Negros. Jovens (às vezes muito jovens). Pés no chão. Periféricos, esquecidos e invisíveis (até serem presos). Estes são os “traficantes” com os quais nos deparamos diariamente na Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes da Polícia Civil do estado do Espírito Santo, onde atuo como Delegado de Polícia adjunto.
Apesar dos êxitos e recordes de apreensões alcançados por esta unidade especializada, a sensação que temos é de que o tráfico e o consumo de drogas alçam voos cada vez mais altos, e nos sentimos impotentes diante do quadro social que nos é apresentado a cada dia.
Muito nos questionamos quando autuamos um jovem como este por tráfico de drogas, pois sabemos que esse microtraficante é um fantoche e peça de reposição dos verdadeiros engenheiros desta máquina que gera mais de 500 bilhões de dólares por ano no mundo, em uma estimativa modesta.
Apreensão de drogas no Paraná 23/11/2015. Foto Política Federal
Por outro lado, quando apreendemos uma grande quantidade de drogas temos a percepção de que nos tornamos “sócios” dos grandes traficantes monopolistas, pois reduzimos a oferta e indiretamente aumentamos o preço final. Em uma análise mais detida, nós percebemos que azeitamos esta injusta engrenagem, produzindo maiores ganhos financeiros na ponta do iceberg e afundando cada vez mais a base etiquetada (composta por uma clientela preferencial, sem nome e sem rosto: a pobreza).
O cárcere capixaba (composto por 30% de homens e 50% de mulheres presos por tráfico, isso sem contar os delitos orbitários e conectados ao tráfico, como a receptação, o roubo, o furto e o porte de armas) não suporta mais fazer a manutenção das mesmas peças que há cem anos são quebradas e consertadas: todos os dias são lançados ao recolhimento homens e mulheres que nada sabem a respeito de branqueamento de capitais, movimentações financeiras e outros crimes de submersão, apenas se dedicando a vender produtos (drogas declaradas ilícitas) para um mercado cada vez mais ávido. O que não se entende é por que ao lado da chamada “boca-de-fumo” existe uma padaria que vende drogas lícitas com efeitos mais drásticos à vida humana do que algumas drogas definidas como proibidas por critérios meramente políticos.
Curitiba, 22 de dezembro de 2015 fotos da operação deflagrada nas cidades de curitiba e colombo que visa a prisao de traficantes no centro da cidade. Foto AGNPr
O holocausto urbano se intensifica a cada dia, e nas trincheiras de nossa guerrilha observamos um Estado que tenta desesperadamente conter o avanço do “inimigo”, e para tanto corpos vão ao solo em velocidade comparável às guerras declaradas. Policiais repostos. Traficantes repostos. “Facções” nos jornais. Mais um dia.
O curioso é que essa “guerra particular” geralmente não conta com mecanismos que permitam a celebração da paz. Tratar segurança pública apenas com repressão é admitir que viveremos para sempre em estado de beligerância: não há resposta armada que detenha uma legião de pessoas que querem se juntar à massa consumista, buscando visibilidade e conforto nesta escravidão dos novos tempos. Uma das soluções, entre tantas outras, é investir pesadamente na educação para salvar as próximas gerações do “alistamento” e “serviço militar obrigatório” no tráfico de drogas.
Hoje é mais fácil comprar drogas ilícitas do que lícitas em algumas circunstâncias (em meu estado, os supermercados e comércio em geral não funcionam aos domingos). Portanto, domingo à noite, e teremos uma padaria para comprar cigarros? Não. Mas temos um ponto de venda de drogas declaradas ilícitas funcionando 24 horas ao lado. Supor que vamos vencer apenas com políticas de enfrentamento, sem analisar toda essa miríade de circunstâncias socioculturais, é ter uma visão estreitada do problema.
A proibição de algumas drogas declaradas proibidas deve ser debatida e repensada, pois permitir que o traficante tenha monopólio na produção e venda destes produtos é incrementar a violência e insistir em uma política de repressão que não se justifica e não atinge seus fins, já tendo se verificado há décadas sua ineficácia. Essa nos parece uma outra solução que poderá reduzir as baixas em nossos embates urbanos modernos.
Sem proibição não há tráfico ilícito e monopolizado. Sem tráfico não há violência. Sem violência não há perda de “soldados” neste conflito renitente. Que convidemos ao combate os generais.
FÁBIO PEDROTO é Delegado de Polícia no estado do Espírito Santo, professor universitário e mestrando em Segurança Pública pela Universidade de Vila Velha.