Congresso ruralista passa a boiada

O Congresso Federal, com uma forte base ruralista, está demonstrando claramente seu poder e as pautas que defende.
Foto: Alessandro Dantas

Se o governo Lula ainda tinha alguma esperança de negociação com o Congresso, especialmente na Câmara dos Deputados, isso acabou ontem. O agronegócio quer passar o trator em cima do meio ambiente e das terras indígenas. Enquanto o governo buscava aprovar medidas fiscais, uma comissão mista composta por deputados e senadores do centrão aprovou uma medida provisória (MP 1154) que impõe mudanças nos ministérios do governo Lula, enfraquecendo o Ministério do Meio Ambiente e alterando a competência relacionada à demarcação de terras indígenas.

Esse é um fato inédito na história do Congresso, pois é a primeira vez que interfere no poder executivo, desconsiderando a estrutura ministerial estabelecida por um governo eleito. Agora, a proposta será votada nos plenários da Câmara e do Senado.

O texto, relatado pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), retira do Ministério dos Povos Indígenas a competência para reconhecer e demarcar terras indígenas, que é a principal atribuição da pasta, transferindo essa responsabilidade para o Ministério da Justiça.

Além disso, o Ministério do Meio Ambiente também foi enfraquecido no texto aprovado. O Cadastro Ambiental Rural (CAR), que estava sob a administração do MMA, passará para o Ministério da Gestão, e a Agência Nacional de Águas, antes sob a responsabilidade do MMA, será transferida para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. O MMA também perde a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que agora será de responsabilidade do Ministério da Integração Nacional e Desenvolvimento Regional (MIDR).

Para piorar a situação, a Câmara dos Deputados aprovou, por 324 votos a favor e 131 contra, a urgência para o projeto de lei do marco temporal na demarcação de terras indígenas (PL 490/07). Essa medida é uma estratégia para enfrentar a votação do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal.

O projeto, no formato do substitutivo do deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), restringe a demarcação de terras indígenas apenas àquelas que já eram tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Os deputados também aprovaram a medida provisória sobre a regularização ambiental (MP 1150 de 2022), que modifica a lei da Mata Atlântica. Essa mudança, na avaliação de entidades e órgãos de proteção ambiental, flexibiliza as regras e favorece o desmatamento.

Vitório Tomaz é membro do Núcleo Negro do Jornalistas Livres

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