Não se trata de defender o modelo de democracia latino americana implantado pelo chavismo há 25 anos. A chamada Revolução Bolivariana, ou Socialismo do Século XXI, teve e tem erros e acertos que serão julgados pela história no devido tempo. O que é importante observar agora é a movimentação no tabuleiro da política global em tempos de ascensão do fascismo. E esse é um jogo que se desenrola principalmente no campo da comunicação. Por isso é fundamental entender os lados da disputa e como estão sendo representados midiaticamente.
A primeira coisa que se deve ter em mente é que provavelmente não há nenhuma pesquisa confiável de intenções de voto. Emblemático disso é a “reportagem” do site Poder360 publicada hoje: “Pesquisa AtlasIntel divulgada na 6ª feira (26.jul.2024) indica que Edmundo González Urrutia (Plataforma Unitária Democrática, centro), tem 51,9% das intenções de voto nas eleições da Venezuela, marcadas para domingo (28.jul). Ele representa a coalizão formada por 11 partidos de centro-esquerda e centro-direita, em oposição ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro (Partido Socialista Unido da Venezuela, esquerda), que aparece em 2º lugar na disputa, com 44,2% dos votos.”
Poderíamos facilmente argumentar que a PUD não é e nem nunca foi de centro. Sua organizadora, María Corina Machado, é uma das signatárias da Carta de Madrid, manifesto capitaneado pelo partido neofascista Vox, da Espanha contra o avanço político e ideológico do “comunismo” na Iberoamérica. Sério, querem que você acredite que estamos sob ameaça do comunismo em pleno 2024! Assinam com ela gente do calibre de Eduardo Bolsonaro, Giorgia Meloni (presidente da Itália), José Antonio Katz (extremista de direita que perdeu para Gabriel Borit no Chile) e Roger Noriega (ex-embaixador dos EUA na OEA e responsável pela política do país na América Latina durante o golpe de 2002 contra Hugo Chavez).
Mas a forma como o próprio CEO da AtlasIntel, Andrei Roman, analisa a tal pesquisa em sua divulgação pelo X, antigo Twitter, demonstra claramente seu posicionamento e interesses: “Uma vez que não esperamos que estas eleições sejam livres e justas, esta é uma rara ocasião em que a nossa precisão não é um objetivo fundamental para a publicação deste inquérito. ”, escreveu no X o CEO da AtlasIntel, Andrei Roman. “Existem muitas razões pelas quais esta eleição não pode ser considerada livre e justa. Infelizmente o apoio a Maduro não é tão baixo como pode parecer do exterior. Quanto maior for a demonstração de força que a oposição puder fazer, mais isso prejudicará as hipóteses de Maduro manter o poder a longo prazo, mesmo que seja finalmente declarado vencedor”.
Apresentar fascistas como se fossem de centro, um “bolsonarismo moderado” como colunistas brasileiros estão sugerindo, faz parte da encenação. E apontar adversários políticos como ditadores, também. Quantas matérias vocês viram nas últimas semanas sobre a ameaça de banho de sangue de Maduro caso não vença as eleições? Aposto que bem mais do que sobre o candidato da extrema direita nos EUA, que ainda não reconheceu sua derrota para Joe Biden em 2020, dizendo que a oponente Kamala Harris é uma lunática radical de esquerda e que se ele vencer agora os eleitores não terão mais que votar daqui a quatro anos.
O ponto central das análises sobre pesquisas como essa, no entanto, é estratégia atual da extrema direita de deslegitimar as eleições de um país antes mesmo que ocorram e, se o resultado não for o que esperam, alegar fraude. Foi o que aconteceu na Bolívia em 2019, nos Estados Unidos em 2020 e no Brasil em 2022. Esse é o modelo que seguiu o ciclo de lawfare e golpes parlamentares/midiáticos/judiciais contra Manuel Zelaya em Honduras em 2009, Fernando Lugo no Paraguai em 2012 e Dilma Roussef no Brasil em 2016.
Assim, melhor que se fiar na mídia é ouvir quem está no terreno, sentindo o pulso dos venezuelanos. Marisa Rosario Barbato, do grupo de Observadores da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia nas eleições da Venezuela, por exemplo, participou dos comícios de encerramento da campanha de Maduro. Segundo ela, foi “uma experiência importante para entender o clima entre os chavistas e para avaliar a veridicidade das informações que circulam entre a oposição sobre métodos usados pelo PSUV para levar gente nos espaços. A verdade é que foi uma grande festa. A população ocupou quilômetros e quilômetros de estradas. E a alegria no rosto do povo era contagiante. Companheiros andaram por quilômetros para conferir, e o clima era o mesmo. Difícil dizer que as pessoas foram levadas ali com métodos pouco ortodoxos”. Ainda de acordo com ela, outros observadores da ABJD estiveram no comício da oposição e “relataram ter visto bastante gente, mas não mais que cinco quadras e não havia o mesmo clima”.
Quem também está na Venezuela para acompanhar o processo eleitoral e com representantes de movimentos ligados à Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, é João Pedro Stedile. Em vídeo publicado na véspera da eleição, ele informa que está ansioso pelo pleito. “Aqui não é uma disputa entre Maduro contra a direita bolsonarista. Aqui é uma disputa de projeto. Aqui eles vão votar se vão entregar o petróleo aos americanos ou se o petróleo vai continuar sendo utilizado para resolver os problemas da população”.
Após dizer que espera a vitória do governo para a continuidade do projeto popular autônomo, o dirigente do MST alerta para a articulação multinacional da extrema direita e suas táticas. “Já estão com o discurso de que haverá fraude, de que o Maduro é um ditador, essas coisas todas. Apesar de que aqui eles já realizaram 30 eleições em 25 anos. Então, fiquem atentos porque a grande imprensa, mesmo aí no Brasil, está com correspondentes aqui e vão ficar com esse discurso. Espero que vocês acompanhem e se atualizem do que está acontecendo aqui pelas redes dos movimentos populares. Nossos companheiros da Comunicação estão aqui exatamente para se contrapor às informações manipuladas que a imprensa burguesa vai distribuir para todo o mundo”.
Fundamental também ouvir a entrevista da Tutaméia TV com Beto Almeida, cofundador e apresentador da Telesur . Entre outras informações, ele explica que, diferentemente do que está sendo dito nos meios de comunicação estrangeiros, não há fechamento das fronteiras e bloqueio do espaço aéreo. “Agora, por exemplo, um avião que estava no Panamá com alguns ex-presidentes da extra direita fascista latino americana, Vicente Fox do México, Quiroga da Bolívia antes do Evo e a Mireya Moscoso do Panamá, aquela que durante o governo dela se organizou um atentado para assassinar Fidel Castro na Universidade do Panamá. Eles disseram que foram impedidos de levantar voo em direção à Venezuela porque e o espaço aéreo estaria fechado. Nunca esteve. O chanceler (venezuelano, Yvan Gil, que se encontrou dia 26 com o assessor de Lula, Celso Amorim) falou que isso é tudo propaganda, é jogo de cena pra dizer: ah, Maduro está tomando medidas porque sabe que vai perder”.