Após a empresa Mercedes-Benz anunciar, na última terça (6), a demissão em massa de 3.600 funcionários, os trabalhadores da fábrica decidiram paralisar as atividades. Caso as demissões se tornem definitivas, até 18 mil pessoas da região do ABC devem ser afetadas. Nesta quinta-feira (8), o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC organizou uma assembleia para discutir os termos da negociação com a Mercedes-Benz. Entre os trabalhadores, foi combinado que, como forma de protesto, as atividades da fábrica seriam interrompidas até a próxima segunda.
A assembleia contou com a presença de pelo menos 6.000 trabalhadores na porta da fábrica, quase dois terços do total de funcionários. Quando a montadora anunciou os cortes, os metalúrgicos foram pegos de surpresa.
A empresa explicou em nota que a demissão em massa dos trabalhadores faz parte de um projeto de reestruturação da Mercedes. “Vamos deixar de produzir internamente alguns componentes e deixar de exercer atividades que podem ser realizadas por outras empresas parceiras, tais como: logística, manutenção, fabricação e montagem de eixos dianteiro e transmissão média, ferramentaria e laboratórios…”. Trata-se, sobretudo, de uma redução de custos. “Na verdade o sonho de qualquer empresa, ainda mais montadora, é terceirizar para ficar com um menor custo fixo possível.”, manifestou Moisés Selerges, o presidente do sindicato.
No fim do ano passado, a Mercedes-Benz anunciou a chegada de um novo presidente, o alemão Achimm Puchert, de 42 anos, que assumiu no primeiro dia de 2022. Moisés Selerges explicou aos Jornalistas Livres que a paralisação dos trabalhadores foi também uma demonstração ao novo chefe. “Foi no sentido de mostrar para ele que tem uma tradição aqui no canto dos Metalúrgicos do ABC de mobilização muito forte. Então a gente estava apresentando para ele como funciona aqui em São Bernardo”.
Além disso, para o presidente do sindicato, a linha votada na assembleia é um protesto contra a noção de que as decisões da empresa devem ser tomadas de forma unilateral, nesse caso, pelos patrões. “Uma negociação pressupõe uma construção. Uma negociação tem que partir do pressuposto que você tem que respeitar os seus interlocutores. (…) Ninguém vai negociar trazendo um prato dizendo que eu tenho que comer esse prato, né?”, contou o presidente.
“Eles começaram mal esse processo de negociação a partir do momento que o presidente da companhia falou na imprensa de um jeito que parecia que já tinha demitido 3.600 trabalhadores”, continuou.
Achmimm Puchert, após comunicar na terça (6) a demissão dos trabalhadores, disse aos funcionários que a decisão havia sido aprovada pela direção da Alemanha. Moisés, entretanto, diz que o presidente da empresa no Brasil se esqueceu que quem tem que também aprovar são os trabalhadores daqui. “Então a decisão desta quinta foi um chumbo trocado”.
Na próxima terça-feira (13), a direção da Mercedes-Benz e representantes do Sindicato terão uma reunião de negociação. Moisés está esperançoso. “Olha, já passamos algumas experiências semelhantes em alguns momentos, nós vencemos, em outros não. Mas eu costumo dizer que nós temos mais vitórias do que derrotas. (…) Mas a única certeza que eu tenho é que o sindicato dos trabalhadores vai fazer tudo o que for possível para manter os empregos naquela fábrica.”
O que a demissão em massa dos metalúrgicos da Mercedes significa?
O anúncio da Mercedes-Benz sobre a demissão de 3.600 trabalhadores, caso se torne uma decisão definitiva, pode provocar uma série de impactos socioeconômicos na região. Ao realizarem demissões em massa, as empresas afetam diretamente a qualidade de vida de toda a comunidade local, uma vez que milhões de reais deixam de circular no setor de serviços.
Um estudo feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em 2019 demonstra que, a cada demissão no ABC, cinco trabalhadores são impactados dentro da cadeia automotiva. Assim, o efeito dos desligamentos na Mercedes atingiria 18 mil profissionais. “O impacto não é só para São Bernado, mas na própria cadeia, né? Porque um caminhão fabricado vão vários elementos, borracha, eletrônico, plástico e enfim. Porque a partir do momento que o trabalhador é demitido, ele não tem salário. Se ele não tem salário, ele não consome, se ele não consome, o comércio não vende e por aí vai né?”, disse o presidente do Sindicato.
Para Renato Assad, geógrafo e candidato a deputado federal pela Bancada Anticapitalista, o anúncio da Mercedes-Benz faz parte de um recorte mais amplo, que é o processo de desindustrialização nacional. “Faz parte desse processo, por exemplo, o fechamento da Ford”. Em janeiro de 2021, quando a Ford anunciou o fim de suas atividades no país, os cálculos do Dieese indicaram a perda de cerca de 100 mil outros postos na cadeia produtiva vinculada à produção automotiva.
A decisão da Mercedes, ao contrário do caso da Ford, visa manter a produtividade da empresa. A medida, entretanto, não é um caso isolado e faz parte de um processo característico do capital de redução de custos através da terceirização dos serviços.
Assad lembra que é com a reforma trabalhista do governo Temer que essas terceirizações, como as da Mercedes-Benz, passam a existir no país. “É muito mais vantajoso você terceirizar do que arcar com os direitos do trabalhador. É uberização do trabalho. (…) Então você não tem que pagar nenhum direito trabalhista, você não tem contrato salarial com a empresa e ela se exime de qualquer responsabilidade trabahista”. Para o geógrafo, é apenas através das greves que podemos reverter esse cenário.