O presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a avenida Paulista de helicóptero por volta das 15h deste domingo. Um helicóptero militar o levava até o ato convocado para ameaçar o Supremo Tribunal Federal, o Congresso, a Democracia. Outro o seguia (aliás, gastando milhões de reais dos cofres públicos). Todos os olhares da Paulista dirigiram-se às aeronaves –a PM calculou que 125 mil pessoas estavam presentes– e começou o delírio.
Vestidos com camisetas da seleção brasileira ou de roupas e bonés de camuflagem, mulheres, homens e crianças gritavam, uivavam, agitavam bandeiras, dançavam em frenesi para o líder no céu. O Mito estava entre eles. Impossível não perceber que Bolsonaro já deixou há muito de ser apenas o presidente de direita. Ele passou a ser o alvo daquele tipo de catarse libidinosa que antes foi dirigido a Mussolini ou a Hitler. “We love President Bolsonaro!”
A ultradireita estava feliz. “Tá maravilhoso! Maior do que os atos contra a Dilma”, dizia a proprietária de uma agência de empregos, enquanto tentava entrar pela rua Pamplona na Paulista lotada. O motivo de tanta satisfação: agora, eram só os “conservadores puro sangue” –e eles eram muitos.
Esses fascistas já não mais precisavam se compor com tucanos, com o MBL (de Kim Kataguiri e de Arthur do Val), ou com Joice Hasselmann (agora considerada uma “traidora”) para juntar muita gente. A avenida-símbolo dos atos públicos era deles. A rua era deles, adoradores de armas, de hinos patrióticos (tocados e cantados incansavelmente) e de Bolsonaro, tanto quanto odeiam o comunismo, Lula, o STF e a mídia.
Ato 90% branco
Alguns jornalistas presentes no chão da Paulista calcularam que 9 em cada dez pessoas presentes eram brancas. Apenas 10% seriam afrodescendentes e esses chegaram principalmente a reboque das caravanas mobilizadas por igrejas evangélicas: “Pastora, quer um sanduíche de queijo e presunto?”, ofereceu uma fiel negra, sentada em frente à sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), como se fosse em um piquenique. A mulher respondeu: “Não. Hoje estou de jejum pela vida de Bolsonaro!”
As caravanas evangélicas tinham concentrações em quase todos os 11 quarteirões cobertos pelo ato bolsonarista. Na altura do número 900 da Paulista, um grande carro de som alternava orações por Bolsonaro, os fiéis de olhos fechados, concentrados na mensagem “divina”. Na frente do carro de som, um boneco careca, representando o ministro Alexandre de Moraes, do STF, era “enforcado” a todo momento pelos fiéis –a saudável diversão sendo registrada em selfies para as redes sociais.
A manifestação contava com um sem-número de cartazes e faixas escritas em inglês, um expediente aparentemente contraditório com o patriotismo apaixonado que todos ali diziam defender. Que escola de inglês essa massa frequentou? E dá-lhe Google Translator:
“Our Supreme Court dictatorial minister Alexandre is arresting people, violating the Constitution (…) Lula is thief and satanist. Brazil is christan. Our weapon is the Bible. Our father is Jesus.” (Ministro ditatorial Alexandre da nossa Suprema Corte está prendendo pessoas violando a Constituição (…) Lula é ladrão e satanista. Brasil é cristão. Nossa arma é a Bíblia. Nosso pai é Jesus).
“Who ordered to kill Bolsonaro?” (Quem mandou matar Bolsonaro?)
“We the people are Supreme.” (Nós o povo somos Supremo)
“Brazilian pre$$ is lying.” (Imprensa brasileira está mentindo)
“Brazilians require the judges to exit from the Supreme Court.” (Brasileiros exigem que os juízes saiam da Suprema Corte)
“I love Bolsonaro. Just do it, Mr. President.” (Eu amo Bolsonaro. Apenas faça, senhor presidente)
“In Bolsonaro we trust.” (Nós confiamos em Bolsonaro)
“We support 100% pres. Bolsonaro against communism in Latin America.” (Nós apoiamos 100% o presidente Bolsonaro contra o comunismo na América Latina)
“Military intervention with Bolsonaro in power. Criminalization of the comunism. New federal Constitution.” (Intervenção militar com Bolsonaro no poder. Criminalização do comunismo. Nova Constituição federal)
E por aí vai!
Mais de 200 ônibus e cerca de igual número de vans levaram manifestantes para a avenida Paulista, de lugares tão distantes como Altinópolis, Fernandópolis, Barra Bonita, Itapetininga, Boituva, Passos, Pompeia, Londrina, Desterro, Mogi das Cruzes, Biritiba Mirim, Salesópolis, Rio Preto, Sorocaba, entre outras cidades.
Toda essa gente gritou em uníssono “Eu autorizo”, quando Bolsonaro, discursando, chamou o ministro Alexandre de Moraes de “canalha” e disse:
“Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais!”
Alguns foram às lágrimas quando Bolsonaro, desafiador, proclamou: “Nunca serei preso. A minha vida pertence a Deus, mas a vitória é de todos nós.”
Ato encerrado, os restaurantes dos Jardins, área nobre de São Paulo, vizinha à avenida Paulista, ficaram lotados de pessoas com camisetas da seleção. Comemoravam juntos o que acreditam ser o início de mais um ciclo de vitórias. “Xandão vai dançar”, gritavam dentro do restaurante Pateo Sabor Paulista. “Xandão” é como se referem ao ministro Alexandre de Moraes, agora alçado à condição de inimigo público número 1 de Bolsonaro.
Alguns observadores políticos notaram que Bolsonaro apresentou-se isolado, que nenhum governador ou chefe de Poder apareceu ao seu lado, como se isso fosse a prova de sua fraqueza. Para a massa que o segue, ignorante, desconfiada da política e frustrada, entretanto, essa “solidão do líder” constitui-se na prova mais eloquente de que seu único compromisso é com o povo que o segue. E o nome disso, de novo, é fascismo. Como Hitler e Mussolini já ensinaram.
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2 respostas
Boa análise. Essa plateia 90% branca, aliás, loura de olhos verdes e poucos “mulatos” e quase nada de negros é sintomática. Salve os Jornalistas Livres. Bom conhecê-los. Salvador.
Ótima abordagem