Nas ocupações só tem vagabundo? Como diria Caetano: “Você é burro!”

Nas ocupações só tem vagabundo, nas ocupações não fazem nada, são todos manipulados comunistas, tudo petista… É isso que se fala, mas será verdade?

Os estudantes estão ocupando as escolas contra medidas do Governo que cortarão verbas da educação e mudarão o currículo do Ensino Médio contra a vontade dos alunos, país e professores. Tomada por uma medida autoritária e sem dialogo o governo estipulou a reforma por meio de uma MP (medida provisória, ferramenta do executivo para propor leis) sem discutir com nenhum dos envolvidos. É uma mudança que vai afetar a vida de todos, uma vez que muda a organização curricular: três opções serão dadas, uma mais focada nas matérias de “exatas”, outra nas matérias de “humanas” e terceira uma formação técnica-profissional. São mudanças importantes, há anos discutidas na formulação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular).  Mas, como é de princípio golpista, a reforma não foi feita pelas vias democráticas onde se pode haver discussão e o envolvimento dos interessados, mas imposta pelo governo. Assim os alunos demandam, forçados pelo autoritarismo do governo, o direito a opinar.

Os alunos, então,  fazem da ocupação um momento de aprendizagem, organizando-se para manter o funcionamento em ordem, limpando, cuidando da segurança, organizando aulas, oficinas e shows. Em todo momento ressaltam a importância da autonomia do movimento. Quem decide tudo que acontece dentro das escolas ocupadas são os próprios ocupantes. Pais, professores, apoiadores e visitantes podem conhecer, mas o comando e a voz é dos alunos. A ocupação é um espaço de autonomia total dos estudantes. São dois os motivos de tamanha atenção e importância para autonomia: o jogo político e a nova visão sobre a escola que os ocupantes criaram.

O jogo político no qual estão envolvidos acabou saindo da esfera escolar. Pelo governo e seu aliados são acusados de serem massa de manobra da esquerda, em uma tentativa de enfraquecer o presidente. Por transeuntes pouco interessados que vem as ocupações por fora são acusados de vagabundos e baderneiros. Assim para tentar se preservar assumem eles mesmo as obrigações de comunicação e entrada de visitantes. Não querem ser incriminados nem que terceiros falem por eles, se preocupam com o protagonismo do movimento para que a bandeira contra a reforma se mantenha no centro do debate. Não têm interesse partidários feitos por eles. As rodas de conversa e discussão são focadas em questões de ensino e presenciamos até discussões sobre cada item da MP da reforma.

Mas a principal motivação para a autonomia do movimento tem uma razão interna. Os ocupantes vendo a falta de espaço e voz que tiveram para falar sobre o rumo da as educação perceberam como a escola pode ser diferente. Eles mesmo estão, simultaneamente as ocupações, propondo uma revolução educacional. Tem uma bandeira de não deixar passar a reforma, mas não são contra as mudanças. A escola sempre foi tida como um espaço de controle e imposição (reforçado pelo absurdo e desnecessário formato de prisão que as grades e portas de aço confere), que  não interessava nem tinha conexão. Mas ao ocuparem perceberam nela um espaço novo, um espaço que pode ser deles.

As ocupações  de escolas subverte a lógica do espaço público no Brasil. Normalmente o espaço público é tomado pela esfera privada e domado pelo interesse de alguns ou é relegada ao espaço de ninguém abandonada.  Há anos se vê a diferença qualitativa entre escolas privadas e publicas.  Mas essas ocupações conseguiram trazer o interesse e principalmente noção de que ela pertencia a todos eles. Com a tomada de posse da escola eles passaram a ver nela não mais um lugar de controle, mas um lugar  de desenvolvimento da autonomia, um lugar onde se pode pensar e fazer política, e trazer o espaço público para o controle daqueles que o usam, deixa de ser um lugar da autoridade para ser um espaço do coletivo, voltado para discussões, para atividades que interessam.

Assim passaram a cuidar dela. Em uma boa parte das ocupações que visitamos os alunos tinham limpado as escolas como nunca antes elas tinham sido limpas. Encontraram bibliotecas, livros, computadores, laboratório, salas e materiais que haviam sido escondidos por burocrata, seja pela falta de interesse em fornecer os materiais ou interesse em esconde-los. Passaram a explorar a escola.  Os estudantes que mantem sempre um número de ocupantes  dentro da escola, mas mantem um sistema de revezamento para que possam ir par casa ou o emprego. A cozinha é o ponto central da ocupação, as refeições são feitas todos os turnos e assim viram o ponto de encontro e discussão. As atividades cotidianas das aulas são trocadas por um dia cheio de atividades culturais e musicais como acontece hoje (25) no Colégio Estadual do Paraná:

A falta de conhecimento da forma como são organizadas as ocupações geram falsas acusações. Esses estudantes, diferentemente do resto da sociedade brasileira, identificaram o espectro que nos rondam e tornaram-se a muralha mais resistente. E sem perceber colocaram a questão da autonomia oposta a autoridade.
Para aqueles que acusam os estudantes de serem massa de manobra, a resposta é, parafraseando Caetano, “você é burro”. Ou deixa de ignorar os fatos, e conhece as ocupações ou continua na ignorância.

Veja o vídeo:

 

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

OCUPAÇÃO NÃO É INVASÃO 

Carol Proner, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e Grupo Prerrogativas explica a diferença entre ocupação e invasão e a importância do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra