A verdadeira história da escravidão de ontem e de hoje faz Globo passar vergonha no Carnaval 2018

Print do canal Enredo e Samba no Youtube

A Globo se calou. Foram vários minutos de silêncio na transmissão ao vivo do desfile da Grêmio Recreativo Escola de Samba Paraíso do Tuiuti.

O que se viu na transmissão foi um festival de falas rasas, com frases curtas que tentavam disfarçar o indisfarçável incômodo dos comentaristas, tudo porque a escola questionou o “fim da escravidão”.

E não parou por aí. A Tuiuti apresentou brilhantes críticas ao golpe de estado de 2016, arregimentado pela Justiça, parte de parlamentares, grandes empresários do país e comandado pela própria Globo.

Não dava, para do nada, simplesmente, cortar a transmissão.

Ficou provado ao vivo, em cadeia nacional que o tema do racismo contra as negra e negros, maioria brasileira exterminada todos os dias de maneira velada é um fel que os veículos de imprensa tradicionais, ou melhor, a velha imprensa não sabe digerir e se recusa a debater.

O desfile que incomodou a maior patrocinadora do genocídio dos pobres, negras e negros do Brasil, questionou o suposto “fim da escravidão” e colocou os “paneleiros” criados pela Globo, na Sapucaí como bonecos manipulados.

A incrível finalização trouxe o presidente golpista Michel Temer numa representação vampiresca neoliberalista, tal como ele vem sendo caricaturizado, pela esquerda, e até por uma considerável ala da direita do país. A TV Golpe se embaraçou. Temer e Globo, juntos, são os Feitores do Século XXI.

Foto: SRZD

Já o carnavalesco da escola, Jack Vasconcelos superou junto com a comunidade, todos os incidentes do desfile de 2017, e sem dúvida merece aplausos de pé, pelo trabalho crítico sustentando por uma pesquisa brilhante e aprofundada que trouxe para 2018, um dos enredos mais bonitos e aguerridos do Carnaval do Rio de Janeiro. Um verdadeiro grito de luta contra todos os retrocessos que o povo pobre sofre e que continuou com o impeachment da presidente Dilma Rousseff e com a aprovacão de “reformas”, especialmente, a trabalhista.

O samba, ah…o samba… com seu papel de cultura de resistência é um instrumento fundamentalmente conscientizador. De origem afro-baiana, esse querido, o samba, descende do **lundu usado nas festas dos terreiros entre umbigadas e pernadas de capoeira.

Mas já havia alguns anos que escolas de samba não produziam algo que conectasse tão verdadeiramente com a realidade.

A inquietação, indignação e a denúncia sobre uma sociedade dividida entre “nós e eles” foi ilustrada por “carteiras de alforria” que foram substituídas pelo fim da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT fisicamente representada por carteiras de trabalho, que agora, com a reforma trabalhista, leva ao trabalhador do século XXI, um destino como o da escravidão do século XIX. O trabalhador de hoje é sem dúvida, o escravo de outrora.

Foto: SRZD

O título do enredo é de um samba da “Unidos de Lucas”*, da década de 60, que louva a abolição da escravatura e a Princesa Izabel que assinou a Lei Áurea mas na época, nenhum questionamento sobre a escravidão daqueles dias foi feita. Nada foi dito sobre a escravidão moderna existente no Brasil.

Nas redes sociais, o desfile histórico da Tuiuti, neste domingo 11 de janeiro de 2018, ainda ferve e polemiza a segunda de carnaval e deve ficar na memória de muitos dividindo o carnaval da Sapucaí entre antes e depois desse desfile da Tuiuti.

Seja no Twitter, Facebook e até em veículos da mídia tradicional que fazem as tradicionais enquetes sempre um dia após os desfiles só dá Paraíso do Tuiuti, só dá PT!

Samba Enredo 2018 – Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?
G.R.E.S Paraíso do Tuiuti

Irmão de olho claro ou da Guiné
Qual será o seu valor? Pobre artigo de mercado
Senhor, eu não tenho a sua fé e nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar a escravidão e um prato de feijão com arroz

Eu fui mandiga, cambinda, haussá
Fui um Rei Egbá preso na corrente
Sofri nos braços de um capataz
Morri nos canaviais onde se plantava gente

Ê Calunga, ê! Ê Calunga!
Preto velho me contou, preto velho me contou
Onde mora a senhora liberdade
Não tem ferro nem feitor

Amparo do Rosário ao negro benedito
Um grito feito pele do tambor
Deu no noticiário, com lágrimas escrito
Um rito, uma luta, um homem de cor

E assim quando a lei foi assinada
Uma lua atordoada assistiu fogos no céu
Áurea feito o ouro da bandeira
Fui rezar na cachoeira contra bondade cruel

Meu Deus! Meu Deus!
Seu eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social

Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti o quilombo da favela
É sentinela da libertação

https://youtu.be/RkVKiEzQMUw

*Notas

*Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Lucas é uma escola de samba do Rio de Janeiro, fundada a 1 de maio de 1966. Está localizada no bairro de Parada de Lucas.

**Estilo musical que unificou o país e faz parte da identidade nacional, tem origem numa mistura de elementos africanos, baianos, indígenas e carioca. Nasceu da influência de ritmos trazidos por colonizadores e colonizados, ainda na época do Brasil império, e foi adaptado por escravos. 

Quem desejar consultar a bibliografia utilizada pelo carnavalesco na pesquisa do samba enredo, lá vai:

LOVEJOY, Paul E., A escravidão na África, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
MOURA, Clovis, Dicionário da escravidão negra no Brasil, São Paulo: Edusp, 2004.
NABUCO, Joaquim, O Abolicionismo, Brasília: UnB, 2003.
NARLOCH, Leandro, Guia politicamente incorreto da história do Brasil, São Paulo: Leya, 2009.
PATTERSON, Orlando, Escravidão e morte social – Um estudo comparativo, São Paulo: Edusp, 2009.
PÉTRÉ-GRENOUILLEAU, Olivier, A história da escravidão, São Paulo: Boitempo, 2009.
PINSKY, Jaime, A escravidão no Brasil, São Paulo: Contexto, 2000.
SALLES, Ricardo; MARQUESE, Rafael, Escravidão e capitalismo histórico no século XIX – Cuba, Brasil e Estados Unidos, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
VERGER, Pierre, Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos: dos séculos XVII a XIX, 2ª edição, Salvador: Corrupio, 1987.

Fotos: http://www.srzd.com

COMENTÁRIOS

4 respostas

  1. É desonesto linkar a escravidão ao trabalhador pobre em geral dos dias atuais. O branco pobre de ontem estava bem longe da mesma condição do pobre e preto daquela época. A esquerda historicamente rouba pra si tirando o protagonismo na luta pela emancipação do povo preto.

  2. Não sou muito chegada ao carnaval , mas eu amei o desfile dessa escola. Foi fantástico e lindo, abriu os nossos olhos enquanto irritou a burguesia.

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