Fechadas as urnas no primeiro turno, o comando da campanha de Bolsonaro promoveu a mulher dele, Michelle, a cocandidata à Presidência da República. Na desesperada tentativa de reeleger Jair Messias, a primeira-dama passaria a funcionar como seu duplo, viajando o país, tentando desfazer estragos e cobrir rombos abertos pela inépcia do marido. Ela seria ainda a cartada principal na caça de votos das mulheres que o rejeitam – entre elas, as evangélicas mais pobres que não ouvem o pastor, porque vivem realidade diferente da que ele prega, com muita dificuldade de alimentar e educar a família. Esta parte do eleitorado poderia identificar-se com Michelle, que fala a língua dos protestantes, conhece a Bíblia, maneja bem a persuasão, coloca-se como ajudadora do marido.
Não existe na legislação eleitoral a figura da candidatura siamesa, mas a primeira-dama topou tocar a missão, assumindo agenda paralela à do presidente. Em campanha, viajaria o país pedindo desculpas pelos palavrões que Bolsonaro cospe todos os dias, passando pano para as baixarias que dispara contra mulheres, negros e indígenas. Ou atacando ferozmente o campo adversário – o que ela faz sem pestanejar. Grandes mentiras calaram fundo no coração dos evangélicos, muitas disseminadas por Michelle. Ela afirmou ter encontrado o Palácio do Planalto consagrado ao demônio, garantiu que Lula “vive nas trevas”, fez um governo de “saqueadores e ladrões” e, assim, não seria de Deus. Seus maldosos torpedos renderam grandes prejuízos para o petista.
Quem paga a conta de Michelle
Cada vez que o avião particular levanta voo em Brasília, com Michelle a bordo, a conta é paga pelo PP, partido da ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina, eleita senadora pelo Mato Grosso do Sul, que integra a base da campanha. O staff de Bolsonaro deixou para pensar depois o que fará para justificar o uso do fundo eleitoral reservado ao PP no provimento dos deslocamentos, hospedagem e alimentação de uma pessoa que, legalmente, não disputa a Presidência, mas assumiu, por conveniência e urgência, a candidatura fictícia.
Muitas vezes, a agenda de Michelle tem sido mais movimentada, superando a do marido em número de compromissos. Entre 10 e 14 de outubro, ela percorreu nove estados: Pará, Roraima, Amapá, Rondônia, Acre, Amazonas, Tocantins, Piauí e Maranhão. Enquanto isto, Bolsonaro viajou por seis: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco.
A urgência em projetar Michelle baseou-se em fato histórico: nenhum outro presidente terminou o primeiro turno atrás do adversário, como ocorreu nestas eleições, com Lula contabilizando 6 milhões de votos a mais que o adversário do PL.
O que mirar primeiro? Puseram Michelle na propaganda eleitoral, mas o TSE suspendeu as inserções em que ela aparecia 100% do tempo, limitando sua participação. Construiu-se, então, um estratagema pensando em usar Michelle principalmente nas regiões onde Lula nadou de braçada. E Bolsonaro buscaria reafirmar seu desempenho nas áreas em que se saiu melhor.
Até meados de outubro, Michelle precisaria virar votos no Nordeste – onde foram dados 21,7 milhões de votos ao petista e 4,7 milhões ao atual presidente – e também no Norte, onde 4,5 milhões escolheram Lula e 4,3 milhões ficaram com o marido dela.
Como Bolsonaro recebeu 23,4 milhões de votos no Sudeste (Lula 21 milhões), e 9,5 milhões no Sul (Lula 6,4 milhões), ele focaria nas duas regiões antes de qualquer coisa. Tonificaria também a liderança no Distrito Federal.
Sob a guarda de Damares
Para acompanhar e apoiar Michelle, neófita na política, escalaram uma traquejada parceira, afeita às malícias da velha política, e que já foi comparada à “perversa de novela”. Sim, a ex-ministra Damares Alves (Republicanos-DF). Eleita senadora, ela colocou os pés pelas mãos já de cara, na estreia de Michelle no mundo dos comícios.
Tudo estava bem planejado para o teste que a primeira-dama faria em Goiânia, terreno seguro e bolsonarista, antes de partir para os campos mais difíceis, como o Nordeste. A agenda da estreia, em 8/10, recebeu a chancela do núcleo de mulheres da campanha, que inclui as deputadas Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP) e Tereza Cristina, da tropa de choque parlamentar.
Zambelli postou um card em suas redes intitulado “Michelle Bolsonaro rasga o verbo”, para contar que a primeira-dama havia falado mal do Lula ao público que a assistiu. Não vingou. As notícias que correram o país estavam longe da “heroína” que pretendiam desenhar na pessoa de Michelle. Na verdade, foram os desvarios criminosos de Damares que tomaram a cena.
A tutora de Michelle disse em um templo evangélico de Goiânia ter descoberto, três anos atrás, que crianças da Ilha do Marajó seriam traficadas para exploração sexual no exterior. O número de estupros de recém-nascidos teria explodido, e o Ministério da Mulher – conduzido por ela no governo Bolsonaro – mantinha na gaveta imagens de bebês sendo estuprados.
