crônica

A lama e o canto do cisne

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Lama combina com porcos, não com gente e seus zelos. Se acaso se misturam, benefícios e tragédias, lucros da lama, tudo é impuro nas margens dos rios desde 1500. Ribeirões ou córregos, grandes calhas e seus rios, por onde avançam negócios na conquista para a nação.

Não se iluda ou romantize. É peixe que morre pela boca, é ribeirinho que perde seu domínio, são empresas que dominam o destino de tantos e engordam a produtividade no país do futuro.

Quando encontra-se uma montanha de ferro, ouro ou manganês, o homem sagaz logo impõe seu negócio e dividendos, pois entende que lucro guarda-se em bancos, não na alma que vagueia ou admira belezas.

O que se repete em Minas, as gerais ébrias de nossas cobiças, entre nascentes e jóias do reino, alertou a todos na manhã dessa sexta-feira. É a morte que espanta e ronda o parente brasileiro a se divertir, trabalhar ou apenas caminhar na margem dum córrego a pescar . De repente, como na beira de vulcão, pode ser invadido numa lava, pedra líquida de nossos pecados, rejeitos de prospecção. É lama, é ferro, é o minério de nosso chão que agora assola a tantos no assombro da notícia imediata.

 

A dor que sinto, cidadão, é ser rico, ser grande, ser nação, tendo tão pouco. A dor é entender e permitir que explorem meu país e vendam-se as montanhas, tão duras e perversas no castigo. A represa, a barragem de lama que em outros corpos pune agora, é a indecisão do país que quero limpo, livre, dono.

Entre tanta dor e desconsolo, assisto hoje na tv plana, a uma gente comum dizendo, ao vivo, que a Vale dizima, destrói e gera o emprego para muitos. É a serpente, o capital, a renda. Tudo tão triste de assistir, confirmar pesadelos, engolir previsões.

 

E profecias batem na porta, na cara, tantas barragens de lama ameaçam.

Talvez, inconfidências e poesia sejam mesmo a senda de Minas, o alferes Joaquim ou o poeta  Drummond, replicando-se entre acidentes:

IV

Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

 

 

 

 

 

 

 

E o grito da vida segue assim na tarde de sábado,

-9 mortes confirmadas

– 12 milhões m³ de rejeitos despejados

-Ônibus com trabalhadores é encontrado- todos estão mortos
O Corpo de Bombeiros ainda não divulgou números

-Cerca de 299 pessoas desaparecidas

-46 pessoas encontradas com vida

– 84 famílias são consideradas desaparecidas pela defesa civil

-O rejeito chegou ao Rio Paraopeba

-A lama pode chegar a 19 munícipios, comprometendo o abastecimento de água de cerca de 1 milhão de pessoas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Morre gente, morre água, morre peixe, galinha e vaca. Morre um pedaço de quem assiste notícia tão triste, infame dinheiro do ferro. Minas, que triste, com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais.

José, e agora?

 

 

 

 

 

 

*imagens por helio carlos mello©

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