“Aqui não tem lei. A gente vê o que tá acontecendo e ninguém faz nada”, afirmou Francisco Pedro da Silva, assentado há 26 anos.
Em Gurinhatã, no acampamento Arco-Íris, às margens da rodovia 461, no Triângulo Mineiro, os últimos dias têm sido de muita tensão para os trabalhadores rurais. O senhor Wilson vive há 12 anos no local, e para ele o acampamento é sua vida: “A gente quer um lugar pra colocar a família. Não queremos continuar próximos da estrada, mas não tem jeito de entrar na fazenda. A gente é pacífico.”
Ontem (1/09), enquanto as lideranças do acampamento estavam em uma audiência com o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) sobre a desocupação do terreno, que, por estar na beira da estrada pertence ao Estado, os jagunços do fazendeiro puseram fogo no mato próximo ao acampamento, o que provocou a queima de vários barracos e do curral.
“Tem moço com a mão queimada aí, tentaram salvar as galinhas, os porcos, mas, e se fosse uma criança?”, continuou Francisco. “Filhos de fazendeiros, jagunços, todos ameaçam a gente.”
Esse não foi o primeiro episódio de agressão essa semana: do dia 27 ao dia 30 de agosto, escavadeiras destruíram alguns barracos, e os moradores se viram novamente indefesos diante da violência.
Mas, qual é a história do conflito?
Em 2009, sem-terra ligados a movimentos sociais (MTST e Movimento Terra, Trabalho e Liberdade), ocuparam o mesmo espaço em que vivem hoje, perto da estrada, porque a fazenda estava improdutiva. Lutaram até 2018 na Justiça, quando o espaço foi considerado improdutivo por meio de um decreto. Ficou definido que aquele espaço seria utilizado para fins sociais, para a reforma agrária.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) tinha dois anos para entrar com emissão de posse, ou seja, fazer o assentamento das famílias, mas nada fez. Segundo Augusto César Leonel de Souza, da brigada jurídica do MTST, essa é uma decisão política.
“Agora em 2021 (março), arquivaram o processo e consideraram a fazenda produtiva. Isso é política. Quando o governo Bolsonaro assumiu, eles suspenderam muitos processos administrativos de reforma agrária e demarcação de terras indígenas. O INCRA está sucateado e não vai cumprir com sua função. Ignoraram todo o processo que ocorreu desde 2009 até 2018.”
Ou seja, o INCRA esperou dois anos até o decreto caducar para considerarem a fazenda produtiva, mesmo que ela tenha sido considerada improdutiva após anos de processos.
Marçal, que vive há 6 anos no acampamento, disse que há 3 anos os seguranças privados saíram e, em seu lugar, entraram jagunços, que são bem mais violentos. Também nos relatou que nas primeiras entradas, em 2009, a própria polícia apoiava as violências cometidas pelos jagunços e fazendeiros.
Hoje em dia a pressão também é dupla, mas no caso, ao invés dos policiais, temos a DER, pois a faixa ocupada pelos moradores na beira da rodovia pertence ao Estado, e, por isso, estão pedindo reintegração de posse.
O problema é que como o INCRA não entrou com emissão de posse, eles não podem sair da faixa e entrar na fazenda, que está ocupada por garimpeiros armados. Cinco barracos já foram destruídos, dois por escavadeiras e três pelo fogo.
Para piorar a situação, a fazenda foi adquirida por uma empresa através de um processo de falência.
O senhor Francisco Pedro da Silva nos alertou que está no sistema de proteção pela sua vida, por ter sido ameaçada várias vezes, assim como outros cinco colegas seus.
“Será que vai ter que morrer gente para a terra sair? Em Curiango, Barreira, Porto Feliz, foi assim. Gente nossa morreu. Eles taxam a gente de terrorista, mas não é não. A gente quer produzir, e o único jeito é ocupando.”