e mulheres, claro – que aspiram um mundo diferente e um mundo conectado com as mais arraigadas aspirações populares.
FIDEL: “E o que fazemos com a produção de armas nucleares, diante de um inimigo que tem milhares de armas nucleares? Entrar nesse jogo dos enfrentamentos nucleares? E nós possuímos “armas nucleares”, mas são nossas ideias! Nós possuímos “armas nucleares”, mas essas são a magnitude da justiça pela qual lutamos. Nós possuímos as “armas nucleares” da virtude, do poder invencível das armas morais. Por isso que nunca me ocorreu [ter armas nucleares]. O que me ocorreu foram “armas biológicas”, e para quê? As armas [biológicas] para combater a morte, para a combater a AIDS, as enfermidades, para combater o câncer. A isso é que dedicamos nossos recursos, apesar do banditismo desse – já não me lembro como se chama esse tipinho – que foi nomeado, não sei se algum de vocês se lembra, Bolton, Borton… sei lá, que está nada menos que secretário, representante dos EUA nas Nações Unidas! Um super mentiroso, descarado, que inventou que Cuba estava no centro da engenharia genética, investigando, para produzir armas biológicas. Também nos acusou de estar colaborando com o Irã, transferindo tecnologia. E o que estamos é construindo, entre Irã e Cuba, uma fábrica de produtos anticancerígenos! Isso é o que estamos fazendo e também querem nos proibir. Que vão para o diabo! Ou para onde queiram ir esses idiotas, que aqui não vão assustar ninguém”.
YADIRA: Em meio à pandemia de Covid-19 que já cobrou milhares de mortes em todo o mundo, os profissionais de saúde cubana que colaboraram com o controle da enfermidade em mais de 20 nações
tem sido os mais fiéis expoentes do ideal internacionalista de Fidel. Da Itália nos chegam essas reflexões que Cubavisión Internacional compartilhou em seus espaços nas redes sociais.
MICHELE CURTO (italiano): Para mim pareceu incrível quando vi aterrissar esse avião porque na verdade me dei conta que a história estava se acelerando. Foi extremamente emocionante e de imediato nos sentimos responsáveis, nós sabíamos que esse não era um ponto de chegada mas sim um ponto de partida. Encontrei um grupo de cubanos – porque muitas vezes lhes dizem “heróis” – mas eu diria um grupo de cubanos estelares. Eram jovens muito preparados, profissionais muito capazes, super comprometidos, que chegaram com uma tarefa clara e um compromisso muito forte. Colocaram em risco suas próprias vidas para lutar por minha cidade e pelo meu povo. Para mim esse é o resultado maduro da Revolução Cubana e dos ensinamentos do Comandante Fidel. Os médicos cubanos nos deram esperança, nos fizeram melhores, minha cidade é ainda mais linda depois do que aconteceu aqui. Porque isso é tão lindo, tão claro, que fica e ficará por muito tempo. Outro momento muito emocionante foi depois de três meses que estivemos fechados nesse hospital, sem ver a luz do sol, subimos todos juntos o Pico Fidel. O pico é uma conquista dos nossos jovens aqui de Turín. Porque, bem, quando faleceu o Comandante Fidel Castro, eles estenderam uma bandeira imensa na Torre aqui da cidade, que dizia “Hasta Siempre, Fidel”. E no aniversário de um ano [de sua morte], voltamos a subir ao Pico e o declaramos – graças aos apoio das prefeituras da região – esse pico oficialmente dedicado ao Comandante e que certamente será um dos primeiros. Mas ir aí com os médicos, para nós restou quase pacificado essa figura do ensinamento do Comandante com um dos resultados mais lindos, que são esses jovens tão preparados, de verdade que isso foi lindo. Hoje o que eu tenho claro e levo dessa experiência, é que quando se luta de verdade com compromisso, com convencimento e com unidade, se pode ganhar qualquer resultado. E de verdade, esses médicos demonstraram tanto aos médicos italianos, quanto a todos nós, que se pode. De verdade, sim, é possível. E sempre também com uma aposta muito clara, de que nós nascemos para apoiar Cuba e sua revolução e para derrubar o bloqueio norteamericano.
YADIRA: Em maio de 1985, durante 23 horas, Fidel e o Frei Dominicano de origem brasileira, Frei Betto, dialogaram sobre religião e temas contemporâneos. Dessa extensa conversa, nasceu o livro “Fidel e a religião” que foi publicado em mais de 20 idiomas. O intelectual brasileiro definiu Fidel como “um homem de transcendência histórica, não somente para América Latina, mas para todo o mundo”. Com exclusividade para “Enlace Cuba”, neste agosto de 2020, Frei Betto compartilha uma carta para seu amigo.
