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A REFUNDAÇÃO DO ANTIPETISMO

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Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Edu

 

Que o antipetismo é elemento eleitoral decisivo no Brasil não é nenhuma novidade. Mas nessas eleições aconteceu algo diferente. Assistimos a refundação do antipetismo. O antipetismo se transformou, foi tratado em outros termos e passou a ter novo dono. É esse novo antipetismo que analiso neste ensaio.

Pra isso, apresento uma breve história do antipetismo. Aquela velha e boa síntese histórica que sempre ajuda a colocar as ideias em ordem. O conhecimento histórico é útil à vida.

O primeiro antipetismo

O primeiro antipetismo explica em parte a vitória de Fernando Collor de Melo, lá nas eleições de 1989. Naquela altura, o antipetismo ainda estava muito marcado pelo anticomunismo típico dos tempos da Guerra Fria, algo que na bibliografia especializada costuma ser chamado de “marcarthismo”.

Na época, Lula era pintado pela grande mídia como um revolucionário comunista que atacaria a propriedade privada.

Aqueles eram os tempos do “Consenso de Washington”, que em 1989 reuniu o FMI, o Banco Mundial e o Departamento de Tesouro dos EUA para apresentar uma agenda de austeridade econômica e desmonte do Estado para o mundo, especialmente para a América Latina.

A candidatura de Fernando Collor de Melo representava a agenda do Consenso de Washington. O PT era o antagonista dessa agenda. Temos aí a origem do antipetismo. Na real mesmo, não tinha nada a ver com o “comunismo”, mas sim com a atuação do PT na resistência à implantação de uma agenda neoliberal no Brasil.

Esse ranço anticomunista sobreviveu e continua sendo um dos elementos formadores do novo antipetismo. Esse é um ponto em comum entre o primeiro antipetismo e o antipetismo refundado.

O curioso é que em nenhum momento dos últimos 30 anos, o PT nem sequer chegou perto de ser comunista. No começo, a proposta era ser um partido capaz de libertar os trabalhadores da tutela do sindicalismo corporativo herdado da Era Vargas, assumindo claramente o compromisso com o respeito à ordem democrática. Por isso, os fundadores do PT falavam em um “novo sindicalismo”. O objetivo do PT, lá na década de 1980, era construir hegemonia na sociedade civil e depois ganhar o território das instituições, no Legislativo e no Executivo, sempre por meio do voto e dos ritos da democracia liberal representativa.

O segundo antipetismo

Na década de 1990, aconteceram importantes mudanças na cena política brasileira, que resultaram na transformação do antipetismo. Essa foi a segunda geração do antipetismo. Entre essas mudanças, destaco o transformismo tucano. Quando falo em tucanos, obviamente, estou falando do PSDB.

O PSDB nasceu em 1988 como uma dissidência de esquerda do PMDB. É isso mesmo, leitor e leitora, o PSDB surge como um partido progressista e até os primeiros anos da década de 1990 dividiu com o PT esse campo político. É estranho para quem começou a acompanhar política nos anos 1990 saber que, em algum momento, PT e PSDB estiveram próximos, foram aliados. Pois foram. O tempo passa e o mundo gira.

Essa aliança terminou quando o PSDB adotou as diretrizes do Consenso de Washington, aderindo à agenda do neoliberalismo internacional. Isso aconteceu com clareza nas eleições presidenciais de 1994. A partir daí, cada vez mais o PSDB foi indo para a direita e abandonando a social-democracia, o que acabou fazendo com que o PT ocupasse sozinho o campo progressista.

Na prática, ser progressista na década de 1990 e no início dos anos 2000 significava ser opositor de uma agenda econômica baseada nas privatizações, no alinhamento geopolítico com os EUA e no ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários.

O novo antipetismo

O terceiro antipetismo surgiu agora, em 2018, mas vem sendo plantado desde 2005. Esse novo antipetismo tem a particularidade de ser alimentado pelos 13 anos de governos petistas.

Como eu já disse antes, alguns elementos da primeira geração do antipetismo sobreviveram, como o anticomunismo marcarthista. Fico impressionado com o fato de que ainda hoje há quem diga que o PT seja comunista. Mesmo depois do governo Lula, que tão dócil foi com os interesses do capitalismo financeiro nacional e internacional, que com tanto empenho sustentou o tripé macroeconômico herdado dos anos de Fernando Henrique Cardoso, ainda existe gente que chama o PT de comunista.

