Quando pequeno, aprendi a dizer a ba po ru, sons fáceis de compreender entre a língua infantil das primaveras. Na escola, descobri que Abaporu é homem que come gente, tão voraz é a vontade que sabe e insiste na arte de ser.
Educar é pedra, seixo de rio, batéia de saberes, diamante, esmeralda ou um ouro solar, tais mulheres de nome Maria. Garimpar ou semear são gestos distintos, mas na educação indígena, assunto tão vasto e campo de poucos, a jornalista e professora, Maria Cristina Troncarelli*, desvenda, desvela, descara veredas tão delicadas daquilo que nem se fala, mas reage fora da disputa capital. Ecoa em qualquer canto, dói e silencia delitos, aflora de repente dentro da gente.
A publicação de Urucum, Pedra Brilhante, onze anos de formação de professores indígenas do Território Indígena do Xingu, expõe que não passarão aqueles que querem calar os povos indígenas, ao contrário avança, afirma-se, resiliente resiste.
Como escreve a autora: flautas tocadas por humanos e espíritos, muitos cantos e o próprio vento sopraram meu coração. No curso do rio Xingu e em outros rios desta vida, encontrei pessoas de diferentes povos; meus ouvidos apreciaram o soar de sons de diferentes línguas; meu corpo se entregou a diferentes danças e ritmos em festas. Fui acolhida e faço parte de inúmeras famílias. Ouvi palavras sagradas de homens e mulheres sábios, brilhantes como a floresta. Assim se dá o meu aprendizado e formação, sendo contada neste livro parte desta história. Uma experiência de convívio intercultural intenso que mesmo permeada, às vezes, de estranhamentos, fortaleceu a amizade entre todos que são mencionados neste livro.
Letra que num lugar do mundo se inscreve, vermelho de cara de índio se afirma, transcende.
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https://www.carliniecaniato.com.br/livro/urucumpedrabrilhante
*Maria Cristina Troncarelli é educadora da equipe multidisciplinar do Projeto Xingu, de extensão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), atuando na formação de profissionais de saúde indígenas e não-indígenas desde 2012.
Em sua trajetória na educação escolar indígena, lecionou para diferentes povos do TIX — Território Indígena do Xingu, entre 1984 e 1988, através da Funai. De 1993 a 1995, atuou no Projeto de Formação de Professores Indígenas de Rondônia, coordenado pela antropóloga Betty Mindlin através do Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMÁ), lecionando para professores Suruí, Zoró, Ikolen (Gavião), Arara (Karo),Tupari, Djeoromitxi (Jabuti), Makurap, Kanoé e Arikapu de Rondônia. Coordenou, de 1996 a 2006, o Projeto Urucum, Pedra Brilhante, de formação de professores indígenas de dezesseis povos (Ikpeng, Trumai, Kawaiwete, Khĩsêtjê, Tapayuna, Yudja, Kuikuro, Kalapalo, Matipu, Nahukwa, Waurá, Mehinaku, Aweti, Kamaiurá, Yawalapiti e Panara) do Território Indígena do Xingu, da Terra Indígena Panara e Terra Indígena Kayabi para o
Magistério através do ISA — Instituto Socioambiental.