FREI BETTO: "Querido Fidel, neste dia do seu aniversário eu sinto muita saudade de nossas conversas. Sobretudo de sua inteligência luminosa para guiar-nos nessa nova conjuntura pandêmica. A vida e a história estão cheias de imprevistos. Com tantos atentados que a CIA preparou para te assassinar, quem poderia imaginar que você passaria ao outro lado da vida tranquilamente em sua cama, rodeado por pessoas queridas e honrado por seu amado povo cubano. Quem poderia imaginar que a União Soviética se desintegraria em 1991 sem disparar um único tiro. Quem poderia imaginar que os EUA teriam um presidente negro e a Igreja Católica um Papa argentino e progressista. Durante nossas conversas em sua casa, você me falou várias vezes da séria ameaça de uma guerra nuclear. Esse perigo segue vigente. Mas quem poderia imaginar que esse ano o mundo deixaria de girar devido a um vírus invisível conhecido como Covid-19. Nossa querida Cuba, Fidel, reagiu diante da pandemia com um esforço heroico que se somou às atitudes corretas do povo, dos profissionais de saúde e do governo. Em comparação com outros países, se perderam poucas vidas, graças às medidas adotadas e acatadas pela população. E no espírito internacionalista e solidário que sempre marcou a história da Revolução, enviaram brigadas de saúde para socorrer aos povos de dezenas de países. O vírus colocou em evidência, como nunca, as podres entranhas do capitalismo, a abismal desigualdade social, a suprema contradição entre um sistema que produz avanços tecnológicos admiráveis mas é incapaz de evitar que a humanidade se veja afetada por um simples vírus. Agradeço a Deus o dom de sua vida, Fidel. Aqui seguimos, com a responsabiliade de sermos fieis ao seu legado e dignos de seu exemplo de vida e de luta. Venceremos, Comandante! Fraternalmente, Frei Betto"
YADIRA: Voltamos com as palavras de Frei Betto, quando fala das entranhas do capitalismo. Um eixo central do pensamento de Fidel, é seu pensamento anticapitalista, anti-hegemônico.
Professor, o que você ressaltaria do discurso de Fidel, do seu pensamento especificamente anti-hegemônico, em meio a esses últimos acontecimentos que tem convulsionado o mundo nos últimos meses?
PROFESSOR: Fidel foi um pensador realmente anticapitalista,
que definiu o capitalismo como um sistema irracional, contrário aos melhores interesses da humanidade. E Fidel foi muito claro, tanto em sua projeção de pensamento como em sua prática, sobre a possibilidade de construir uma alternativa contra hegemônica em relação ao que é ditado pelo sistema capitalista mundial. Eu acho que esses alertas, essa defesa de Fidel de buscar um mecanismo, uma sociedade distinta do capitalismo, um mundo melhor que seria possível, segundo suas palavras, se tornou mais importante nos tempos atuais, em que o capitalismo demonstrou todos os elementos que o definem como um sistema injusto.
Estamos vivendo meses de pandemia onde vimos, de forma manifesta, que para o capitalismo, o capital, é muito mais importante a economia do que a vida das pessoas. E como um país como Cuba, que buscou e defendeu uma alternativa ao capitalismo e que prioriza a vida sobre a ganância econômica, logrou resultados de saúde muito mais apreciáveis. E eu acredito que fica claro nesse momento que o capitalismo é um sistema,
em mais de um sentido, fracassado sobretudo em sua versão neoliberal e como em circunstâncias verdadeiramente complexas, a lógica do capitalismo, que apenas busca a maximização da riqueza, e riqueza apenas para alguns poucos, não é a solução para os problemas. E Fidel disse isso claramente, ele construiu uma projeção política e desenvolveu
uma prática política que sem dúvida aspirava e defendia a possibilidade de construir um mundo diferente do capitalismo.
E eu acredito que esses alertas de Fidel, essas aspirações de Fidel estão perfeitamente vivas. E inclusive não somente com relação ao tema da Covid, que é uma conjuntura que, cedo ou tarde o mundo vai superar, mas, por exemplo, está também todo esse tema que tem a ver com os câmbios climáticos, que é um fenômeno muito mais estrutural e aí também Fidel nos disse: “o capitalismo não é o caminho, o capitalismo é o sistema que está levando a humanidade ao colapso. Portanto, eu acredito que as ideias de Fidel e o pensamento anticapitalista de Fidel segue sendo de meridiana importância no contexto que estamos vivendo e frente ao que há por vir.