Michelle ouvia o relato de olhos fechados, balbuciando algo, parecia orar. Quando Damares afirmou que, reeleito, o presidente buscaria cada uma daquelas crianças, a primeira dama deu glórias a Deus, endossando com um movimento de cabeça. Logo depois, o Ministério Público passou a cobrar comprovação da denúncia, o que a orientadora de Michelle não conseguiu fazer, carimbando “fake news”, em cima da sua fala.
Passagem de Michelle pelo Nordeste não muda nada
Enquanto Bolsonaro dizia, em Juiz de Fora (MG), que, na campanha, Michelle era mais importante que o próprio candidato, ela tentava suavizar a enlameada imagem do marido. Na caravana “Mulheres com Bolsonaro”, Michelle acenou, em carro aberto, para apoiadores de verde e amarelo. Fez comício em Natal, João Pessoa e Maceió. Falou em congresso de fiéis da Assembleia de Deus, em Recife. Esteve também na Bahia. Foi um esforço hercúleo para desdizer Bolsonaro, que chamou “de burro” o povo do Nordeste.
Em vão. A ação de Michelle não convenceu as nordestinas que, nos governos Lula e Dilma, provaram do crescimento social. Elas passaram a contar com programas que levaram energia elétrica e cisternas para suas casas, acessaram créditos para plantar ou iniciar pequenos negócios. Em pouco tempo, com a família mais estruturada, puderam ver os filhos chegar à faculdade. Muitos seguiram com bolsas de pesquisa ou de pós-graduação para fora do país, com apoio federal. Não seria Michelle a demolir a certeza do povo do Nordeste.
Ela bateu pernas, mas a pesquisa Datafolha do dia 19 mostra o ex-presidente Lula liderando a disputa presidencial com 52% dos votos válidos contra 48% de Jair Bolsonaro. Na preferência regional, outro banho de água gelada caiu sobre as pretensões de Michelle: o petista se impõe com 70% dos votos válidos; seu oponente tem apenas 30%. Na região, quase não há indecisos, 95% dos eleitores já decidiram em quem votar no próximo domingo.
O “pintou um clima” demoliu os esforços da primeira-dama
Michelle foi orientada a abrir o leque, não falar apenas para evangélicos, incluir católicos, espíritas e candomblecistas em suas falas. Era uma tentativa de apagar o mal-estar que ela própria provocara ao associar à coisa do diabo as bênçãos que Lula recebeu de uma mãe de santo. A esposa de Bolsonaro aprendeu rapidamente o papel de candidata, com um pé atrás dos votos que precisava conquistar e outro no público da extrema direita, que não podia perder. Por isto, manteve a condenação ao aborto, o olhar punitivo às mulheres que querem independência, autonomia e direito de escolha. E quase não deu entrevistas, para evitar qualquer deslize.
Mas Bolsonaro não tem conserto. Michelle tenta limpar a biografia do marido; ele segue avacalhando o próprio histórico. A primeira-dama viu seu insano esforço ir para o ralo quando surgiu o “pintou um clima”. Seu marido falastrão revelou, sem ficar corado, o interesse que “meninas arrumadinhas, de 14, 15 anos, despertam nele. Nas cercanias de Brasília parou a moto, tirou o capacete e entrou na casa de “meninas venezuelanas” que, bonitinhas num sábado, estariam prontas para fazer programas. O presidente narrou o episódio querendo atribuir ao regime de Nicolás Maduro a transformação de adolescentes em prostitutas.
Não há ajudadora que mantenha o sorriso depois de ouvir a brutalidade e a misoginia jorrando da boca do marido, que nas redes e nos comentários políticos foi tido como pedófilo. Uma Michelle enfraquecida e sem graça gravou vídeo ao lado do marido, dourando seus esfarrapados pedidos de desculpas. Havia tentado amenizar o desastre antes, afirmando que em casa Bolsonaro diz “pintou um clima” para quase tudo. Mas deu ruim. Uma serva de Deus não devia se prestar à falsidades.
Michelle, na cidade que celebrou Dia das Crianças com aulas sobre armas
Minas Gerais representa outro desafio para as pretensões dos Bolsonaro, e isto fez Michelle se embrenhar pelo Vale do Jequitinhonha, passando pela Zona da Mata e região metropolitana de Belo Horizonte. No estado, onde o marido perdeu para Lula, a caravana “Mulheres com Bolsonaro” escolheu a dedo a cidade para encerrar a expedição, dia 22. No Triângulo Mineiro, Uberaba é administrada por Elisa Araújo (Solidariedade), que se tronou conhecida no Brasil inteiro no último Dia das Crianças.
Na festa, a prefeita levou a uma praça estandes com armamento pesado, munições e bombas de gás lacrimogênio para que as crianças tivessem “sensação de segurança”, como explicou a assessoria de Elisa. Naquela festa mortífera, meninas e meninos ouviram explicações sobre o funcionamento de bombas, pistolas, carabinas e metralhadoras, e ainda puderam tocá-las. A sórdida mensagem que passou é que as armas precisam estar na rotina da infância. Tudo alinhado à política pública do marido de Michelle, que defende armar o cidadão.
