Conceição do Mato Dentro: uma cidade antes e depois da mineração

Cachoeira do Tabuleiro / Foto web
Cachoeira do Tabuleiro / Foto web
Cachoeira do Tabuleiro / Foto web

Antes da mineração tinha amor. Depois da mineração há ilusão. Isso significa para Conceição do Mato Dentro muita gravidez indesejada, principalmente de adolescentes. Os moradores falam que a cidade viveu um “pico do peão”. Hoje, até pela queda no preço do minério, não se vê tantos trabalhadores. Mas dá pra imaginar a expressão “pico do peão”: muito homem atrás de mulher nas ruas. Muitas mulheres foram abandonadas, algumas com filhos. Os peões, na sua maioria, eram casados e voltavam para suas mulheres após o serviço prestado no município.

Fotografia: Sueli Santos
Fotografia: Sueli Santos

 

Antes da mineração, culturas tradicionais eram visíveis. Depois da mineração, a identidade da cidade parece ter se perdido. Não se vê nem as mulheres de Tabuleiro com suas chitas mais. Mas a falta de reconhecimento e pertencimento é bem pior: uma das maiores tradições da cidade, a farinha de mandioca, está ameaçada. Na comunidade do Sapo, por exemplo, que fica no distrito de São Sebastião do Bom Sucesso, plantar o alimento tem sido cada vez mais difícil.

O ar já não é mais o mesmo, e a água, nem tão abundante. (Nos locais onde há mineradora explorando, a água se torna um bem ameaçado, pois é muito utilizada no processo de lavagem do minério).

Antes da mineração as portas em Conceição viviam abertas. Hoje há medo e receio. Agora são milhares de desconhecidos. Contando a zona rural, que é imensa, Conceição do Mato Dentro tem 20 mil habitantes. Uma pequena cidade que carrega algumas características de grandes centros urbanos: além da violência doméstica e do abuso sexual, que são comuns a todo lugar, há guerra no tráfico, homicídios e roubos. Com a chegada de novos moradores, muitos deles passageiros, não é mais possível reconhecer todos os conceicionense, de modo que a vida em comunidade, em que todo mundo é amigo ou parente, não existe mais.

Fotografia: Sueli Santos
Fotografia: Sueli Santos

Antes da mineração a vida era simples. Depois da mineração ficou complexa. Pequenos empreendimentos, como a antiga padaria da família de Marina Oliveira, teve de fechar após várias gerações, pois não atendia ao gosto dos novos moradores da cidade.

O município virou refém da mineração, como conta a presidente da Câmara de Vereadores. Hoje a economia não se vê sem a receita dela. É como Mariana, também na região central de Minas, onde uma barragem de rejeitos de minério se rompeu em novembro passado. Essas cidades passam a depender quase que 100% da mineração, que apesar de ficar com as riquezas do lugar, não melhora a qualidade de vida dos moradores, como saúde, educação, lazer, cultura e arte.

O turismo, que sempre existiu no município, também ficou ameaçado. Moradores contam que a empresa, a Anglo Australiana, demorou para construir alojamentos, como prometeu. Os funcionários foram hospedados em hotéis, tirando assim a vaga dos turistas.

Antes da mineração todas as montanhas eram perfeitas. Depois da mineração, algumas já estão completamente lapidadas, e o meio-ambiente, por mais que neguem, está ameaçado.

A secretária de turismo do município afirma que a exploração de minério ocorre do outro lado das comunidades turísticas, como Tabuleiro, onde está a cachoeira com a maior queda d’agua de Minas Gerais. Mas um guia de lá confessou que não tem esperanças de que um dia o impacto não chegue ao local.

Como já dito, o ar em toda a cidade não é mais o mesmo após quase 10 anos de exploração de minério. Os moradores reconhecem que depois da mineração há mais acesso a um “desenvolvimento”, leia-se acesso a bens de consumo. Mas uma rápida conversa com qualquer morador que viveu o “antes e o depois da mineração”, pra saber da triste saudade de uma cidade sem exploração de minério.

Mapa da mineração em Conceição do Mato Dentro

Mapa da mineração em Conceição do Mato Dentro

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Uma triste realidade… temos de parar logo de sacrificar nossas montanhas, rios, e toda uma fauna e flora… por lucro de POUCOS onde a comunidade não recebe o suporte necessário…

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