YADIRA: #SomosContinuidad é uma hashtag constantemente usada nas redes sociais em Cuba e mesmo quando não a mencionam, está contido, contém o pensamento de Fidel. Eu gostaria de saber, professor, que ideais do seu legado você considera essenciais
para falar do futuro em Cuba.
PROFESSOR: Veja, falar de continuidade em Cuba implica, obrigatoriamente, se conectar com o legado de Fidel. E a continuidade, na minha opinião, com respeito à projeção histórica de Fidel, tem a ver com vários elementos fundamentais. Em primeiro lugar, a disposição permanente em não se render. Ou seja, a ideia de ser capaz de enfrentar as dificuldades mais tremendas e não se render, ancorando-se a um conjunto de valores, aspirações, a um projeto em que se tenha fé e se deposite esperança. Outro elemento de continuidade é a aposta em uma sociedade distinta do capitalismo, uma sociedade que é preciso aperfeiçoar continuamente, uma sociedade que precisa ainda encontrar plenamente sua definição, mas que está baseada no caminho, ou na consciência de que o caminho não é o que oferece o universo do capitalismo. Eu acredito que esse é outro elemento-chave no pensamento de Fidel que deve marcar a continuidade a que o povo cubano está dedicado. Outro elemento fundamental tem a ver com a inteligência que Fidel teve de entender que a mudança é imprescindível dentro de todo processo social. A ideia de que estar estático é o caminho claro em direção ao fracasso. É preciso mudar para adaptar-se aos contextos, para adaptar-se às novas circunstâncias, mas uma mudança que não implica em renunciar aos ideais, mas implica na capacidade de saber conectar-se com a especificidades dos contextos. E há outro elemento do legado de Fidel que eu creio que também é fundamental, e é sua posição anti-imperialista, vinculada com a defesa da soberania nacional. E à ideia de que um país como Cuba está obrigado, para poder encontrar um caminho claro em direção à prosperidade, está obrigado a manter uma posição de defesa de sua soberania e de não deixar que os destinos de cuba sejam regidos e definidos por uma potência estrangeira. Eu acho que esse é outro elemento do anti-imperialismo de Fidel que é chave para entender essa lógica de continuidade. Eu acredito que Fidel deve nos acompanhar, ao povo cubano, nos desafios do presente e do futuro, sempre lendo seu ideário de maneira crítica, ou seja, não é repetir Fidel, não é se calcar no que Fidel fez, é assumir o espírito de Fidel como uma espora, como uma ferramenta que nos ajuda a entender a realidade e a projetar nosso futuro dentro das complexas circunstâncias que nos cabe viver. Ou seja, a continuidade não é uma mera repetição mecânica. A continuidade é a conexão com um legado, é a conexão com um espírito que nos impulsa a mudar, mantendo sempre os ideais que assumimos como básicos desse projeto de sociedade que estamos construindo. Por aí vai minha ideia de continuidade, mudança, Fidel e seu legado.
YADIRA: Muito obrigada, Fabio por compartilhar conosco suas reflexões, precisamente sobre o líder da Revolução Cubana em ‘Enlace Cuba’.
PROFESSOR: Muito obrigado.
Como um intelectual revolucionário, o próprio Fidel gostava de diálogos com artistas e pensadores. Sob sua liderança indiscutível, Cuba vem sendo nas últimas décadas espaço de encontro e motivo de inspiração para intelectuais e criadores de todo o mundo.
Em junho de 1961, Fidel Castro se reuniu com um grupo de intelectuais na Biblioteca Nacional José Martí para debater temas cruciais dentro da vida cultural cubana. Durante três dias, os escritores e artistas analisaram junto com ele, os desafios que estavam por vir no campo cultural.
FIDEL: “Uma das metas e um dos propósitos fundamentais da revolução é desenvolver a arte e a cultura, precisamente para que a arte e a cultura cheguem a ser um verdadeiro patrimônio do povo”
Nascia aí [o livro] “Palavras aos intelectuais”, uma plataforma de ideias que transcendeu como pedra angular da política cultural da revolução, com uma visão democrática e inclusiva.
Sob a liderança de Fidel, se organizou a campanha de alfabetização, a primeira grande conquista cultural da revolução. E se criaram instituições que promoveram as artes e as letras, como o Instituto Cubano do Cinema, a Casa das Américas, a União de Escritores e Artistas de Cuba, o Sistema de Ensino Artístico e outras organizações que converteram ademais a Cuba, desde aqueles primeiros anos da revolução, em um farol para os pensadores, intelectuais e artistas da esquerda latino-americana. O livro deixou de ser um privilégio para se converter em um artigo de primeira necessidade.