Bolsonaro já postou foto sua com a filha, Laura, fazendo o gesto que imita uma arma. Não se tem notícias de Michelle desabonando a atitude do marido para proteger sua filha da cultura da violência. O episódio do Dia das Crianças, que expôs meninos e meninas a grave risco, está sendo investigado sob a acusação de ferir o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Desarmamento, a Constituição Federal e a legislação eleitoral.
Em Uberaba, Michelle chegou cansada, pálida, e com uma hora de atraso. Elisa abriu o evento, que tinha no palco uma cadeira para a primeira-dama. Ela sofrera uma queda da pressão arterial. A anfitriã chamou-a de “guerreira incansável na defesa da família, das mulheres e da nação” e pediu oração pela melhora da primeira-dama. No desativado Ginásio Sérgio Pacheco, a locutora puxou um Pai Nosso e foi seguida pelas quase mil pessoas presentes, de roupas verde e amarelas ou vestindo a camisa da Seleção Brasileira. A maioria do público era composta por mulheres, que na cidade gostam de ser reconhecidas como “bolsolindas”.
Ela cita Neymar e erra o nome de ministro do governo Bolsonaro
Em sete minutos de discurso no Sérgio Pacheco, Michelle contou que naquele momento o jogador Neymar Jr. participava da live do presidente Jair Bolsonaro. Usou declarações previamente elaboradas: “Nosso Capitão sancionou mais de 80 leis em defesa das mulheres”; “Protegeu as crianças da investida de pedófilos”; “Ele ama sua nação”. Mais uma vez, repetiu o que chama de “fechamento de igrejas pelo comunismo”, mas não citou quais igrejas e muito menos onde isso ocorrera.
Na mesma jornada, em visita a Ribeirão das Neves, Michelle Bolsonaro reviveu a notícia falsa sobre ataques a templos. Ao criticar o Partido dos Trabalhadores, mencionou uma suposta invasão de uma igreja luterana em Joinville, cidade de Santa Catarina. “Aconteceu no Paraná. O Instituto Luterano sendo invadido pela extrema esquerda”, afirmou Michelle, errando o estado onde, supostamente, os petistas teriam praticado a invasão.
Agradeceu à prefeita armamentista, à cidade e titubeou ao citar o uberabense Marcos Montes, ministro da Agricultura, que a acompanhava na comitiva. Como a gafe cometida por Bolsonaro, que em uma live não se lembrava do nome do mesmo ministro, Michelle se dirigiu a ele apontando o dedo: “Nosso ministro aqui de Uberaba”. Michelle Bolsonaro fechou o discurso com as afirmações: “Não vamos entregar o país ao partido das trevas.” E ressaltou: “Para quem está se sentido mal, até que eu falei bem, né gente?”
O evento não durou mais que 15 minutos, mas deu tempo para rápidas palavras de Damares Alves. Temendo ser acusada de prevaricar, por não ter mandado investigar o tal caso hediondo da Ilha do Marajó, a senadora tem moderado a língua. Para não gerar mais polêmicas, manteve-se na linha: “Uma mulher sábia edifica um lar. Muitas mulheres sábias edificam uma nação”.
O barulho dos tiros de Roberto Jefferson
Na segunda (24/10), os tiros de fuzil 556 e as granadas atirados por Roberto Jefferson (PTB), ainda reverberavam na cabeça de Michelle. A candidata informal do PL seguiu para o Sul sob a aura do ataque contra agentes da Polícia Federal praticados pelo ex-deputado. Foi um domingo sangrento, com dois policiais atingidos e um cinegrafista, que cobria o cerco à casa de Jefferson, ferido. Em prisão domiciliar, entrincheirado, o amigo e parceiro político de Bolsonaro desacatava ordens do Supremo. Acabou se rendendo 8 horas depois, deixando para trás dezenas de caixas de munição de calibres 9 milímetros, 22, 38 e 45, uma pistola sem cano, coletes a prova de bala e granadas de uso exclusivo das forças de segurança. Como apagar isto?
Na Santa Catarina do véio da Havan, fiel escudeiro de Bolsonaro, a vice-governadora Daniela Reinehr (PL) foi a cicerone. Em Florianópolis, o discurso de Michelle tinha mudado, ganhado outro tom. Não pediu desculpas em nome do candidato. Deixou de invocar “a ajudadora dele”. Michelle disse: “Não olhe para o meu marido. Olhe para mim, que sou uma serva do Senhor. Que dobro os meus joelhos e tenho entendimento do mundo espiritual”. De Santa Catarina, seguiu para o Paraná. Depois iria para o Rio Grande do Sul encerrar sua campanha. Mais do que nunca, tentando esconder o pesado marido atrás de si.
Uma resposta
Que tipo de “reportagem” é essa? Porque não revelam logo que idolatram o corrupto cachaceiro e bandido?
Quem apoia um bandido, não tem credibilidade alguma!!!
Fora PT!!!!