Mas há novidades nesse novo antipetismo. O sentimento anticorrupção é uma delas.

Desde 2005, existe uma aliança entre a mídia hegemônica, os atores políticos de oposição ao PT (o PSDB e o DEM, principalmente) e algumas instituições jurídicas e policiais do Estado, como o Ministério Público e a Polícia Federal.

Essa aliança veio se solidificando ao longo dos anos, até estar plenamente estabelecida em 2013, nos eventos que aprendemos a chamar de “jornadas de junho”. Chamo essa aliança de “frente antipetista”.

É claro que essa aliança não está imune às crises internas. Ora ou outra o Ministério Público troca farpas com a Polícia Federal. A imprensa hegemônica, por sua vez, solta umas matérias sobre os supersalários e sobre o auxílio moradia, só pra mostrar quem manda no cabaré. Como acontece com toda aliança, as partes disputam entre si, pra decidir quem é mais forte, quem vai ter a hegemonia. De vez em quando, algum político do PSDB é fritado, só pra criar a aparência da imparcialidade. Aécio Neves quem o diga.

O modus operandi dessa aliança sempre esteve muito claro: a espetacularização seletiva dos escândalos de corrupção.

Há mais de dez anos, a sociedade brasileira é bombardeada diariamente com a espetacularização seletiva de escândalos de corrupção envolvendo lideranças petistas. Nem sempre as investigações foram concluídas, nem sempre os acusados foram condenados. Pouco importa: depois que a manchete é estampada no Jornal Nacional e no Fantástico, todo acusado é culpado.

O objetivo da frente antipetista sempre foi destruir o PT, para que o Estado brasileiro fosse refundado nos moldes ditados pelo neoliberalismo internacional. Com todos os seus erros (que não foram poucos), o PT se tornou o principal obstáculo à plena realização do neoliberalismo no Brasil. Por isso, foi alvo do ódio, dos ataques.

Especialmente no governo de Lula, o PT cedeu ao neoliberalismo. Mas foi pouco. O lobo neoliberal é faminto, apressado e a partir de 2013 desistiu de negociar. A paciência acabou e a frente antipetista colocou em movimento uma máquina de destruição.

A frente antipetista descarregou toda sua munição em cima do PT. Quase deu certo em 2014. Por pouco, o PSDB não voltou ao poder pelas urnas. Toda a campanha de Aécio Neves foi alimentada pelo antipetismo. Mesmo assim, ficou no quase. Dilma Rousseff foi reeleita. Aqui, a frente antipetista começou a perder o controle da situação. Com o golpe de 2016, a frente antipetista tentou retomar o controle. Não conseguiu e as eleições de 2018 mostram isso com clareza.

Sem dúvida alguma, o colapso do PSDB foi a grande novidade das eleições de 2018, o dado novo que fez muito analista cair do cavalo. Estou incluído nesse tombo coletivo.

Quem podia imaginar que o PSDB desidrataria dessa forma? Um dos principais partidos políticos da Nova República foi exposto a um verdadeiro vexame eleitoral. Por que isso aconteceu?

É que o antipetismo foi refundado. O bolsonarismo se apropriou de todo o antipetismo cultivado e alimentado desde 2005. E o bolsonarismo ainda trouxe outro elemento para esse novo antipetismo: o fator moral, manifestado nos ataques, tão delirantes como o anticomunismo, à “ideologia de gênero” e ao “kit gay”.

Creio que hoje a frente antipetista esteja em um momento de reflexão, assustada com o monstro que criou e sobre o qual perdeu o controle. O presidente do Supremo Tribunal Federal se vê obrigado a cortejar os militares, a chamar golpe militar de “movimento”. Os procuradores do Ministério Público estão apreensivos, com medo de perder as prerrogativas que lhes foram atribuídas pela Constituição de 1988. A mídia hegemônica está assustada com a aliança firmada entre o bolsonarismo e a TV Record, do temível Edir Macedo.

Não duvido que estejam todos eles com saudades dos tempos em que a disputa se dava no território da política e o adversário era o PT, que sempre foi leal, previsível, que sempre jogou com as regras da democracia. Que pelo menos fique a lição para o futuro. É perigoso demais brincar com as instituições em um país de tradição democrática tão frágil como é o Brasil.

A parte boa desse jogo é que ele nunca acaba. As lições são sempre úteis.