MIGUEL BARNET: "Todo esse programa, tudo, foi iniciativa de Fidel. E um dos seus maiores legados, no momento mais difícil do 'período especial', quando quase chegamos ao fundo, a máxima com que Fidel encerrou um Conselho da União de Escritores e Artistas de Cuba, foi: "a cultura é o primeiro que precisamos salvar".
ABEL PRIETO: "Um dos maiores intelectuais, cubanos, latino-americanos e universais de todos os tempos. Um pensador, um homem que ademais escrevia como os deuses, escrevia como os deuses… e um leitor incansável, ele tinha uma relação tão… Fidel acreditava muito no papel transformador da cultura, acreditava muito nisso.. Porque a chave do que ele dizia, tem a ver com a famosa frase de José Martí, sobre liberdade e cultura: "ser culto é o único modo de ser livre". E Fidel o dizia de outra maneira: "sem cultura não há liberdade possível". O programa que ele criou, com Enrique Nuñes Rodriguez, com Miguel Barnet, com a própria Graciela, com os companheiros daquela equipe que estávamos aí na UNEAC [União de Escritores e Artistas Cubanos], Fidel criou um tipo de relação fraterna, ele se sentia muito cômodo se reunindo conosco, ele se sentia muito confortável, inclusive discutindo temas complexos conosco".
AMAURY PEREZ: "Não existe um homem na América Latina que possa chegar onde ele chegou. Ou seja, ele está nesse sentido.. tão heróico, tão Bolívar, tão Martí, onde está San Martín, é nesse lugar que Fidel está. E os anos apenas vão fazer com que isso se sustente e se sedimente ainda mais".
Artistas e pensadores de todas as gerações reconhecem em Fidel o líder, o intelectual, o homem que incansavelmente se dedicou a semear ideas, a semear consciência e que assumiu o desafio de articular um sistema original no continente, o da cultura em um processo revolucionário e de convertê-la em uma das grandes conquistas sociais de Cuba.

Tradução e legendas: Juliana Medeiros

Os historiadores e professores de História estão lutando pela derrubada do veto presidencial ao projeto que regulamenta a profissão de historiador. Para isso, a Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil), divulgou uma carta dirigida aos parlamentares buscando reunir votos para a derrubada do veto em sessão que ocorrerá amanhã, 23, ou nesta quarta-feira, como forma de pressão.
O veto é mais uma investida do governo Bolsonaro em busca de impor a sua versão em torno da história do Brasil, deturpando fatos inquestionáveis. A ANPUH ressalta que a regulamentação não proíbe qualquer pessoa de pesquisar, escrever, publicar ou manifestar opinião acerca de temas históricos, conforme ficou definido durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional. Confira a seguir a carta divulgada pela entidade.
Excelentíssimos(as) parlamentares do Congresso Nacional,
A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) vem por meio desta contatar Vossas Excelências para, respeitosamente, apresentar as necessárias informações que embasam o amplo movimento pela derrubada do veto ao Projeto de Lei do Senado no 368/2009 e o Substitutivo da Câmara no 3/2015, que tratam da regulamentação da profissão de historiador.
Breve trajetória pela Regulamentação da Profissão de Historiador
A primeira iniciativa no sentido de regulamentar a profissão do historiador data do ano de 1968, projeto arquivado pelo Regime Militar. A partir de 1983 outros projetos legislativos foram propostos, mas, somente em 2009 o PL no 368/2009 do Senador Paulo Paim foi aprovado no Senado Federal, acatado pela Câmara em 2015 com o Substitutivo no 3/2015. No dia 18 de fevereiro de 2020, o PL foi aprovado por unanimidade no Senado Federal, sendo, entretanto, vetado pelo Presidente Jair Bolsonaro no último dia do prazo regulamentar.
Quem é e o que faz um historiador?
Antes de tudo, acreditamos ser importante definirmos – muito brevemente – quem é e o que faz um historiador. Em termos técnicos, trata-se de um profissional que lida com questões e eventos passados, a partir de reflexões suscitadas pelo tempo presente. Em outras palavras, um historiador deve ser capaz de investigar, analisar e formular explicações acerca de fatos ocorridos em diferentes temporalidades, e em qualquer lugar onde já tenha existido a presença humana. Logo, historiadores buscam respostas para inquietações que definem desde nossa identidade até a formação de sistemas culturais, políticos e econômicos de modo geral.
