Abancada federal do PT resistia. E continuou resistindo. Mas, por uma pequena maioria de quatro votos, decidiu apoiar Baleia Rossi, do MDB, aliado do DEM, para a presidência da Câmara dos Deputados. Foi um alívio para o PSB e Ciro Gomes, que devem estar unidos em 2022 numa chapa com o Centrão. Ao menos são os acordos em curso nos bastidores da política das elites partidárias, aquela que não envolve nunca a opinião do cidadão, do eleitor.
Rudá Ricci, cientista político e presidente do Instituto Cultiva
Em seguida, mais rápido do que um raio, foi composta formalmente a aliança de 11 partidos, liderada pelo DEM. O centro-esquerda, incomodada com sua imagem externa, divulgou uma carta para justificar os seus aparentes 119 votos (aparente, já que 41 desse bloco são contra o apoio e, como o voto é secreto, espera-se defecções no dia de votação pela presidência da Casa). O que diz a carta assinada pelo PT, PSB, PDT PCdoB e Rede?
“Lutar pelos direitos do povo brasileiro, pautando projetos que garantam efetivamente o direito à vida e à saúde, por meio do adequado enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, garantindo: o acesso universal à vacina, à renda emergencial e/ou a ampliação do Bolsa Família; a geração de emprego e o fim do arrocho salarial; a segurança alimentar, com apoio à agricultura familiar e assentamentos da Reforma Agrária, garantido comida barata ao povo; tributos sobre a renda dos mais ricos; defesa dos direitos das classes trabalhadoras, com liberdade para organização e modernização de entidades sindicais.”
Cá entre nós, é preciso uma dose cavalar de fé no Centrão – aquele que votou pela reforma da previdência e pela reforma trabalhista – para acreditar que esta agenda será a pauta de Baleia Rossi. Parece mais panfleto de chapa que se candidata à presidência de algum diretório municipal de uma cidadezinha do interior. Na falta de inspiração, lasca uma agenda ampla o suficiente para a grande maioria não entender nada.
Antes, lembremos os 23 deputados federais do PT – a maior bancada da Câmara de Deputados – que foram contra o apoio ao Baleia: Afonso Florense, Arlindo Chinaglia, Bohn Gass, Célio Moura, Frei Anastácio Ribeiro, Helder Salomão, Henrique Fontana, Jorge Solla, José Ricardo, Joseildo Ramos, Marcon, Maria do Rosário, Natália Bonavides, Odair Cunha, Padre João, Paulo Teixeira, Pedro Uczai, Reginaldo Lopes, Rogério Correia, Rui Falcão, Waldenor Pereira, Zé Carlos e Zeca Dirceu. Nomes de peso, deputados que comandaram o partido – como Rui Falcão -, com amplo trânsito e respeito em processos de negociação política – como Elvino Bohn Gass -, deputados com muito destaque em seus Estados – como Maria do Rosário, Odair Cunha, Reginaldo Lopes, Paulo Teixeira, entre outros. Os vitoriosos decidiram divulgar aos quatro cantos que “agora vai”.
“Quem deu golpe viu que deu ruim”, se adiantou a presidente oficial do PT, Gleisi Hoffman, revelando mais do que imagino que desejaria. Essa falta de habilidade política de Gleisi me assusta. A frase é mais um ato falho que uma declaração positiva. Chamou a atenção para a aliança com os golpistas, com o corpo ainda quente estirado no chão.
Mas, o que os partidos de centro-esquerda ganham com este apoio ao Centrão?
Lembremos que a aliança dos 11 partidos possui teóricos 280 votos, que sem os 50 votos do PT ainda superam e muito os 160/170 votos de Arthur Lira, do PP. Então, se não havia tanta necessidade deste apoio direto do PT, as vantagens negociadas devem ter sido extraordinárias. Vejamos.
