As panelas
Por Dirce Waltrick do Amarante*
O feijão cozinhava e, na sala de estar, em frente a uma estante comprida que acomodava uma televisão de 55 polegadas (comprada em 24 prestações) e muitos porta-retratos com fotos da família na Disney, as contas se acumulavam sobre uma mesinha de centro.
Tomou coragem e as abriu: luz, água, plano de saúde… O salário não dava conta de todas.
Na TV, o jornal anunciava a alta do dólar (Disney ficaria para sempre na lembrança), a volta insidiosa da inflação e a corrupção ostensiva. Parecia o retorno dos anos 80: “Logo voltarão as mangas bufantes, as ombreiras, as polainas e o cabelo repicado”, pensou e revoltou-se! Iria bater panela, estava mais do que na hora!
Chegando na cozinha, percebeu que só lhe sobrara uma panela, justo aquela na qual o feijão cozinhava. E as outras? Haviam sido descartadas, depois de terem sido amassadas por golpes furiosos em 2016.
Restava-lhe comer o feijão enquanto ainda pudesse pagar por ele.
*Fervendo de raiva.
Uma resposta
Texto maravilhoso!