Há quase um ano, o empresário colombiano e enviado especial venezuelano Alex Saab está preso na nação insular de Cabo Verde, a 400 milhas da costa noroeste da África, no Atlântico.
Saab agora aguarda a extradição para os Estados Unidos sob alegada acusação de lavagem de dinheiro. Embora as acusações contra ele sejam acaloradas, o que não está em dúvida é que os EUA estão por trás de sua perseguição. Também está claro que está interessado nele não por conta de quaisquer supostos crimes, mas porque ele pode ser a chave para a capacidade da Venezuela de navegar pelas sanções unilaterais mortais dos EUA. Entretanto, a minúscula nação de Cabo Verde é agora o peão no jogo imperial americano.
Como explica um artigo da Bloomberg: “Saab foi detido em 12 de junho [2020] quando o avião particular em que viajava da Venezuela para o Irã fez uma parada para abastecimento na ilha cabo-verdiana de Sal” O que [o artigo] não menciona é que o avião de Saab foi forçado a aterrar em Cabo Verde porque duas outras nações vizinhas no continente africano, aparentemente sob pressão dos EUA, se recusaram a deixá-lo aterrissar”.
Curiosamente, os EUA não têm tratado de extradição com Cabo Verde. Além disso, embora as autoridades de Cabo Verde tenham alegado que Saab foi detido sob um alegado alerta válido da Interpol, um tribunal regional da Nigéria concluiu que a detenção ocorreu antes do aviso da Interpol ter sido emitido, levantando enormes preocupações sobre a validade de sua detenção e prisão.
De fato, este tribunal regional, o Tribunal de Justiça da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, explicitamente determinou que “Saab deveria ser libertado porque foi detido antes da emissão do Aviso Vermelho”. Contudo, como acrescenta a Bloomberg, “as decisões desse tribunal são finais e vinculativas segundo um protocolo de 1991.”
Em 8 de junho de 2021, o Comitê de Direitos Humanos da ONU também emitiu uma decisão para medidas preliminares, exigindo que a extradição fosse suspensa e que Saab, que sofre de câncer, recebesse os cuidados médicos necessários, que atualmente estão sendo negados.
Quando foi preso em Cabo Verde, Alex Saab, enviado do presidente Nicolas Maduro à União Africana, estava a caminho do Irã para negociar a troca de ouro venezuelano pelo tão necessário abastecimento de gasolina.
Devido às sanções dos EUA, a Venezuela, país rico em petróleo, não consegue obter os produtos químicos e suprimentos necessários para refinar seu petróleo em gasolina necessária para gerar eletricidade e transportar mercadorias em todo o país. Além da gasolina, Saab também estava tentando negociar a compra de alimentos, remédios e outros suprimentos essenciais que também ficaram escassos devido às sanções americanas.
Conforme explicado por Alena Douhan, Relatora Especial da ONU sobre o uso unilateral de medidas coercivas no gozo dos direitos humanos:
“O endurecimento das sanções enfrentadas pelo país desde 2015 mina(…) a capacidade do Estado de manter a infraestrutura e implementar projetos sociais. Hoje, a Venezuela enfrenta falta de maquinários, peças de reposição, eletricidade, água, combustível, gás, alimentos e medicamentos. Os bens venezuelanos congelados nos bancos dos Estados Unidos, do Reino Unido e de Portugal chegam a US$ 6 bilhões. A compra de bens e os pagamentos por empresas públicas estão supostamente bloqueados ou congelados(…)
Foi relatado ainda que as linhas de eletricidade são capazes [apenas] de funcionar com menos de 20% de sua capacidade hoje(…)
Estima-se que 90% das residências estão conectadas ao sistema nacional de distribuição de água. Numerosas famílias, no entanto, relatam cortes frequentes por causa de cortes de eletricidade que afetam as bombas de água e a manutenção da infraestrutura, e por causa da falta de pessoal de manutenção qualificado”
Parece ser alta a habilidade de Saab em ajudar a Venezuela a contornar essas sanções – sanções que Douhan considera ilegais segundo o direito internacional – a fim de obter suprimentos humanitários cruciais e que é a verdadeira razão do interesse dos EUA em detê-lo e extraditá-lo.
De fato, um artigo do New York Times deixa isso bem claro. Ele explica que, embora os Estados Unidos tenham apresentado vagas acusações de lavagem de dinheiro contra a Saab, “linhas-duras dos Departamentos de Justiça e de Estado, incluindo Elliot Abrams, o enviado especial do Departamento de Estado [dos EUA] para o Irã e a Venezuela”, querem garantir a continuação de sua detenção em Cabo Verde para que “não percam a oportunidade de punir o Sr. Maduro”. O NY Times continua: “Os longos meses de detenção de Saab privaram Maduro de um importante aliado e um grande consertador financeiro em um momento em que menos países estão dispostos ou são capazes de ajudar a Venezuela. Se Saab cooperar com as autoridades americanas, ele pode ajudar a desmaranhar a rede econômica de apoio de Maduro e ajudar as autoridades a abrirem acusações contra outros aliados do governo venezuelano.”
E como é que os EUA estão garantindo o cumprimento de Cabo Verde em tudo isto? Usando a antiquada ‘diplomacia canhoneira’. Assim, como explica o Times, os EUA ancoraram o cruzador da Marinha USS San Jacinto na costa de Cabo Verde para garantir que a Saab não escape de alguma forma. Embora as autoridades americanas afirmem que estão fazendo isso em resposta às “ameaças” da Venezuela de tomar todas as medidas para proteger os direitos humanos de Saab, a presença do navio armado parece calculada tanto para coagir Cabo Verde quanto para impedir alguma tentativa de resgate da Venezuela ou seu aliado, o Irã.
E, assim, enquanto Saab permanece em prisão indefinida com um câncer não tratado por insistência dos EUA, Cabo Verde está sofrendo seu próprio bullying nas mãos dos EUA. As ações dos EUA a esse respeito nada mais são do que os últimos suspiros de um império em perigo e em colapso iminente. Como tal, devem ser impedidos.
Daniel Kovalik ensina Direitos Humanos Internacionais na Escola de Direito da Universidade de Pittsburgh, é analista político e colabora com artigos para os Jornalistas Livres, RT, Counter Punch, TeleSur, dentre outros. Ele também é autor de “The Plot to Overthrow Venezuela – How the US Is Orchestrating a Coup for Oil”, de “No More War: How the West Violates International Law by Using ‘Humanitarian’ Intervention to Advance Economic and Strategic Interests” além do recém-lançado “Cancel This Book – The Progressive Case Against Cancel Culture” entre outros títulos (ainda sem tradução em português).
Para ler o artigo original em inglês, aqui.
Tradução: Juliana Medeiros