Todavia, reunir fatos, organizá-los no tempo e no espaço e em seguida explicá-los, em resumo, atribuir sentido ao passado, constitui tarefa das mais complexas desde o seu ponto de partida. Afinal, quais acontecimentos são mais ou menos importantes? Quais as relações de causa e efeito entre um evento e outro? Quais personagens merecem destaque e por quê? Como se pode ver, a questão crucial aqui são as escolhas, e mais decisivamente a capacidade técnica e cientificamente conduzida de quem irá realizá-las.
Profissionalização e regulamentação
As inquietações supracitadas localizam-se no centro dos debates sobre a regulamentação da profissão de historiador. Contudo, é importante destacar que regulamentação e profissionalização, embora complementares, não se confundem. Em todo o mundo, instituições de ensino formam historiadores graduados e pós-graduados devidamente certificados por títulos acadêmicos. A regulamentação, por outro lado, diz respeito a quem pode atuar profissionalmente como historiador e sob quais condições. E é sobre este último aspecto que versa a matéria atualmente sob veto presidencial.
Desse modo, se a profissionalização de historiadores já existe, qual a necessidade de regulamentar a sua atuação? Não tardemos a resposta: para que o domínio do conhecimento técnico, metodológico e teórico necessário para exercer profissionalmente a função de historiador também seja legalmente reconhecida. Nesse sentido, é oportuno enfatizar que o PL 368/2009 passou por muitos debates ao longo de mais de uma década, envolvendo políticos, associações, pesquisadores e professores, resultando em importantes adequações que o tornaram o mais tecnicamente referendado possível. Tudo isso sem perder o horizonte de valorização do trabalho e do lugar social e científico ocupado pelos historiadores.
O que realmente propõem o PL no 368/2009 e o Substitutivo da Câmara no 3/2015?
Entre os ajustes realizados no projeto original, talvez o mais importante tenha sido quanto à crítica (atualmente superada) de que a regulamentação criaria uma espécie de “reserva de mercado”, o que impediria pessoas sem formação universitária em História de escrever ou ensinar história. Essa interpretação resultava do Art. 3o do PL 368/2009, segundo o qual o exercício da atividade de historiador seria “privativo” dos portadores de diplomas de graduação, mestrado e doutorado em História.
Após intensos e profícuos debates no Congresso e entre os interessados no projeto, a Câmara dos Deputados aprovou o Substitutivo no 3/2015, o qual modificou significativamente o Art. 3o do PL 368/2009. Ao invés de “privativo”, o Substitutivo no 3/2015 propõe que o exercício da atividade de historiador passaria a ser “assegurado” aos portadores de diploma de curso superior em História, mas não exclusivamente a estes. Desse modo, o Substitutivo no 3/2015 também acrescentou dois novos incisos ao Art. 3o do projeto original, assegurando o mesmo direito aos portadores de diploma de pós-graduação em outros cursos que tenham linha de pesquisa em História (inciso IV). O inciso V vai além, incluindo os “profissionais diplomados em outras áreas que tenham exercido, comprovadamente, há mais de 5 (cinco) anos, a profissão de Historiador, a contar da data da promulgação desta Lei” (inciso V). Em relação ao ensino de História, o Substitutivo no 3/2015 submete-se absoluta e integralmente ao que já estabelece a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Art. 4o do Substitutivo no 3/2015).
Sobre a constitucionalidade do Substitutivo da Câmara no 3/2015
Quanto às atribuições dos historiadores, é de suma importância destacar que o Substitutivo no 3/2015, aprovado por unanimidade pelo Senado Federal no último dia 18 de fevereiro de 2020, não restringe de forma alguma a “livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação” de não historiadores, o que demonstra seu pleno acordo com as normas constitucionais vigentes. Em resumo, a regulamentação não proíbe qualquer pessoa de pesquisar, escrever, publicar ou manifestar opinião acerca de temas históricos.
Da mesma forma, o Substitutivo no 3/2015 não ofende o Art. 5º, XIII da Constituição brasileira, segundo o qual “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Nesse sentido, o Substitutivo no 3/2015 obedece e cumpre o que determina o disposto constitucional, uma vez que busca regulamentar por lei “as qualificações profissionais” necessárias a um historiador.
Esperamos que as informações aqui prestadas possam ter sido suficientemente esclarecedoras, acerca da nossa histórica luta a favor da regulamentação da profissão de historiador. Desejamos contar com o fundamental apoio de Vossas Excelências na reparação da injusta negação ao nosso digno direito, derrubando assim o veto presidencial PL no 368/2009 e o Substitutivo da Câmara no 3/2015, pelos motivos expostos.
A Associação Nacional de História agradece vossa atenção e permanecemos à disposição para o que for necessário.
Cordialmente,
Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil)
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lais
08/04/18 at 20:52
emocionante e verdadeiro como sempre. #lulavalealuta