Uma no cravo, outra na ferradura. É assim que algumas figuras de destaque nos governos após o golpe de 2016 tentam se livrar da pecha de bolsonaristas e buscam manter o poder e a posição adquiridos nos últimos seis anos. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, perdeu vários bilhões do Orçamento Secreto mas continua com o controle de verbas milionárias para partidos e parlamentares e sendo o único com poder de colocar em votação os pedidos de impeachment do Presidente da República e abrir processos de cassação de colegas. Ainda assim, apesar dos apelos da oposição, fez um aceno forte ao governo ao conseguir nesse dia 25 de abril aprovar a urgência no Projeto de Lei das Fake News que “dormia” na Câmara há três anos.
Da mesma forma, a Procuradoria Geral da República, única entidade com poder de oferecer denúncia contra o Presidente da República, que até junho do ano passado já havia arquivado mais de 100 pedidos de investigação do Supremo Tribunal Federal contra Bolsonaro, trabalhou durante o fim de semana para em apenas três dias pedir a condenação, cassação e prisão do ex-juiz, ex-ministro e atual senador Sérgio Moro (UB-PR), desafeto declarado do Presidente Lula, por calúnia contra o ministro do STF Gilmar Mendes.
Além desse “agrado” ao novo governo, o atual Procurador Geral da República, Augusto Aras, também tem se movimentado midiaticamente para tentar uma recondução ao cargo quando seu mandato acabar em setembro de 2023. Nesse dia 26 de abril, por exemplo, artigo no jornal Valor Econômico afirma, sem citar os nomes, claro, que “alas influentes do PT, sobretudo na Bahia e em São Paulo, têm defendido um novo mandato para o PGR, inclusive em conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)”. Para justificar a manchete de torcida “Aras tem chance de permanecer na PGR”, o jornal diz ainda que “pesam a favor de Aras a relação privilegiada com o Congresso, especialmente o Senado, e uma alegada falta de opções nos quadros do Ministério Público Federal (MPF)”. A “reportagem”, com cheiro de plantada, foi inclusive repercutida em veículos digitais da esquerda.
Para garantir essa recondução ao cargo, contudo, outro ponto fundamental seria municiar a imprensa com uma “arma” tão “inquestionável” quanto é atualmente a recentíssima “independência do Banco Central” para a manutenção do mais que bolsonarista Roberto Campos Neto como presidente e sua taxa de juros real muito acima de qualquer outra no planeta. Essa arma pode ser a “sacrossanta” Lista Tríplice da Procuradoria, com nomes escolhidos pelos membros do Ministério Público Federal para a PGR. A lista não é uma obrigação legal, mas sempre foi respeitada por Lula e Dilma Roussef, conduzindo ao cargo inclusive Rodrigo Janot, um dos mais atuantes no golpe de 2016.
Bolsonaro ignorou solenemente a lista na primeira escolha e na recondução de Aras, considerado por todos como um aliado seu, e nunca foi seriamente questionado por isso. O PGR sequer fez parte da última lista tríplice, encabeçada pela subprocuradora Luiza Frischeisen e completada pelos subprocuradores Mario Bonsaglia e Nicolao Dino. Mas com Lula é diferente! Desde a campanha eleitoral, a imprensa vem exigindo um “republicanismo” que havia sido esquecido nos últimos seis anos.
Contudo, se até recentemente era tão malvisto entre alguns colegas do Ministério Público Federal, como Aras pretende encabeçar a lista e fornecer essa arma à mídia? Bem, nesse caso, talvez algum dinheiro imediato na mão dos procuradores ajude. Ao menos essa parece ser a estratégia na recente mudança de regras para indenização de férias não cumpridas. Já há muitos anos os procuradores têm direito a 60 dias de férias a cada 12 meses trabalhados. A portaria que regulamenta atualmente as férias desses servidores, a 591, foi originariamente promulgada em outubro de 2005 pelo então PGR Antonio Fernando Barros e Silva de Souza e alvo de 16 pequenas alterações entre 2008 e 2022, sendo a maioria, nove, depois de 2016. Mas em 13 de março último, Aras revogou parcialmente a portaria realizando algumas mudanças mais profundas.
A principal alteração está logo no terceiro parágrafo do artigo primeiro. Na redação de 2014, o prazo de prescrição para pagamento de indenização de férias não tiradas era de cinco anos. No novo texto, essa prescrição cai para dois anos. Ou seja, para os procuradores não perderem o direito ao dinheiro que poderia ser pago nos próximos três anos, a PGR está agilizando a transferência de valores a todos que teriam férias não gozadas em 2021 antes de setembro, quando termina o mandato atual de Aras. Afinal, coincidentemente, pela nova redação do parágrafo primeiro do artigo quarto, “As escalas de férias dos membros dos (SIC) serão organizadas semestralmente até 15 de março e 15 de setembro, de acordo com o período indicado pelo interessado, observada a preferência pela ordem de antiguidade na carreira”.
Além disso, a nova redação inclui no pagamento da indenização um terço adicional do valor, o que não estava previsto na portaria original, causando alguma confusão no setor financeiro. E a coisa não para por aí. Apesar da portaria continuar exigindo o gozo ou indenização cronológica do direito de férias, a PGR não está considerando folgas efetivamente gozadas em 2023, alegando que não são relativos a 2021 ou 2022 e, portanto, requisitando as indenizações “devidas” acrescidas de um terço do salário. Certamente muitos benefícios recebidos ou que deixarem de ser pagos serão judicializados mais pra frente, ainda mais se tratando de uma categoria em que todos são advogados e para quem direitos adquiridos são sagrados. Mas isso não parece preocupar Aras, mais atento a outras possíveis movimentações políticas.
Confira abaixo a Portaria 591 com todas as alterações desde sua publicação original:
Uma resposta
Muito boa e necessária matéria! Não confio nesse senhor Aras e com certeza o nosso presidente também não.