É que eu detesto esse negócio de falar em rede nacional. É difícil ler aquelas letrinhas no telepronto…, teleprompito…, telepompri…, naquele negócio lá. Mas o pessoal do agronegócio me encheu o saco por causa da ameaça das sanções econômicas do Macron e da Merkel, então eu tive que falar,pô.
Aí, na hora de gravar, eu estrilei com o diretor.
Pô, que palhaçada é essa de óculos? Eu sempre tirei sarro dos quatro olhos lá da escola. Precisa mesmo disso? Não é só colocar letra grande no telepropompi…, naquele negócio lá?
É para o senhor parecer mais inteligente, presidente.
Mais ainda? Tábom. Mas se eu me olhar no espelho posso acabar dando um tapão em mim mesmo, kkk!
Certo, certo. Vamos lá.Som, câmera…
Peraí! Precisa colocar aqui no texto que a culpa dos incêndios é da estação seca e dos ventos fortes.
Mas, presidente,todo mundo sabe da história do “Dia do Fogo”, quando os grileiros e fazendeiros lá do Pará fizeram mais de 700 incêndios em sua homenagem.
Isso foi semana passada. Ninguém lembra mais. Vai por mim. Ah, e põe um número aí. Diz que as queimadas estão na média dos últimos quinze anos.
Mas o Inpee a própria Nasa mostraram que…
Nasa e Inpe são antros de cientistas. E cientista é tudo comunista.
Certo, certo. Já acrescentei. Vamos lá. Silêncio no estúdio! Som, câmera…
Peraí! Tenho umas dúvidas aqui no texto. Que quer dizer “serenidade”?É que tem que cair sereno para apagar o fogo?
É..,é…, é isso mesmo, presidente.
E essa história de “O Brasil continuará sendo um país amigo de todos”? Pô, isso aí não dá! O Dudu postou ontem um vídeo no Twitterque chama o Macron de idiota. E eu mandei a Merkel enfiar o dinheiro alemão nas florestas dela. Como é que eu vou dizer que a gente vai ser amigo de todos?
É só uma fala, presidente, que nem o kit gay. Não precisa ser verdade.
Então tá bom, vamos gravar logo essa porcaria. Mas opa! Você vai fumar aqui? E se pegar fogo no estúdio?
Desculpe, presidente! Eu nem tinha perce…
É brincadeira, kkk! Usa aqui o meu isqueiro. Mas cuidado que a chama tá no máximo.
@diariodobolso
*José Roberto Torero é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.