Base de Alcântara e a violação de direitos dos povos quilombolas

imagem por Paulo Hebmüller

Texto por Pedro Borges – Agência Alma Preta

 

Comunidades quilombolas da região de Alcântara se colocam a favor do desenvolvimento espacial do país desde que tenham direitos garantidos; Bolsonaro firmou acordo com Trump para o governo americano usar a base e depende de aprovação do congresso nacional.

“Não somos contra o desenvolvimento. O que não se admite é acabar com o direito quilombola à terra”, afirma Danilo Sérgio, quilombola de Alcântara, cientista político e crítico das violações de direitos humanos sofridas pelo grupo na região.

O temor dos quilombolas com o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) cresceu depois da visita de Jair Bolsonaro (PSL) aos Estados Unidos para diálogo com Donald Trump. O presidente brasileiro formalizou, em 18 de março, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) para que os norte-americanos tenham o direito de utilizar o território para o lançamento de foguetes.

O novo projeto de Jair Bolsonaro permite uma expansão da base, que ocuparia toda a costa de Alcântara, 12.645 hectares, o equivalente a 8.978 campos de futebol. O resultado provocaria a remoção de 792 famílias e restringiria o acesso ao mar aos habitantes locais. A proposta, que precisa ser votada pelo Congresso Nacional para que seja aprovada, impactaria mais de 150 comunidades de todo o território.

A deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG) visitou a região para entender a realidade dos quilombolas. Diante dos relatos de violações de direitos, ela promete fazer oposição ao avanço da base sobre as áreas e os direitos dos povos locais.

“É uma luta muito difícil e pesada, mas que aqui no Congresso a gente tem condição sim de fazer pressão, denunciar as partes complicadas desse acordo, garantir que haja um processo de consulta prévia, livre e formada para as comunidades quilombolas opinarem sobre o que elas querem”, afirmou.

O governo brasileiro, como tem feito em outras pautas delicadas, caso da reforma da previdência, produziu 2.000 unidades de material publicitário intitulado “Conhecendo o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas Brasil e EUA”, sob o valor de 26 mil reais. O objetivo é o de convencer a sociedade e os demais deputados sobre os benefício do acordo.

Imagem por Ana Mendes.

Violações de direito

A cidade de Alcântara convive desde o início dos anos 1980 com o CLA. O terreno, privilegiado para o lançamento de foguetes ao espaço por conta da proximidade da linha do Equador, pode economizar até 30% de combustível no envio de uma aeronave para fora da órbita terrestre. A proximidade com o mar também facilita a chegada de materiais e equipamentos.

Esse cenário, favorável para o desenvolvimento de tecnologia espacial, convive com um histórico de violações de direitos humanos.

Danilo Sérgio relata que o cerceamento de alguns direitos, como o acesso ao mar, fazem parte da rotina das comunidades e têm impacto negativo na economia local.

“Em períodos de operações de lançamento de foguetes, entre 20 e 40 dias, as comunidades são proibidas de acessarem o mar, sob o argumento segurança. No entanto nenhuma medida compensatória é apresentada para suprir isso, haja vista que o mar é a principal fonte de renda e alimentação destas comunidades”, pontua.

Parte dos quilombolas deslocados para a construção do CLA dependem de “corredores de pesca” para terem acesso ao mar. Com a aprovação do projeto, esse acesso será controlado por órgãos brasileiros e “empresas envolvidas no lançamento”, conforme explicaram os ministérios envolvidos em resposta ao requerimento apresentado pelo PSOL.

“Com a remoção das famílias e os demais impactos, pode-se comprometer a soberania e a segurança alimentar dessas comunidades e os seus vínculos sagrados com seus territórios”, explica Áurea Carolina.

Quando retiradas dos territórios, as famílias são assentadas nas chamadas agrovilas, locais descritos de maneira negativa pelos quilombolas. Os terrenos ficam a 10 quilômetros de distância do mar, em terras inférteis e insuficientes para o desenvolvimento das atividades econômicas. Alguns dos resultados desse deslocamento foram o agravamento da pobreza, a ruptura dos laços comunitários, e a fragilização das manifestações culturais da região.

Imagem por Matt McClain

Diante de todas essas restrições, Danilo Sérgio acredita ser fundamental que os quilombolas participem da gestão do espaço e sejam beneficiados com o CLA.

“O atual modelo de gestão não inclui as comunidades como sujeitas dos benefícios gerados pelas atividades desenvolvidas pela base. É preciso que pensemos meios de compensar e de permitir que as comunidades participem, inclusive, dos lucros gerados pela Base Espacial”.

Outro ponto tido como fundamental pelos quilombolas é a demarcação e titulação das terras. A justiça federal já determinou que o Estado brasileiro realize esse processo, o que ainda não ocorreu.

“As terras até hoje não foram intituladas, como foi prometido pelo Estado brasileiro. As pessoas sofrem os prejuízos e danos desse processo etnocida, que continua em curso e só está sendo aprofundado”, critica a deputada federal.

Os impactos ambientais da base também chamam atenção, apesar de ainda imensuráveis. Ao longo dos 39 anos de funcionamento do centro, não se produziu qualquer estudo de impacto ambiental.

“A sociedade alcantarense não pode mensurar e dimensionar os danos gerados ao ambiente e às pessoas a cada operação de lançamento de foguetes. É grave que isso ocorra. Mais grave ainda é querer avançar em acordos com outros países sem que se resolva esta questão” aponta Danilo Sérgio.

 

Centro da cidade de Alcântara, vista do Porto do Jacaré Sérvulo Borges, liderança quilombola. A rua que se vê é a ladeira do Jacaré, tem este nome porque no período escravocrata os escravos saiam dos barcos carregando latas de Querosene Jacaré. As pedras da rua, são conhecidas como ‘cabeça de negro’. – Maranhão.

Ações internacionais

Os quilombolas têm agido no âmbito internacional para denunciar as violações ocorridas em Alcântara.

Em Maio, Membros da Associação de Estudos Latino Americana (LASA) emitiram nota de apoio. De acordo com o texto emitido, a ação se trata de uma ameaça aos “direitos territoriais e as vidas de muitas comunidade afro-brasileiras de quilombos da região”.

Os quilombolas de Alcântara denunciaram os novos planos de expansão do governo brasileiro à Organização Internacional do Trabalho (OIT).

De acordo com o texto, as ações estatais contradizem os Artigos 6 e 15 do Convenção nº 169 da OIT, onde está previsto que as comunidades quilombolas devem ser consultadas sobre projetos que podem afetar seus territórios e modos de vida.

Os ministérios envolvidos afirmam que as comunidades não foram consultadas
sobre o AST porque o projeto não trata sobre questões fundiárias e não afeta diretamente as comunidades locais.

Para o órgão internacional, os quilombolas demandaram a finalização do processo de titulação do território e pediram que a OIT constranja o Estado Brasileiro a não realizar qualquer tipo de atividade de expansão da área do CLA antes que a titulação esteja concluída.

 

imagem por Paulo Hebmüller

História de violações

O projeto apresentado por Jair Bolsonaro (PSL) não foi o primeiro a propor uma parceria entre o Brasil e outro país para a utilização do terreno.

Em 2000, Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República, fez um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) com os Estados Unidos (EUA), que permitiu a utilização do CLA. A Câmara dos Deputados, porém, entendeu que o combinado feria a soberania nacional e vetou o projeto.

Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, também firmou um acordo com a Ucrânia para o desenvolvimento e operação do lançamento de foguetes no território. O projeto durou menos de dois anos e terminou sem êxito, por conta de problemas financeiro e operacional.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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