O discurso oficial é de que a aliança derrotará Bolsonaro na Câmara e defendendo as instituições e, ainda, o centro-esquerda ganha a 1ª Secretaria na Mesa da Câmara. A 1ª secretaria é responsável por decisões administrativas, como a organização das despesas da Casa, distribuição de gabinetes, funcionários, passagens, um verdadeiro paraíso para as burocracias partidárias. Mas, qual o peso deste cargo na definição de pauta da Câmara? O que a luta pelas instituições e derrota de Bolsonaro ganha com esta função? O que garante em relação às pautas até aqui caras para a esquerda como o impeachment de Bolsonaro, a não independência do Banco Central e da não privatização dos Correios ou Petrobrás?
Analisemos quem é Baleia Rossi para entender melhor se se trata efetivamente de ataque frontal a Bolsonaro.
Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, mais conhecido como Baleia Rossi nasceu em junho de 1972 em São Paulo. É empresário e presidente nacional do MDB. Vinculado a Michel Temer. O pai de Rossi foi ministro da Agricultura dos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, entre 2010 e 2011. Pediu demissão diante de denúncias de irregularidades na pasta. Em 2014, foi eleito deputado federal e dois anos depois virou líder do MDB na Câmara, quando se aproximou de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Lembremos que Michel Temer, padrinho de Rossi, é cotado substituir Araújo no Ministério das Relações Exteriores. Também pode refrescar a memória o fato de o MDB ter convidado Bolsonaro para se filiar na sigla. O convite foi feito em outubro do ano passado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM).
Baleia foi anunciado como candidato de Rodrigo Maia em 23 de dezembro. Até aquele momento, também era cogitado o nome de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) para disputar o cargo.
Então, fica a dúvida: apoiar Baleia não é apoiar Temer que além de ter participado do golpe está sendo cotado para ser ministro de Bolsonaro?
Este tortuoso caminho das forças de centro-esquerda do país indica pouca coerência ou uma dubiedade estratégica que faz recordar daqueles enredos de espionagem em que vários personagens aparecem de um lado e do outro da disputa, muitas vezes tantas vezes de um lado e de outro que acabam zonzos e nauseados.
Deve ter algum sentido para este jogo de esconde-esconde. Eu, sinceramente, só percebo garantia de visibilidade e algum poder na Câmara de Deputados, talvez, na composição do comando de algumas comissões permanentes. Talvez. Parece mais coisa de disputa interna ou de movimentações pouco nobres no caminho de 2022, de maneira rebaixada, acanhada, derrotada.
Décadas atrás, o PT descortinou uma nova forma de fazer política pela esquerda. Ao invés dos acordões, ações de massa vinculadas à agenda de luta popular; ao invés de ingressar em frentes amplas por baixo, ofensivas de rua, atropelando aliados à direita, como foi na Campanha das Diretas. Desta maneira, cresceu. Cresceu porque estava sempre com um cordão de segurança atado às lutas sociais. Agora, no apagar das luzes de sua história de lutas, algo em torno de metade mais quatro de seus deputados, uma maioria raquítica, quase invisível, decide se aliar numa carreira de jockey ameaçado. Uma maioria que parece ver o que não enxergamos, nós, mortais que só vemos cavalo de corrida pela televisão. Viram que “quem deu golpe viu que deu ruim”, algo que não tínhamos percebido. Não tínhamos percebido que Temer, Rodrigo Maia e Baleia haviam feito mea culpa. Não tínhamos percebido que se tornaram nossos novos amiguinhos. Não percebemos nada. Nós, que ainda acreditamos que Bolsonaro não é apenas adversário, mas inimigo. Nós apenas vemos que a aliança dos 11 partidos selou uma aliança para 2022 em que o Centrão será protagonista. A aposta, parece, é de que um novo golpe no comandante do Executivo Federal será desfechado sob a liderança do Centrão. Mais uma vez. Aquele Centrão que derrubou Dilma Rousseff. Porém, até o novo golpe, o Centrão fará o que sempre fez: o “toma lá, dá cá”.
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