Projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro #82 – Marcelo Villas Boas: Brasílias

Marcelo Villas Boas apresenta o 82º ensaio do Projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro - Imagens que narram nossa história
Marcelo Villas Boas. Brasílias 8

Brasílias.

O projeto Brasílias faz parte de uma exposição fotográfica individual do ator e fotógrafo Marcelo Villas Boas. Brasílias foi idealizado a partir dos registros fotográficos feitos anos atrás, enquanto Marcelo esteve hospedado na Capital Federal por conta de uma longa temporada com a peça O Capote no CCBB daquela cidade. As imagens captadas, hoje nos mostram, além do corte laminado arquitetônico tão peculiar à Brasília, as facetas mais severas ou não, resultantes de um governo caótico e praticamente todo tingido de corrupção. O cotidiano, o simples e o humano nem tão escondidos entre as fendas da secura urbana de Brasília inevitavelmente revelam em algumas imagens como é inequívoca a relação entre miséria e corrupção.

A senhora que lava a louça a céu aberto numa comunidade a menos de cinco quilômetros da praça dos três poderes. Um menino maltrapilho e todo sujo que vaga entre escombros da mesma comunidade levando um caderno sob o braço. Uma cadeira abandonada, que poderia estar na escola, figura com as duas torres icônicas ao fundo. Outrora, a mesma cadeira, acolhe um menino que folheia um caderno sem bem saber do que se trata aquilo.
A família que migra sem realmente ter pra onde ir. Um “homem-estátua” prateado tal qual algum tipo de herói ou um velho sanfoneiro cuja a face na imagem não se deixou concluir restando ao fundo as torres símbolos da cidade tentam ganhar algum dinheiro nas ruas da Capital. Um limpador dos espelhos d’água do Museu Nacional. As gigantescas paredes do Teatro Nacional figurando como uma maquete da própria encaixotada Brasília.

O fogo e a fumaça que saem da Pira da Pátria, abandonada e recorrentemente apagada por falta de recursos, distorcem as nuvens e o azul do céu e camuflando as torres do Poder Legislativo. Transeuntes e símbolos urbanos, como o “pixo”, automóveis e trabalhadores descansando, se unem a espaços esquecidos compondo cenários de descaso e provocações. Uma fileira, de banheiros químicos abandonados num vasto gramado durante dias, esconde o Congresso Nacional ironizando e zombando da apoteótica imagem de poder subtraída. Uma banca de jornal sobreposta aos pés do prédio do Banco Central propõem uma oportuna ilusão de colagem assim como as “torres” e a bandeira nacional repousam como se depositadas num grande balde de lixo.

Um carrinho de supermercados, símbolo significativo do consumismo, ainda que aparentemente abandonado, ganha o primeiro plano na foto deixando ao fundo, desfocado e esquecido, um templo das artes. Um simples vigilante se torna ainda mais pueril tendo sobre suas costas a imensa concha branca de concreto enquanto esta, por sua vez, abriga os homens da Lei coberta pelo infinito céu do cerrado. Um homem incógnito por conta de seu rosto todo encoberto, aparentemente se mostra enriste, assim como se mostram continuadamente enristes as torres do poder.

Brasílias.

Marcelo Villas Boas. Brasílias
Marcelo Villas Boas. Brasílias3
Marcelo Villas Boas. Brasílias4
Marcelo Villas Boas. Brasílias 5
Marcelo Villas Boas. Brasílias 6
Marcelo Villas Boas. Brasílias 7
Marcelo Villas Boas. Brasílias 8
Marcelo Villas Boas. Brasílias 9
Marcelo Villas Boas. Brasílias 10
Marcelo Villas Boas. Brasílias16
Marcelo Villas Boas. Brasílias17
Marcelo Villas Boas. Brasílias18
Marcelo Villas Boas. Brasílias19

.

“Uma descoberta artística ocorre cada vez como uma imagem nova e insubstituível do mundo, um hieróglifo de absoluta verdade. Ela surge como uma revelação, como um desejo transitório e apaixonado de apreender, intuitivamente e de uma só vez, todas  as leis deste mundo – sua beleza e sua feiúra, sua humanidade e sua crueldade, seu caráter infinito e suas limitações. O artista expressa essas coisas criando a imagem, elemento sui generis  para a detecção do absoluto. Através da imagem, mantém-se uma consciência do infinito: o eterno dentro do finito, o espiritual no interior da matéria, a inexaurível forma dada”.  Andrei Tarkovsky

.

Conheça mais o trabalho do artista

https://www.instagram.com/marcelovillasboasfotografia/

.

O projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro é um projeto dos Jornalistas Livres, a partir de uma ideia do artista e jornalista livre Sato do Brasil. Um espaço de ensaios fotográficos e imagéticos sobre esses tempos de pandemia, vividos sob o signo abissal de um governo inumanista onde começamos a vislumbrar um porvir desconhecido, isolado, estranho mas também louco e visionário. Nessa fresta de tempo, convidamos os criadores das imagens de nosso tempo, trazer seus ensaios, seus pensamentos de mundo, suas críticas, seus sonhos, sua visão da vida. Quem quiser participar, conversamos. Vamos nessa! Trazer um respiro nesse isolamento precário de abraços e encontros. Podem ser imagens revistas de um tempo de memória, de quintal, de rua, documentação desses dias de novas relações, uma ideia do que teremos daqui pra frente. Uma fresta entre passado, futuro e presente.

Outros ensaios deste projeto: https://jornalistaslivres.org/?s=futuro+do+presente

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

Sobre a crise na UERJ

Por RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de História na UFBA Ao longo das últimas semanas, vimos acontecer aquela que talvez tenha sido a maior crise em

A poeta e o monstro

A poeta e o monstro

“A poeta e o monstro” é o primeiro texto de uma série de contos de terror em que o Café com Muriçoca te desafia a descobrir o que é memória e o que é autoficção nas histórias contadas pela autora. Te convidamos também a refletir sobre o que pode ser mais assustador na vida de uma criança: monstros comedores de cérebro ou o rondar da fome, lobisomens ou maus tratos a animais, fantasmas ou abusadores infantis?

110 anos de Carolina Maria de Jesus

O Café com Muriçoca de hoje celebra os 110 anos de nascimento da grande escritora Carolina Maria de Jesus e faz a seguinte pergunta: o que vocês diriam a ela?

Quem vê corpo não vê coração. Na crônica de hoje falamos sobre desigualdade social e doença mental na classe trabalhadora.

Desigualdade social e doença mental

Quem vê corpo não vê coração.
Na crônica de hoje falamos sobre desigualdade social e doença mental. Sobre como a população pobre brasileira vem sofrendo com a fome, a má distribuição de renda e os efeitos disso tudo em nossa saúde.

Cultura não é perfumaria

Cultura não é vagabundagem

No extinto Reino de Internetlândia, então dividido em castas, gente fazedora de arte e tratadas como vagabundas, decidem entrar em greve.