Concurseiros decidem os destinos da Nação

Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia

Durante cinco anos, trabalhei em uma das maiores universidades particulares do Brasil. Aquela onda operário, professor horista, salário dependendo da quantidade de turmas.

Lecionei para tudo quanto foi curso: moda, administração, pedagogia, história, direito.

O curso de direito é o grande filão de mercado desse tipo de empresa. Duas coisas sempre me impressionaram, desde a primeira vez em que atuei no curso de direito: as expectativas dos alunos e o perfil dos professores.

A grande maioria dos alunos não buscava os estudos jurídicos movida pela ideia de vocação ou pela vontade de estudar as leis como um exercício de compreensão da realidade. Quase todos viam a universidade como um tipo de curso preparatório para concursos públicos.

O concurso público era visto como um fim em si, e não como uma forma de ter acesso ao emprego público e colaborar com a sociedade. O objetivo era o emprego público, pouco importando qual fosse o cargo ou a natureza do trabalho.

Não havia muito interesse em discutir, em ler nenhum assunto que não fosse considerado algo absolutamente necessário para o sucesso no concurso público. O curso de direito naquela universidade particular era pouco mais que isso: fábrica de concurseiros.

O pior é que a mentalidade dos professores, dos meus colegas, não era muito diferente. Não era mesmo.

Convivi com Delegados, Juízes, Advogados, Procuradores, Desembargadores. Uma gente bem vestida, os homens trajando terno e gravata, as mulheres com saia social, saltão.

Alguns eram um tanto cafonas: relógios grandes e dourados, bolsa com estampa de vaquinha, de oncinha. Confesso que de vez em quando eu debochava mentalmente. Ora ou outra nem tão mentalmente assim. Acho que por isso a galera não gostava muito de mim.

Enfim.

Fato é que a convivência sempre foi tensa, agônica, conflituosa, principalmente depois de 2014, quando a crise institucional ficou mais aguda. A sala dos professores se tornou um verdadeiro círco de horrores.

Colegas, professores, que não cultivavam hábitos intelectuais, que não tinham interesse em nada que não tivesse diretamente relacionado ao seu cotidiano de trabalho: não liam literatura, não visitavam exposições de museus, não consumiam cinema, não frequentavam teatros.

Sempre aqueles códigos criminais pesadíssimos na mão, só os códigos. Nenhum Gabriel Garcia Marques, nada de Clarice ou Guimarães Rosa. De Machado de Assis só ouviram falar.

Vivem nomalmente sem conhecer os filmes de Woddy Allen, Almodóvar, Scorsese, sem ter quase contato com os grandes empreendimentos da inteligêngia humana.

Os profissionais mais importantes para a manutenção do contrato social não têm formação humanista, nenhuma formação humanista.

A maior parte dos meus colegas, que tem a função de arbitrar o conflito social, de zelar pelo bem comum, trata a lei como um manual, como uma receita de bolo.

E aí vocês podem imaginar, né? O círculo vicioso se completa: os alunos chegam com mentalidade de concurseiro e isso é alimentado pelos professores.

Resultado: todo semestre a universidade não diploma operadores do direito, pessoas sensíveis às questões sociais, capazes de tratar a lei como aquilo que ela é: um complexo experimento sociológico. A universidade forma concurseiros.

Concurseiros formando concurseiros. Todos preocupados em marcar o “X” no lugar certo e assim garantir um emprego estável e os privilégios que o Poder Judiciário entrega numa bandeja aos seus servidores.

São essas pessoas que estão decidindo os destinos da nação. Somos a República dos Concurseiros.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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