CORPO FECHADO, ESCOLA ABERTA: um exemplo de acolhimento ao medo de ataque a escolas

Escola Municipal da cidade de São Paulo é exemplo de união para o enfrentamento com amor e acolhimento diante do medo de ataques a escolas.
Foto: Carolina Mariano Pereira

Os ataques nas escolas do Brasil trouxeram receio e incertezas em relação à segurança e o dia 20 de abril mostrou ser uma data que merecia atenção. Boatos e mensagens sobre um possível ataque coordenado circularam e construíram uma insegurança na comunidade escolar entre coordenadores, pais, mães e estudantes.

O fato é que a data marca o aniversário do massacre de Columbine, escola nos Estados Unidos que viveu um atentado em 1999. Além disso, a data é também do aniversário de Hitler. Os boatos fizeram com que muitas escolas suspendessem suas atividades ou então propusessem atividades alternativas.

E para falar sobre essas formas de enfrentamento ao medo e insegurança, a Escola Municipal Amorim Lima, região oeste de São Paulo, mostrou muita força em um movimento inesperado para esta última quinta-feira: ocupar a escola com amor, coragem e acolhimento!

Segundo a professora Lorena, a escola já estava abalada desde o atentado à Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, inclusive pela proximidade física entre ambas as escolas, separadas por menos 4 quilômetros.

Foto tirada pela comunidade escolar.

Segundo Dionizio, pai de estudante da 4ª série, o medo foi colocado na mesa pelo próprio filho que, desde o início do mês, o relembrava diariamente de que no dia 20 de abril não iria à escola pois poderia haver um ataque. Assim como Dionizio, outros pais e mães da escola relatam ter vivido a mesma situação.

Acolhendo medos e construindo resistência

Foi no dia 15 de abril, durante a Festa dos Povos Originários, organizada pela escola, que alguns familiares se encontraram e compartilharam suas preocupações. No final desta tradicional festa, é sempre realizado um Toré, ritual multiétnico de povos originários que inclui uma dança circular, em fila ou pares, acompanhada por cantos e instrumentos. Neste momento, a comunidade escolar é convidada a participar da dança.

Segundo diversos pais e mães, o Toré foi momento importantíssimo de partilha e fortalecimento dos laços comunitários, fazendo com que entendessem que precisavam se unir neste momento.

Além disso, um outro elemento potente circulava pela festa: uma fanzine criada pela Comissão de Mediação de Conflitos (composta pela comunidade escolar) para abordar o tema do medo e insegurança nas escolas:

Fanzine produzida pela Comissão de Mediação de Conflitos junto à escola e distribuída na Festa dos Povos Originários no dia 15 de abril. Imagens: Carolina Mariano Pereira.

Carolina, mãe de aluna do 2º ano e uma das responsáveis pela fanzine, nos explica que a frase “Corpo Fechado, Escola Aberta” conecta um dos princípios do Toré ao contexto recente vivido nas escolas brasileiras.

Ainda durante a festa, as ideias de uma atividade diferenciada no dia 20 já foram articuladas e, em menos de 4 dias, organizaram a ocupação que ocorreu na escola.

Este sentimento também se tornou ação em outras escolas de São Paulo, que realizaram atividades e rodas de conversa para diminuir o receio em relação à segurança que atingia famílias e estudantes.

O sistema imunológico da comunidade entra em ação

Foto de Dionizio Bueno. Muro da Escola Municipal Amorim Lima.

Para a diretora da Escola Municipal Amorim Lima, Ana Elisa,

“o cuidado com as crianças é o de ajudá-las a não irem para o pior lugar (medo), fazendo com que possam perceber que são corajosas, que todo mundo tem que ter coragem e que é uma coisa que também temos que construir dentro da gente. E a ideia era que as crianças todas viessem para a escola e se sentissem cuidadas pelos pais, que vieram para a escola ajudar, pelos educadores que também estavam mexidos e com os funcionários, que também se envolveram. É a esperança, né? Usar o verbo ‘esperançar’, de Paulo Freire, que é quando a gente age pensando em coisas melhores”.

Ana Elisa também nos conta que foi publicada uma Carta Aberta à Comunidade Amorim Lima, produzida junto à Comissão de Mediação de Conflitos, para ajudar a comunidade a se conscientizar e acolher este momento perturbador que passavam:

“Temos a convicção de que a melhor forma de enfrentar este momento é nos fortalecendo como comunidade escolar que luta por uma educação democrática, movida pelos encontros, diálogos, escuta e confiança mútua. Cabe a nós, educadores e familiares desta Comunidade, a responsabilidade de sustentar a confiança nos laços que nos unem para enfrentar qualquer adversidade. Essa confiança nasce de dentro da escola, nas situações em que brota o sentimento de estarmos realmente de mãos dadas e acolhidos reciprocamente.”

(Trecho da Carta aberta à comunidade Amorim Lima)

Para Ana, membra da Comissão de Mediação de Conflitos, o desafio maior era “pensar em como utilizar esse momento conturbado para construir algo coletivo que respondesse a isso. A atividade do dia 20 promoveu oportunidade de acolhimento de diversos públicos da comunidade escolar: roda de conversa com crianças, conversa dos familiares com psicóloga, conversa dos professores etc”.

O sentimento de como lidar com a situação foi rapidamente expandido para toda a comunidade da escola, revelando um mesmo olhar compartilhado entre muitas pessoas. Este sentimento é reforçado pela professora Lorena, que garante que a atividade é só um começo (ou um meio-contínuo) de práticas contra a violência, que já é a forma de atuação da Amorim Lima há muitos anos.

Este modelo de enfrentamento ao medo e insegurança criou um fortalecimento importantíssimo para a escola. Para o pai Angelo, “a Amorim é muito maior do que qualquer ato de violência. Ela é uma comunidade materializada. Um organismo vivo”.

Ou, como muito bem ilustrado pelo pai Dionizio:

“Se a gente pode pensar as comunidades como seres vivos, o que vimos na Amorim, essa união, foi uma resposta do sistema imunológico dessas comunidades.”

Foto tirada pela comunidade escolar.

O dia 20 de abril na Escola Amorim Lima tornou-se, então, um dia de ocupação com atividades diversas entre a comunidade escolar: as crianças compareceram com seus pais, houveram falas e trocas entre pais e professores e atividades artísticas pelo prédio da escola, como o estencil com a frase “Corpo Fechado, Escola Aberta”, pintado no muro da entrada.

Diante de tantas incertezas, medos e inseguranças, a resposta desta comunidade escolar e de diversas outras por São Paulo e Brasil mostrou ser um forte dispositivo para unir, acolher e combater com amor.

É preciso agir para que a esperança se torne verbo, justamente como a diretora Ana Elisa lembrou nos dizeres de Paulo Freire:

“Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”.

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