 

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Nota da ABI – Bolsonaro mente na ONU e envergonha o Brasil

No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.

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No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.
Sem qualquer compromisso com a verdade, o presidente afirmou que seu governo pagou um auxílio emergencial no valor de mil dólares para 65 milhões de brasileiros carentes, durante a pandemia. O auxílio foi de 600 reais.
Bolsonaro mentiu
O presidente responsabilizou, ainda, índios e caboclos pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que alcançam níveis nunca antes vistos no País. Todas as investigações, inclusive de órgãos oficiais, indicam que fazendeiros estão na origem das queimadas.
Como se vê, de novo Bolsonaro mentiu.
O presidente transferiu a responsabilidade para governadores e prefeitos pelos quase 140 mil mortos vítimas do coronavírus. Todo o país é testemunha de sua leviandade, ao classificar a pandemia de “gripezinha” e ir na contramão dos procedimentos defendidos pelas autoridades de Saúde.
Assim, mais uma vez Bolsonaro mentiu.
A ABI, com a autoridade de seus 112 anos de existência em defesa da democracia, dos direitos humanos e da soberania nacional, repudia esse comportamento que vem se tornando recorrente e conclama o povo brasileiro a não aceitar o verdadeiro retrocesso civilizatório que o governo está impondo ao País.
Paulo Jeronimo – Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

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Sem papas na língua. Juliano Medeiros no Dialogando de hoje

Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

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Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? No Programa Dialogando desse domingo (26/07), 18h, o Pastor Fábio recebe Juliano Medeiros, presidente do PSOL para um papo sobre eleições e aprendizados da pandemia que passa por uma das fases mais críticas do momento, onde prefeituras e governos de vários Estados do país programam reabertura de mais uma parcela considerável de setores, enquanto isso, a mídia normaliza as curvas ascendentes do número de infectados pelo Coronavírus.

Outra pergunta que precisa ser respondida é qual é o sentido das eleições serem realizadas ainda neste ano? Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

Assista, compartilhe. comente e mande perguntas no Facebook.

Juliano Medeiros é um jovem dirigente político da esquerda brasileira e desde janeiro de 2018 ocupa a presidência do Partido Socialismo e Liberdade. Historiador e Mestre em História pela Universidade de Brasília, é Doutor em Ciências Políticas pela mesma instituição.

Co-autor e organizador de Um Mundo a Ganhar e Outros Ensaios (Multifoco, 2013), Um Partido Necessário – 10 anos do PSOL (Fundação Lauro Campos, 2015) e Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017), colabora com sites, jornais e revistas no Brasil e exterior.[2]

Em 2018 coordenou a campanha de Guilherme Boulos à Presidência da República pelo PSOL[3] e, no segundo turno, após decisão do partido, passou a integrar a coordenação da campanha de Fernando Haddad[4]. Desde a vitória de Jair Bolsonaro, participa do Fórum dos Presidentes de Partidos de Oposição[5].

Durante mais de uma década Juliano Medeiros foi dirigente da corrente interna Ação Popular Socialista – Corrente Comunista do PSOL. Em Junho de 2019, a APS-CC se fundiu com o Coletivo Rosa Zumbi e mais oito coletivos regionais para fundar a Primavera Socialista, atualmente maior tendência do PSOL, da qual Juliano também é dirigente.[6]

Fábio Bezerril Cardoso é Pastor, cientista social, ativista social e Cofundador & Coordenador da Escola Comum e atualmente apresenta o Programa Dialogando, todos os domingos, às 18h. É um dos pastores progressistas que têm lutado pela defesa dos povos periféricos e costuma não ter papas na língua para falar sobre a realidade desses lugares. A produção é de Katia Passos, com arte de Sato do Brasil.

Conheça mais sobre a atuação do Pastor Fábio https://www.facebook.com/fabio.bezerrilhttps://www.facebook.com/fabio.bezerril

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Hilário Ab Reta Awe Predzaw e a história de um povo, historicamente, moído pelo ódio ou indiferença

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Por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, militante do Movimento de Meninos(as) de Rua e Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno

 

 

Hilário Ab Reta Awe Predzaw, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.

Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.

A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.

Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!

No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.

O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.

Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.

No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a lingua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.

No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.

Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.

Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.

Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo…

A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.

O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.

Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.

Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.

Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [H OJ E], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.

Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.

Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.

Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!

Este texto foi escrito com informações coletadas com as alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.

A elas e a toda turma, meu carinho e solidariedade.

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