Yamurikumã.

Encontro de mulheres indígenas realizado na aldeia dos Yawalapiti, Alto Xingu, em 2003. Imagem por Helio Carlos Mello ©.

Quando nasci descobri que havia índio, um anjo de cocar pousou na laje da maternidade.

Quando crescia descobri nas páginas dos diários e livros no prelo que ainda índio se via, em todo canto aparecia.

Já adulto e pai, fotojornalista fui para as aldeias a convite de Sofia Mendonça, médica e antropóloga, para documentar, em 2003, o primeiro encontro de mulheres indígenas que aconteceria na aldeia Tucum, dos Yawalapiti, reunindo várias etnias e suas mulheres, em momento ousado e valente.

Tantos encontros sucederam-se naquela década ao longo de aldeias variadas na área do Xingu. Em tantas outras áreas indígenas do país as mulheres e seus povos também se mobilizaram e constroem, dia a dia, um novo capítulo na história dos povos originários.

Em 2018, já fortalecidas, maduras e autônomas em associação de mulheres, em nota se manifestam agora:

 

Nota sobre a 5ª ASSEMBLEIA YAMURIKUMÃ das mulheres xinguanas.

 

 

 

Durante os dias 24 a 26 de janeiro de 2018 realizamos a 5ª Assembleia da Associação YAMURIKUMÃ das Mulheres Xinguanas na aldeia Moygu (Ikpeng), localizada no Território Indígena do Xingu (MT). Nossa assembleia contou com a participação de aproximadamente 100 indígenas das etnias: Ikpeng, Kamaiurá, Kaiabi, Kalapalo e Waujá. Além disso, também contamos com a participação e o apoio de representantes do Instituto Maíra e da Funai (CGPC e CR Xingu).

O tema escolhido para esta assembleia foi UNIÃO, não somente entre as mulheres, mas também entre os homens e entre os povos indígenas do nosso Xingu!

“Quando a gente se aproxima de outras mulheres a gente fala de união. A gente dá o exemplo pra não fazerem as coisas que a gente não gostaria que fizessem com a gente. A gente fala de respeito e, assim, a gente vai tentando trazer mais mulheres para o movimento. Que a mulher seja dona de sua própria historia. Cada mulher indígena tem sua história, mas quase ninguém conhece. Temos sonhos. Nós sofremos, mas não falamos muito do que sentimos. Estamos sempre caladas e cuidando das pessoas. E este é o nosso espaço onde falamos e nos sentimos à vontade e acolhidas. Este é o objetivo da associação Yamurikumã: unir as mulheres. Mesmo com tantas dificuldades a gente não abaixa a cabeça. Sempre sonhando. A gente tem que fazer o que a gente fala. Se falamos de respeito temos que respeitar. E queremos o respeito de outras mulheres e dos homens”. (Kuiaiú Yawalapiti)

A abertura da nossa assembleia foi um espaço que permitiu muita troca de conhecimentos. Muitas mulheres reafirmaram seu compromisso com a nossa luta e com a nossa associação. Estamos unidas e fortalecidas. “Nós mulheres temos que nos unir. Precisamos dessa união. Se a gente começar a se separar a gente vai se enfraquecer. E quando a gente se enfraquecer vamos dar mais motivos pros homens falarem mal. Pra não acontecer isso temos que nos fortalecer cada vez mais”. (Remiru Ikpeng)

Lutamos contra o preconceito e o machismo, por acesso à informação, alimentos saudáveis, proteção do meio ambiente e contra todas as formas de violência contra as mulheres. Na nossa assembleia celebramos o fato de que hoje, nós, mulheres xinguanas, conquistamos cada vez mais espaço nas decisões políticas. Capacitamos e informamos nossas associadas para que elas possam representar nossas demandas e lutar por um mundo melhor para todas e para todos.

Kaiulu Kamaiurá Trumai, atual Presidenta das Yamurikumã, falou firme sobre nossa associação: “Essa associação foi criada porque estávamos preocupadas com as mulheres nas aldeias, a associação não é minha, é das mulheres, é de vocês, eu fiz o mais difícil, só abri o caminho pra vocês, não é pra mim, é pra vocês. A associação ainda tem 7 anos, é uma menininha, bonitinha, mesmo ela criancinha, ela conseguiu gestar 3 vezes, o projeto aí que vocês viram prova que a Yamurikumã tem fruto. Ela é a única instituição que anda com as próprias pernas, têm parceiros, mas não tem alguém ali dizendo o que fazer, a gente caminha com as próprias pernas, mesmo não tendo treinamento enfrentamos esse desafio. A associação não pode acabar. Se estou fazendo uma má gestão então vocês tem que me tirar e colocar outra, eu não vou chorar. A associação é de vocês mulherada, não é minha. É isso mulherada, vamos seguir nosso coração e trilhar nosso próprio caminho. A associação não vai acabar e ainda vamos superar muitos desafios”.

Durante a nossa assembleia também foi debatido o uso abusivo de imagens e fotografias tiradas dentro do Território Indígena do Xingu. Nós, mulheres xinguanas, não vamos permitir que nossa imagem seja transmitida sem nossa autorização. Sabemos dos nossos direitos e não vamos mais permitir que eles sejam desrespeitados. Vamos orientar nossos filhos, netos e nossas comunidades para sejamos, cada vez mais, respeitadas e reconhecidas.

Nossas guerreiras xinguanas deixaram claro que compartilham dos mesmos interesses e objetivos. Mais do que nunca estamos unidas e certas de nosso futuro. Juntas e com muita coragem vamos trabalhar diariamente na construção de um novo mundo, mais justo e igual para todas e todos.

UNIÃO, FORÇA E LUTA!

 

5ª Assembleia da Associação YAMURIKUMÃ das Mulheres Xinguanas na aldeia Moygu (Ikpeng), localizada no Território Indígena do Xingu, realizado de 24 a 26 de janeiro de 2018. Imagem por Kuiaiú Yawalapiti ©.
  • O ritual feminino do Yamurikumã.

A casa das flautas, no centro da aldeia, esconde instrumentos que as mulheres podem ouvir, mas não podem ver. As flautas ficam penduradas na viga central do teto e podem ser tocadas a qualquer momento, por um grupo de três homens no interior da casa. De noite, quando as mulheres se recolhem, podem sair para o pátio. Também saem ao ar livre por ocasião de tarefas coletivas masculinas, retribuídas com alimentos por aquele a favor de quem são realizadas. Nessas ocasiões, as mulheres têm de se trancar em suas casas.

Mas as mulheres invertem essa situação no rito de Yamurikumã (na terminologia kamaiurá, mais difundida na região), realizado na estação seca, no qual elas atuam com armas, movimentos tipicamente masculinos e ornamentos de penas e chocalhos nos tornozelos, que normalmente são usados por homens; lutam, inclusive, o huka-huka.

Recebendo convidadas de outras aldeias, que ficam acampadas nas proximidades (como no Kwarup), as participantes entoam canções que se referem à sexualidade masculina. Há vários tipos de canções, algumas mencionam os eventos de origem dessa cerimônia, muitas reproduzem a estrutura das performances masculinas com as flautas, e outras simulam explicitamente a sexualidade agressiva dos homens diante de certas mulheres. Os homens, que podem ser agredidos, se retraem.  

https://pib.socioambiental.org/pt/povo/xingu/1550

 

 

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