Cuba: 60 anos de bloqueio

Em 2022 cumprem 20 anos desde que os Estados Unidos iniciaram suas sanções contra Cuba. O bloqueio é uma guerra econômica desenhada para castigar coletivamente a um povo pela sua independência, e deve terminar
Foto: Marlene Bergamo /FolhaPress

Durante os últimos sessenta anos, o império estadunidense tem sustentado uma implacável guerra econômica contra Cuba. Isso se traduz na imposição de sanções unilaterais, que até o dia de hoje custaram à ilha mais de 130.000 milhões de dólares.

Por Perry Blackson, do Jacobin América Latina
Tradução: Tamy Cenamo

As sanções estadunidenses, também conhecidas como bloqueio, afetam todos os aspectos da vida cubana. Restringem o acesso a medicamentos, alimentos, materiais de construção e principalmente às matérias-primas para o desenvolvimento de vacinas, inclusive durante a pandemia de COVID-19.  As sanções também foram pensadas para asfixiar a economia cubana, restringindo viagens e proibindo empresas de estabelecer negócios com Cuba caso queiram manter vínculos com os Estados Unidos.

Mas que justificativa é dada pelos Estados Unidos para esse bloqueio desumano?

Frente ao apoio generalizado das e dos cubanos a Fidel Castro e à Revolução do fim dos anos cinquenta e começo dos sessenta, o Departamento de Estado estadunidense admitiu que a única maneira de debilitar o regime era fomentando a dissidência interna, impondo dificuldades econômicas à população cubana. Segundo um memorando interno – agora famoso – escrito por Lester D. Mallory, Subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos, em 1960:

A maioria dos cubanos apoiam a Castro (…) O único meio previsível para minar o apoio interno é através do fomento do desencanto e do desafeto baseados na insatisfação e nas dificuldades econômicas (…) devemos usar rapidamente de todos os meios possíveis para debilitar a vida econômica de Cuba (…) uma linha de ação que (…) faça incursões para negar dinheiro e recursos a Cuba, para diminuir os salários monetários e reais, para provocar a fome, o desespero e a queda do governo.

Hoje os Estados Unidos se encontram praticamente sozinhos na manutenção do bloqueio. Em 2021, pelo 29º ano consecutivo, 184 Estados membros das Nações Unidas voltaram a favor de uma resolução que exige o fim das sanções, e só os Estados Unidos e Israel votaram contra. Até mesmo entre as nações imperialistas, o consenso global é claro: o ilegal, imoral e mortal bloqueio estadunidense a Cuba deve terminar.

DOBRAR A APOSTA

Ao invés de aceitar este consenso, as últimas administrações intensificaram a situação. Era de se esperar que, depois de sua chegada à presidência, Joe Biden seguisse os passos de Barack Obama, quem havia suavizado algumas restrições impostas pelo embargo e reestabelecido as relações diplomáticas com Cuba. No entanto, o primeiro ano de mandato de Biden demonstrou mais similaridades com seu predecessor, Donald Trump, cuja administração foi responsável por um retrocesso no descongelamento cubano, impondo mais de duzentas novas sanções e reativando a Lei Helms-Burton de 1996, que reclassifica a ilha como um “estado patrocinador do terrorismo”, o que joga uma pá de cal sobre qualquer esperança de um afrouxamento por parte dos Estados Unidos.

Biden deu continuidade à postura de Trump, mantendo as novas sanções em vigor e inclusive adicionando sanções específicas a funcionários cubanos. Isso se deu em meio a uma maré de protestos sem precedentes em Cuba devido à escassez (agravada pela pandemia) de recursos básicos como energia, medicamentos e alimentos, resultado do aumento das sanções levado a cabo durante a gestão de Trump. Assim, se já havia preocupações legítimas entre os cubanos que viviam a pandemia em um contexto de bloqueio, os protestos foram aproveitados pelos contrarrevolucionários apoiados pelos Estados Unidos e os meios de comunicação estadunidenses, que utilizavam a nada inocente hashtag #SOSCuba.

As tentativas dos contrarrevolucionários cubanos e estadunidenses de provocar distúrbios em meio à crise de escassez demonstram claramente que a estratégia de bloqueio dos Estados Unidos permanece a mesma desde 1960: “provocar a fome, o desespero e a derrocada do governo”. Uma das demandas da campanha #SOSCuba foi “uma intervenção humanitária” para “liberar Cuba”, um chamado mascarado para que o imperialismo intervenha, subvertendo a Revolução Cubana.

Esses esforços foram em vão. Em resposta à ameaça contrarrevolucionária, o presidente cubano Miguel Díaz-Canel se dirigiu ao país na cidade de San Antonio de los Baños e convocou os cubanos a retomar as ruas e defender a Revolução. Cubanos da ilha toda responderam ao chamado, indo às ruas em manifestações que superaram as marchas da oposição. O apoio ao governo foi tamanho que vários meios de comunicação ocidentais, como The Guardian, The New York Times, Fox News e o Financial Times usaram fotos de manifestações a favor do governo para ilustrar coberturas de protestos da oposição, fazendo parecer que as grandes massas apoiavam uma mudança de regime em Cuba.

A tentativa de tirar proveito das dificuldades geradas pelo bloqueio para impulsar mudanças no regime terminou sendo contraproducente. Supunham que o povo cubano acudiria massivamente às marchas da oposição; no entanto, as manifestações sinalizaram a legitimidade do governo e o apoio à Revolução. Até mesmo no propósito declarado de facilitar a derrocada do regime, o bloqueio tem sido um fracasso abjeto.

CUBA ALÉM DO BLOQUEIO

Durante sessenta anos o império estadunidense tem tentado submeter o povo cubano através da fome, e durante sessenta anos vem fracassando. Então, por que o bloqueio continua? Simplesmente porque os responsáveis políticos estadunidenses temem o potencial de desenvolvimento de uma Cuba socialista livre de sanções que a paralisem. Em um discurso proferido na ONU em 2004, o ex ministro cubano de Assuntos Internacionais Felipe Pérez Roque descreveu a situação da seguinte maneira:

[os Estados Unidos] temem nosso exemplo. Sabem que se o bloqueio chegasse ao fim, o desenvolvimento econômico e social de Cuba seria vertiginoso. Sabem que demonstraríamos ainda mais do que agora as possibilidades do socialismo cubano, todo o potencial ainda não aproveitado de um país sem discriminações de nenhum tipo, com justiça social e direitos humanos para todos os cidadãos, e não só para alguns poucos.

A oposição afirma que o governo cubano se apoia na desculpa do embargo para compensar o desgoverno e o inevitável fracasso do socialismo. Mas se este fosse o caso, por que não acabar com o embargo e ver se a hipótese se cumpre? Os Estados Unidos conhecem bem as vitórias da Revolução Cubana e não pode aceitar as ramificações de uma Cuba que prospera enquanto se mantem independente do seu próprio neocolonialismo.

Como todos os países, Cuba enfrenta uma série de problemas que incomodam e frustram seus cidadãos, e nem todos eles podem ser colocados na conta do embargo. Desde a burocracia que limita os desafios ao poder até a corrupção governamental, o país vive uma situação que não é ideal. A pandemia também causou estragos na indústria do turismo, uma fonte de ingressos crucial para Cuba, o que agravou a crise.

No entanto, o povo cubano tem demonstrado, na sua entusiasta defesa da Revolução, que não deseja uma mudança de regime. Pelo contrário, existe um amplo desejo de construir a Revolução e avançar, ao invés de retroceder aos dias de brutal exploração por parte do capitalismo gangster dos Estados Unidos.

Cuba se livrou de uma contrarrevolução, mas o bloqueio persiste e a subversão estadunidense continua. Enquanto o seu desenvolvimento for sufocado pelo império estadunidense, o povo cubano seguirá sofrendo consequências. Só há uma forma de aliviar o sofrimento de Cuba a longo prazo, e a demanda é universal: o bloqueio dos Estados Unidos deve terminar.

Este texto foi traduzido pela Cooperativa Ponto e Vírgula, em parceria com os Jornalistas Livres. Para consultas e traduções entre em contato pelo Instagram @pontoevirgulacoop ou pelo e-mail [email protected]

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