Contra a privatização da água

por Adriana Castro (texto e fotos), especial para os Jornalistas Livres

Durante a abertura do 8º Fórum Mundial da Água, na manhã desta segunda-feira (19/3), Michel Temer informou que o governo trabalha em um projeto de lei cujo objetivo é “modernizar” o marco regulatório do saneamento básico. Sem mais detalhes, a proposta causou reações imediatas.
A informação não é novidade, mas acende o alerta vermelho. Sindicatos ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) adiantam que a proposta temerosa nada mais é do que Medida Provisória do Saneamento, que abre as portas do setor para a privatização nos municípios superavitários e o sucateamento ainda maior dos municípios deficitários, onde os serviços já são ruins. Esse é o futuro “moderno” do saneamento no país, caso seja aprovada a Medida Provisória.

Água não é mercadoria

Com visões de mundo diametralmente opostas e divergentes, dois grandes eventos – o 8º Fórum Mundial da Água e o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) – acontecem simultaneamente em Brasília. O primeiro, conta com patrocínio da Petrobras e Nestle, do combalido Sistema Único da Saúde/Funasa, da Sabesp, da Eletrobras e custo, não confirmado, de 120 milhões. De euros… São mais de 40 mil participantes, o que esgotou a capacidade da rede hoteleira na cidade. Cada participante tem que desembolsar algo em torno de dois mil reais para a inscrição.

Já o FAMA, promovido pelos movimentos sociais, sindicatos e organizações da sociedade se pagou por meio de doações, a entrada é gratuita e reúne seis mil participantes no Parque da Cidade, com 38 delegações estrangeiras e representantes de todas as regiões brasileiras.

A discussão central é uma só: a privatização da água. “Água é direito não mercadoria” é a bandeira do Fórum Alternativo Mundial da Água que até quinta-feira irá debater e propor políticas públicas e mobilização nacional contra a privatização da água.

A ideia é enfrentar a onda de privatização empreendida pelo governo golpista, que atualmente mira o saneamento básico e os setores de água e energia, este expresso na venda da Eletrobras e no desmonte da Petrobras.

Mas os ataques não são apenas do Executivo. Aberto à consulta pública, o projeto de lei nº 495/2017, do senador tucano Tasso Jereissati cria “o mercado da água”.

No FAMA há o consenso de lutar por um modelo público e de qualidade. E argumentos não faltam para embasar a proposta. Nos últimos anos vários serviços de água foram municipalizados. Na França, por exemplo, já são 106 municípios que retomaram da iniciativa privada os serviços de abastecimento d’agua. No mundo todo são 267 casos nos Estados Unidos, Alemanha, Argentina e Canadá.

Água para matar a fome

Rosmari Malheiros, diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), reafirmou a importância da água na produção de alimentos. Levar alimentos a mesa dos brasileiros é algo feito por pequenos e médios agricultores, responsáveis por plantar em torno de 70% de tudo que comemos.

Ela adiantou que os movimentos sociais do campo e da cidade estão unidos. “Vamos lutar pela não-mercantilização da água”, garantiu. Não só os agricultores. Os indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, estão representados no FAMA. Nesta terça-feira, por exemplo, os jovens Krenak participam de debates sobre o impacto do crime da Samarco na terra indígena em Resplendor (Minas Gerais). Passados dois anos do “acidente”, os Krenak dependem de caminhões-pipa para o abastecimento. Os peixes do rio Doce desapareceram há dois anos, anteriormente base da alimentação da população indígena.

No último final de semana, mais de 200 atividades foram realizadas na Universidade de Brasília (UnB). A programação continua até quinta-feira, desta vez no Parque da Cidade. Caravanas de todo canto do país ainda estão chegando. Serão mesas de debate, atividades culturais e a plenária final com a redação e votação do documento final.

A luta pela água em Correntina, Bahia

Na Bahia, a luta popular contra a privatização da água no município de Correntina, a 920 km
de Salvador, tem sido um dos destaques da atualidade.

O geraizeiro Jamilton Santos de Magalhães, da comunidade Fundo e Fecho de Pasto, conhece de perto o drama de quem precisa concorrer com a força política e econômica do agronegócio.

Para se ter uma ideia, os ruralistas respondem por cerca de 75% da captação de água de toda a Bacia do Rio São Francisco, responsável pelos afluentes que deságuam na região. A atividade compromete diretamente o acesso ao recurso por parte dos segmentos populares.

“Todo mundo sabe que, quando o agronegócio chega, muda tudo num local, aí a comunidade precisa lutar muito pra poder consumir água e pra manter o cerrado de pé. É uma luta dura, mas nós somos guardiões do cerrado e vamos continuar, porque ninguém pode morrer de sede estando na margem de um rio”, desabafa o geraizeiro.

A privatização e a contaminação dos recursos hídricos comprometem diretamente a manutenção dos biomas. No caso do cerrado, mais de 50% da área já foram destruídos. Segundo pesquisadores que atuam na região Centro-Oeste, todos os anos cerca de dez córregos ou rios desaparecem por conta do desequilíbrio ambiental. “Se a gente não aprender a preservar isso, as consequências serão ainda mais graves no futuro”, sublinha Isolete Nichinieski.

O bioma tem um valor central para o meio ambiente e é responsável pela distribuição de boa parte da água que abastece o Brasil e a América do Sul. É dele que nascem os principais rios brasileiros, com destaque para as Bacias Amazônica, do São Francisco e do Prata.

Água pode significar morte!

“Em decorrência do sistema capitalista que exclui a maioria da população do direito à cidadania e do acesso às fontes essenciais, o quadro mundial de distribuição do consumo de água é aterrador.
De acordo com o Relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado em julho de 2017, mais de dois bilhões de pessoas, que representa cerca de 30% da população mundial, não têm acesso à água potável.

Além disso, mais de 60% não são atendidas por serviços seguros de saneamento – dessas, 160 milhões tem como única alternativa o consumo de água não tratada de fontes superficiais, como córregos e lagos. Como resultado, 361 mil crianças morrem com menos de 5 anos devido à diarreia.

Há também o alarmante número de 263 milhões de pessoas que se deslocam mais de 30 minutos para ter acesso a uma fonte segura de água. Nesse caso, é importante frisar a questão de gênero, já que a maioria desse montante é de mulheres, historicamente responsabilizadas pelos serviços domésticos e de cuidados. São diversos os exemplos ao redor do mundo de mulheres que caminham quilômetros com recipientes de água na cabeça para abastecer as necessidades para a reprodução da vida.

Precisamos utilizar esta semana para expor todos esses casos de violação dos direitos fundamentais do ser humano, mas, sobretudo, reunir forças para continuar na luta em defesa da água e da vida.”

(Da Assessoria de imprensa / FAMA – http://fama2018.org/2018/03/19/agua-e-direito-nao-mercadoria/ – por Guilherme Weimann, jornalista e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); integra a equipe de comunicação do FAMA.)

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