Diário, hoje eu liguei pra Damares. A conversa foi assim:
Bom dia, meu Messias.
Bom dia, o cacete Você viu o Crivella?
O caso dos Vingadores Gays? Vi sim. Sucesso, né?
Pois é, o cara está em tudo que é jornal. Os evangélicos adoraram. Preciso fazer alguma coisa parecida, senão ele pega todos meus eleitores, pô!
Ataca o Bob Esponja, presidente. Ou a Elsa, do Frozen.
Isso você já fez, Damares. Quero pegar um público mais velho. Mandar prender umas histórias em quadrinhos parece bom.
Que tal o Flash? Aposto que ele é gay. Aquele colã vermelho nunca me enganou.
Boa! Pode falar que estou anotando.
Tem também o Coringa.
O Coringa? Pô, esse é dos meus. O que tem de errado com o cara?
Ele usa batom, presidente.
Putz, é mesmo. E ele pinta o cabelo de verde. Isso também é suspeito. Já tá na minha lista. Mais algum?
Tem o Batman e o Robin. Pedofilia explícita.
Opa! É mesmo. Vou mandar prender as revistas dos caras.
Ah, e tem o pior de todos: o Capitão América.
O quê?!
Tá na cara, presidente. Aquele corpo malhado, aquelas asinhas na cabeça, a roupinha agarrada, aquela amizade com o Bucky… Sem falar que tem estrela no escudo. É gay e é petista.
Pô, o Capitão América, não, Damares! Ele é capitão e é da América. Você estragou o cara pra mim.
Desculpe, presi…
Não desculpo nada! Você quer me estragar o Steve Rogers pra sempre?
Mas…
Nem mais, nem menos! Como é que você pode duvidar do Capitão América?! Volta pra sua goiabeira!
Aí eu bati o telefone e fui para o meu quarto ler um gibi. As lágrimas caíam em cima do escudo do Capitão América e eu pensava: “Você não, Steve, você não…”
*José Roberto Torero é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.